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Jordan Peterson quer te converter

Jordan B. Peterson não é o mesmo. Aqueles que apenas ouviram falar do notório psicólogo canadense e de sua psicologia da religião provavelmente ainda se lembrem do ateu convicto que ele se gabava de ser. Quem acompanha de perto as palestras, os livros, o podcast e as entrevistas do ex-professor de Harvard talvez já soubesse de sua conversão, nem tão recente. Mas é possível que não imaginasse que, mais do que convertido, Peterson está numa missão de converter. São Paulo ofereceu a ele, em sua primeira visita ao Brasil, uma plateia abarrotada — o Espaço Unimed, na zona Oeste, estava tomado de um público que, em boa medida, chegou ali pela fidelidade ao veículo que promoveu o evento, o Brasil Paralelo, atual vetor aglutinante do conservadorismo no país. Pelos aplausos entusiasmados a Peterson, ali havia poucos precisando de convencimento. Mas o que o psicólogo tinha a oferecer era uma espécie de coaching para a conversão de outros. (Em tempo, o ex-coach e atual pré-candidato a prefeito de São Paulo, Pablo Marçal, foi um dos convidados VIP da palestra.)

O evento foi produzido pela Fronteiras do Pensamento, mas não está inserido na temporada de palestras tradicional da entidade. Foi um acontecimento à parte, que mereceu uma caixa luxuosa de convite (que gerou controvérsia para a CEO do Nubank, Cristina Junqueira) e não contou, por exemplo, com uma ala dedicada à imprensa, como de costume.

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Na imensa fila do lado de fora, enquanto Caio Coppolla procurava seu setor, uma defensora pública e uma empresária tremendamente arrumadas diziam que sua admiração por Peterson vem da coragem que ele tem de falar de relacionamentos sem medo de ser cancelado e de defender “o que é ser mulher de verdade” — ele é um vocal ativista contra linguagem neutra, entre outras coisas. E durante a palestra toda recorreu à retórica do “imagine você e sua esposa, ou você e seu marido”. Antes que Peterson e seu casaco estampado com desenhos da Santa Ceia (parecido com o deste vídeo) tomassem o palco, sua mulher, Tammy, promoveu o show de abertura. Depois do câncer que teve em 2018, e do périplo de ambos em busca de tratamento, Tammy se tornou uma fervorosa católica. Com uma voz açucarada, ela fez uma fala curta sobre como é importante não assumir uma posição de vítima na vida. Totalmente em linha com a defesa de Peterson de que as pessoas assumam a responsabilidade por seus atos e suas condições.

Peterson abriu sua palestra alertando que faria uma explanação do significado político das histórias bíblicas. Afinal, diz ele, um livro com histórias morais é um bom guia para balizar a discussão política e tem informações importantes para se interpretar o mundo político. Isso é uma novidade no discurso de Peterson, que, por muito tempo, afirmou não querer falar de política e preferia conter suas análises sobre religião ao campo do comportamento e da psicologia. Não mais.

É de sua metodologia para o tour “We who wrestle with God” (Nós que lutamos com Deus, em tradução livre), baseado no livro de mesmo nome a ser lançado em novembro, escolher um episódio bíblico e extrair algum tipo de lição ao público conservador. Em Nashville, o escrutínio foi sobre os pecados de Adão e Eva. A passagem eleita para São Paulo foi a relação entre Caim e Abel. E o que ela revela sobre sacrifícios.

O raciocínio de Peterson foi o seguinte: Abel era pastor, uma profissão muito nobre para aqueles tempos, um verdadeiro herói da classe trabalhadora. Os atributos dos pastores incluíam saber se cuidar sozinho (símbolo de masculinidade), proteger o rebanho de predadores (símbolo da disposição à aventura), e ser sexualmente atraente para mulheres (que, segundo o psicólogo, são naturalmente atraídas por homens que vivem o perigo, mas podem ser convencidos a ter uma relação de longo prazo com alguém especial). Para agradar Deus, Abel se dispôs genuinamente a fazer um sacrifício, o que embute em si duas características fundamentais. Primeiro, é preciso colocar à mesa o que se tem de melhor. É isso que Deus espera de seus seguidores. Para isso, é preciso ter orgulho de suas virtudes, “não esconder a candeia sob o alqueire”, nos dizeres bíblicos.

Peterson traduz o sacrifício de Abel para uma linguagem mais próxima do coaching: se você age constantemente dando seu melhor, não pode colocar a culpa em nada se fracassar, só em si mesmo. É aí que está o verdadeiro sacrifício — e Abel foi recompensado por Deus, com mulheres e sucesso financeiro. Meritocracia pura. Foi nesse ideal, diz o psicólogo, que Michelangelo se inspirou para fazer seu David, que não teve vergonha de usar seus méritos para “lutar contra o gigantismo do Estado”. O público aplaudiu com veemência.

Bem, o sucesso de Abel despertou o pior em Caim, um profundo ressentido que não sabe lidar com o próprio fracasso, e passa a culpar Deus. Peterson faz, então, uma defesa desse “ideal” do homem pastor, másculo, meritocrático, desejável sexualmente, que luta contra os abusos do Estado. Salta, sem escalas, para Jesus e aponta como a Paixão de Cristo seria o sacrifício do “ideal” pela multidão ressentida — sem esmiuçar que Jesus não empunhava as bandeiras da masculinidade nem da meritocracia.

Esses 50 minutos de palestra, até aqui, foram proferidos quase integralmente de olhos fechados, mãos ao alto, pausas dramáticas, alguns gritos de “Why?”. Era uma pregação.

É quando o guru do conservadorismo dá o nó no ponto: os descendentes de Caim, na Bíblia, são, segundo Peterson, “os engenheiros que idolatram a tecnologia em vez da ascendência divina”. Eles são punidos com o dilúvio e, na sequência, a humanidade constrói a Torre de Babel para tentar buscar o Alto, o que é imediatamente punido por Deus. Na prática, ele defende, o ressentimento de Caim e de sua linhagem e sua idolatria pelo mundano criam um Estado totalitário.

O clímax veio depois de um suspiro: “Marx é herdeiro de Caim”. Muitos aplausos. “O espírito de Caim é o espírito dos materialistas e dos meta-marxistas, como Foucault.” Peterson acrescenta que “hoje, no mundo político, vemos a reprodução da batalha entre Caim e Abel”. E convoca seu público a ser Abel politicamente, a trazer o que cada um tem de melhor para a batalha e não ter medo de exibir sua “luz”.

A plateia o exaltou tão efusivamente que acordou a bebê de menos de seis meses que dormia num carrinho. O casal que assistira a tudo de mãos dadas, enquanto na outra mão a mãe monitorava como a babá cuidava de seu bebê pelas câmeras de segurança na tela do celular, se beijou, emocionado.

Peterson convidou a mulher de volta ao palco para que ela lhe fizesse perguntas enviadas pelo público. Na primeira, sobre o “estado de coisas” do mundo, por assim dizer, o psicólogo já se ocupou de traduzir melhor sua mensagem, caso não tivesse ficado clara. “Os conservadores têm falhado em explicar aos jovens a grande aventura que é falar a verdade, lutar pelo que se acredita. Isso envolve sacrifícios, e suas recompensas, e a aventura está no fato de que os resultados são imprevisíveis.”

A segunda pergunta foi sobre que conselho Peterson daria a mães que são borderline, narcisistas ou sofrem de estresse pós-traumático. Bom, trata-se de um psicólogo, então, claro que o conselho dele foi…”Voltem para a Igreja!”. “Essas questões não são médicas, são morais. O único jeito de se superar um trauma é pelo caminho metafísico, religioso. A única maneira de uma mãe narcisista idolatrar algo que não a si mesma é se ela glorificar Deus.” Peterson acrescentou que não é recomendável, na esfera política, que um líder seja narcisista, porque a tendência é ele se colocar no lugar de Deus. E Deus tem de estar sempre acima de tudo. O público louvou de pé.

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