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O MBL e seu espelho se encontram

Vamos ver esse vídeo, aqui. A íntegra tem 4 minutos e vinte, vamos só em alguns trechos. Não precisa de mais.

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O camarada de camisa branca é o deputado Glauber Braga, do PSOL do Rio de Janeiro. O de terno e gravata é um militante do MBL. E não vamos esquecer, aqui, que o MBL tem uma única especialidade. Os caras ficam atiçando. O tempo todo. O que um militante do MBL quer é se colocar numa posição em que apanhe de alguém de esquerda. Vocês veem o gesto do rapaz, não é? Sempre braços cruzados para trás, nunca faz um gesto de agressão física. Ele quer ser agredido e quer ser filmado agredindo. Tem sempre um outro com celular ligado e preparado. E, quando eles conseguem, o MBL vende uns cursos, ganha uns votos, faz uma volta olímpica. Esse é o ramo de atividade no qual estão.

Só que isso não é o principal, tá? O mais importante dessa história é que um deputado federal expulsou um cidadão do Congresso Nacional a pontapés porque não gostou do que o cidadão falou. Não pode. Isso é antidemocrático em incontáveis níveis. É a casa do povo. Ulysses Guimarães não usava essa expressão à toa. É uma casa, principalmente a Câmara dos Deputados, que serve pras pessoas entrarem e se manifestarem. O Congresso é o lugar do diálogo e, numa democracia, sim, o diálogo às vezes é duro. Às vezes ofende. Quando um deputado expulsa com violência física um cidadão, algo de fundamental quebra.

Não foi só isso que Glauber Braga fez, não. Ele saiu dali para fazer um discurso em que pedia, as palavras são dele, o “aniquilamento daqueles que querem destruir os institutos federais e as universidades públicas brasileiras, os liberais e fascistas de plantão”.

Aniquilamento. Verbo transitivo. Reduzir a nada. Destruir inteiramente.

A gente não sabe se “aniquilamento” é uma metáfora ou se é um desejo concreto do deputado. Sabemos que partir para o braço, para a violência física, para ele faz parte do jogo normal. Afinal, depois de expulsar uma pessoa do Congresso, não houve pedido de desculpas, ele saiu dizendo que era isso aí. Acho que ninguém tem problema com reduzir a nada, politicamente, os fascistas. Mas quase ninguém se admite fascista, não é? Até os integralistas, aquela meia dúzia de sujeitos que vestem verde e fazem a saudação romana gritando anauê, negam ser fascistas. Não é o caso dos liberais. Eu sou liberal. Muita gente é liberal.

Não é normal expulsar um cidadão do Congresso e depois ir fazer um discurso pedindo para que toda uma corrente de opinião seja aniquilada.
Vejam, não é só que me ofende profundamente ser misturado numa mesma frase com fascistas. E essa é uma das poucas coisas que gente de esquerda fala direto e bate em mim como ofensa. Não é só que o deputado Glauber Braga seja profundamente ignorante em termos políticos. Nunca deve ter lido uma linha de John Stuart Mill na vida, nem tem ideia de que John Maynard Keynes era economista-chefe do Partido Liberal Britânico. Ele não entende, sequer, que pode subir e fazer o discurso que fez porque está numa democracia liberal. Numa democracia iliberal, não poderia.

Eu não quero o aniquilamento dos socialistas porque sou liberal. Não quero o aniquilamento dos conservadores pela mesma razão. Aliás, por ser liberal considero fundamental o investimento do Estado em educação. O que o deputado vende por liberal é uma caricatura que nada tem a ver com a ideologia. Aliás, o que o MBL vende por liberal é tão caricatura quanto. É inerente à ideia de uma democracia liberal que discordaremos, que estas discordâncias às vezes despertarão emoções fortes, debates acalorados, e que temos de ter disciplina para enfrentar essas conversas. Que temos de criar espaços onde estes debates possam ocorrer. O mais importante destes espaços é o Parlamento. É o Poder Legislativo. É o Congresso Nacional.

As correntes de opinião são legítimas quando aceitam as premissas da democracia. Elas deixam de ser legítimas quando não aceitam mais estas premissas. É por isso que o fascismo não é uma corrente legítima. Deveríamos perguntar seriamente, ao deputado Glauber Braga, se ele aceita estas premissas. Porque suas ações e seu discurso fazem crer que não.

Mas, olha, tem dois pontos importantes aqui. Tanto o deputado Glauber Braga quanto o MBL são sintomas, à esquerda e à direita, de como as redes sociais prejudicam o sistema demcorático. Elas fingem que promovem o diálogo, mas o que fazem é o oposto. Ritualizam e incentivam a violência política em substituição ao diálogo. Vale a gente ir um pouco mais fundo.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Vem cá. Vocês já entenderam o que a gente faz aqui, não é? A gente faz uma defesa da democracia. Isso não é porque a gente é de esquerda. Não é porque a gente é de direita. Mas é porque a gente entende que existem brasileiros de direita, existem brasileiros de esquerda, os dois grupos têm pleno direito à cidadania e a gente precisa voltar ao mundo em que todo mundo era capaz de sentar e conversar. Em que éramos capazes de gostar das pessoas mesmo quando a gente discordava delas. Não tem ameaça à democracia quando todo mundo se fala na boa. Ameaça nasce quando as pessoas não são capazes mais de diálogo.
A gente, aqui no Meio, traça uma linha e diz o seguinte: cruzou ela, quis derrubar a democracia, você está fora do jogo. Mas todo o resto continua dentro. Tanto esquerda quanto direita são legítimos para jogar. E isso inclui o Centro que, sim, existe. Precisamos da assinatura de vocês porque, se a gente não fica de pé, o que sobra na internet é jornalismo que torce para um lado. Se só sobra o jornalismo das torcidas, a gente não vai ter paz. Vai ser pra sempre aquele discursinho de porque o outro lado é tudo de ruim e nós somos a virtude encarnada. Assine o Meio. Se você acha que isso aqui faz sentido para você, assine o Meio. É contigo. É com todo mundo que entende que a internet, o digital, precisa deste tipo de jornalismo. Que a democracia precisa.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

O Movimento Brasil Livre não é sério. É uma operação que tem por objetivo tirar dinheiro de gente jovem e conservadora, alguns com mais recursos, outros com menos. O MBL não tem um projeto de Brasil, não tem uma estratégia política. O que eles têm é tática de como se manter em evidência nas redes sociais. E o truque é muito simples. Eles vão onde tem gente de esquerda e provocam. Às vezes fazem com humor, às vezes fazem com ofensas, às vezes é na pura tenacidade da irritação. Sim, eles são profundamente irritantes e não têm qualquer norte ético. Se tem um calo para ser pisado, não importa o quanto doa na pessoa, o quanto seja delicado para a pessoa, eles vão lá e pisam.

O MBL é um movimento de parasitas da democracia. Não querem propriamente rompê-la, como o bolsonarismo, mas vivem de testar seus limites. Eles ganham quando Ciro Gomes dá um tapa, ganham quando são expulsos de um campus, ganham quando um deputado mete um chute e põe pra fora do Congresso.

A força do MBL está na compreensão de para que servem os algoritmos das redes sociais. Porque os ingênuos acreditam que os algoritmos servem para nos recomendar o que gostamos de ver. Não é para isso. O algoritmo serve para nos recomendar o que mexe com nossas emoções mais básicas. Tem coisas que gostamos de ver e nos deixam em estado reflexivo. Isso não nos leva a buscar mais estímulos, nos leva a nos recolhermos para processar a informação. As redes não querem a gente desse jeito. Tem coisas que são o contrário, abaixam o nível de reflexão e sobe o da reação gutural. Vocês sabem. É aquele frisson do TikTok de mais um vídeo, mais um vídeo. Ou é aquela coisa de Twitter “tem alguém errado na internet”. Aí voltamos e voltamos e queremos acompanhar cada instante da discussão. Queremos dar nosso pitaco, dar likes, republicar o que nos deixa indignados ou que nos alenta.

Muitos sites jornalísticos vivem de alimentar as polêmicas estúpidas que geram emoções fortes na internet todos os dias. O MBL vive disso. De inventar esses conteúdos. Ontem, o deputado Glauber Braga deu de presente pro MBL essa história. Porque a coisa funciona em mão dupla, tá? Cada pessoa de esquerda que vai pras redes e fala desse assunto, que concorda com o deputado, está também informando ao algoritmo que aquele conteúdo anima, que aquilo é bom, que gera polêmica. O MBL não sobe, não cresce, não vende curso de liderança só por causa de gente de direita, não. Todo mundo de esquerda que ajuda o MBL a criar suas polêmicas, que fala mal do MBL, que bate, que empurra, que chuta, que morde, retuita, dá like, todos esses também fazem o MBL crescer e chegar a mais gente. Rede social é judô. É luta, não é conversa. E quanto mais pesado o adversário, melhor para quem dá o golpe.

O MBL é um parasita da democracia que só pode ser aniquilado, como quer o deputado, fazendo exatamente o contrário do que fez o deputado. Ignorando.
Mas o deputado, políticos de esquerda do tipo dele, não farão outra coisa. Porque eles precisam do MBL. Preciam posar de machinhos, olha como sou forte, olha como não levo desaforo para casa, olha como não deixo que xinguem minha mãe. Olha como aniquilo os inimigos. Porque enquanto o MBL cresce nas redes, também eles crescem nas redes. Também esse tipo de política cresce e perdemos mais um pouquinho da democracia.

O discurso político nas redes é violento. O discurso político que essa internet que temos organiza é um de confronto. Não é de busca de consensos, é de realçar dissensos. O que faz a gente ser muito distribuído nos tuíteres da vida é mostrar como temos nós todas as virtudes e, nossos inimigos, são culpados de todos os pecados.

Glauber Braga pode achar que é muito diferente do MBL. Não é. Pensa política igualzinho.

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