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O que a Petrobras ensina sobre Lula

Eu sei: críticas ao governo Lula irritam. Sou chamado de bolsonarista a toda hora por conta delas. Paciência. É um governo que está muito longe de levar o Brasil para onde precisamos ir. É verdade que muito disso não é culpa de Lula ou do Planalto, é de um Congresso Nacional conservador que foi sequestrado pela minoria reacionária que está lá dentro. Mas não temos uma política de educação nem para o ensino fundamental, nem para o ensino médio. E isso não é culpa do Congresso, é culpa de uma divisão que existe dentro da esquerda. A política de energia é um desastre. A gente precisa falar, com clareza, a respeito do que está ocorrendo na Petrobras. Mas também sobre o Minha Casa, Minha Vida. Se você junta o Minha Casa com a Petrobras, aprende muito sobre a visão de Brasil que o governo emana. E ela está com os calcanhares firmes, postos no século 20.

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Jean Paul Prates foi demitido da presidência da Petrobras porque Lula considerava que ele estava lento demais em tocar suas prioridades. Tocar as obras da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Do Comperj, no estado do Rio. Incentivar com contratos a indústria naval brasileira. E, claro, assinar um contrato de venda de insumos subsidiados à Unigel, fábrica de fertilizantes na Bahia. Tudo aí é um problema.

Foi justamente por causa de Comperj e Abreu e Lima que começaram as investigações da Operação Lava Jato. Vejam, a condução do processo em Curitiba, pelo juiz Sérgio Moro, foi um desastre. Foi um desastre porque houve interação que não podia existir do juiz orientando como o Ministério Público devia agir. Foi um desastre porque, isso ficou claro na Vaza Jato, juiz e procuradores queriam atingir o PT e trabalhar ao máximo para forçar a barra e prender Lula. Ali era perseguição política, não era Justiça. Era uma ação, principalmente, contra o PT e contra Lula. Foi um desastre porque o devido processo legal não foi seguido.

Isto não quer dizer que não tenha havido corrupção. Pelo contrário. Teve e muita. Dois diretores e um gerente da Petrobras confessaram cada detalhe, explicando que propinas receberam de quem. Também confessaram e deram mais detalhes inúmeros executivos das empreiteiras Queiroz Galvão e Odebrecht. O PT que eu conheci, quando comecei a carreira como jornalista, denunciava a toda hora exatamente este esquema de superfaturamento e propinas pagas a políticos por empreiteiras como Odebrecht e Queiroz Galvão. Agora o PT trata como antipatriótico atacar as empreiteiras, que são o berço da corrupção política no Brasil.

O economista Samuel Pêssoa fez as contas, comparando o que foi gasto na refinaria de Abreu e Lima com refinarias do mesmo tipo e tamanho construídas em todo o mundo na mesma época. Ela custou, dependendo de como se faz a conta, algo entre 5 e 7 vezes mais caro do que as similares. Isso é dinheiro jogado fora. Quando as obras começaram, em 2005, o orçamento para levar até o fim era de dois bilhões e 300 mil dólares. Essa grana seria gasta para entregar uma planta capaz de refinar duzentos mil barris de petróleo por dia. Quando a obra foi inaugurada, em 2014, já se havia gasto dezoito bilhões de dólares. No final, Abreu e Lima custou vinte bilhões de dólares para produzir menos de metade do prometido, cem mil barris de petróleo por dia.

Digamos que todas as acusações de corrupção, as confissões, o dinheiro que as empreiteiras devolveram, digamos que tudo isso seja falso. Se tudo for falso, a conclusão é que estamos falando de um governo terrivelmente incompetente pra tocar uma obra. Se qualquer um de nós contratar um empreiteiro para reformar nossa casa, a obra atrasar uma barbaridade, o custo final sair dez vezes mais cara do que o previsto, a gente reagiria como? Dez vezes mais cara. Se, ainda por cima, o empreiteiro só entregar metade da obra com esse sobrepreço todo, a gente faz o quê?

Vale muito a pena a gente contar a história dessa obra. Pra relembrar as pessoas.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Yan Boechat é fotógrafo de guerra. Jornalista bom, escreve bem, mas seu trabalho é principalmente cobrir guerras. Só que ele está no Rio Grande do Sul. O que viu lá, em termos de destruição, é pior do que viu na Ucrânia, no Oriente Médio. Pior do que viu em guerras. Vale muito ler o Yan para ter uma noção do problema com o qual os gaúchos terão de lidar após a enchente. Vale muito ler. E os assinantes do Meio podem ler já. Está no site.

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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Esse cara, José Inácio de Abreu e Lima, era um brasileiro nascido no final do século 18 que deixou o país para lutar no Exército de Simón Bolívar na campanha de independência da América do Sul espanhola. A refinaria leva seu nome porque, originalmente, era um projeto comum, uma parceria da Petrobras com a PDVSA, a estatal venezuelana de petróleo. Na época, em 2004, Hugo Chávez ainda era presidente, a ditadura não tinha fechado ainda, e o novo regime cultuava a imagem de Bolívar. Então a turma de Brasília foi buscar um pernambucano que lutou com Bolívar para dar nome a uma refinaria, ora, em Pernambuco.

A inauguração das obras foi uma festa só, com Lula e Chávez juntos acenando pra todo mundo. Mas a coisa toda deu muito errado e os venezuelanos pularam fora deixando a conta toda para o governo brasileiro. Por todos os problemas que o chavismo tem, é difícil culpar os caras. As contas começaram a sair de controle muito rápido. Incompetência crassa misturada com corrupção. E a Dilma lá com o laptop dela, que tanto impressionava o Lula.

Sabe, esses escândalos de corrupção nos governos Lula 1 e 2 não foram pequenos e deixaram sequelas sérias. As duas maiores foram que o presidente perdeu seus dois principais candidatos à sucessão, José Dirceu e Antonio Palocci. Foi nessa que a Dilma floresceu. Parecia competente, Lula acreditava nisso. Ela era a ministra das Minas e Energia quando as obras de Abreu e Lima começaram, depois foi ser ministra-chefe da Casa Civil e inaugurou a coisa, pela metade, já presidente da República. Essa refinaria é Dilma do início ao fim.

Refinaria de diesel. É um combustível para lá de poluente, solta muito mais carbono do que gasolina. Mas vá lá. Se a gente faz as contas direito, diesel é também mais econômico, mais eficiente do que gasolina. Então, na ponta do lápis, joga menos menos carbono na atmosfera porque é preciso menos combustível para fazer caminhão ou ônibus se locomover. Mas é isso, né? Um investimento pesado em combustível fóssil, que agora, com a nova presidência da Petrobras, vai receber mais alguns bilhões de dólares para produzir mais diesel. Diesel pra quê?

O grande programa de moradia do governo é o Minha Casa, Minha Vida. A lógica é a seguinte: uma empreiteira arranja um terreno na cidade para erguer ali um conjunto habitacional popular. Se o Plano Diretor permite, ela pega uma grana nas melhores condições do mundo com o governo, ergue o troço e gente que não tem casa ganha uma casa. O que pode haver de errado nisso?

É um programa de acentuar as desigualdades brasileiras. Porque os terrenos são sempre muito longe. São em lugares sem nenhuma infraestrutura. Não é raro que não tenha supermercado, não tem cinema, não tem nada. E como é muito longe, dá-lhe duas horas pra ir ao trabalho, duas horas pra voltar. A lógica do Minha Casa é a seguinte: botar dinheiro em empreiteira é bom porque cria emprego de operário por um ou dois anos. E, no fim, as pessoas têm casa. Enquanto isso, os centros das cidades estão completamente esvaziados. São Paulo, Rio, Belo Horizonte. Cada vez mais quem trabalhava nos centros trabalha, hoje, remotamente. São prédios e mais prédios vazios, sem destino, sem uso. Tudo em lugares cheios de loja, restaurantes, mercados, teatros, cinemas, com metrô, com veículo leve sobre trilhos.

Pega os grandes urbanistas brasileiros, um Washington Fajardo por exemplo, eles ficam exasperados. Fazer o retrofit desses prédios já construídos para torná-los bons para moradia é muito mais barato e você dá casa pras pessoas em lugares muito melhores de viver. E não deixa os centros das cidades morrerem. Você reinventa a cidade. Só que aí gera menos emprego, gera menos contratos para empreiteiras, circula menos dinheiro porque a obra é muito mais barata. Então o governo nem pensa em fazer. Vamos é partir pra mais ônibus movido a diesel que faz as viagens de duas horas pra ir, duas pra voltar.

Sabe o que é pior? Esse jeito de pensar, ele não vai embora. Uma das missões da nova presidente da Petrobras é retomar Abreu e Lima. Outra é assinar um contrato com a Unigel, uma fábrica baiana de fertilizantes. A Petrobras vai fornecer os químicos que a fábrica precisa e vai ser paga de acordo com a capacidade de venda da Unigel. O Tribunal de Contas da União já disse que o contrato não fica em pé. É, na verdade, um truque para a Petrobras transferir uma grana para uma fábrica que está falimentar. Porque não pode deixar quebrar, onde já se viu. O dono é muito próximo do ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa. Pois é. O cargo que era da Dilma. O TCU condenou, mas o governo quer fazer. É incrível.

Pois é, gente. O Rio Grande do Sul ainda está debaixo d’água. E vamos lá jogar carbono na atmosfera porque o governo não consegue imaginar um jeito diferente de desenvolver o país. Tem consolo? Tem. Bolsonaro era pior. Sequer acreditava em mudanças climáticas.

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