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Bolsonaro vai ser preso?

O cheiro é o seguinte: entre o finalzinho deste ano e o início de 2026, deveremos ter um desses julgamentos espetaculares do Supremo Tribunal Federal. Tipo o do Mensalão. O Brasil vai grudar na televisão por algumas semanas. Dá para chutar que vão tentar começar esse julgamento antes cedo do que tarde, porque o mandato de Luís Roberto Barroso como presidente do STF termina em setembro de 25 e ele gostaria de estar no comando. Para os réus, a diferença é nenhuma. Quem sucede Barroso é Edison Fachin e, embora um tanto mais discreto, em termos de cabeça ele e Barroso seguem a mesma linha.

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Jair Bolsonaro vai ser réu, acusado de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado. Ao lado dele deverão estar sentados os generais de Exército Augusto Heleno, Walter Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira e Estevam Theophilo, além do almirante de Esquadra Almir Garnier. Tem um ex-comandante do Exército e um ex-comandante da Marinha nessa lista. Dois ex-ministros da Defesa. Todos réus. Ao final do processo, eles devem ser condenados e receberão penas que vão incluir períodos de reclusão.

Ou seja: cadeia.

A prisão de Bolsonaro vai seguir o mesmo padrão que Lula recebeu. Esta é uma questão legal, uma jurisprudência fixada pelo Supremo em 2006. Um ex-presidente, e isso vai valer também para os oficiais das Forças Armadas, tem direito a “instalações e comodidades condignas” ou, o termo que usam na lei é este, uma “sala de Estado Maior”. Lula teve uma sala com banheiro privativo, uma televisão sua em que podia colocar pendrives com filmes e outros programas que lhe levavam. Esperem exatamente o mesmo tratamento para Bolsonaro. Acesso a internet, isso não tem.

Preso, Bolsonaro poderá receber visitas frequentes. Lula tinha este direito. Uma legião de militantes acampou na praça em frente ao prédio da Polícia Federal em Curitiba. Acordavam todo dia gritando “bom dia presidente Lula”. Não dá para afirmar que o mesmo ocorrerá com Bolsonaro. Mas vocês viram o ex-presidente sendo recebido ontem, em Não-Me-Toque, Rio Grande do Sul? Sim, a cidade existe, fica próxima de Santa Catarina. Cidadezinha, 18 mil habitantes. E parece que todo mundo foi pra rua vê-lo. Esse cara é muito popular.

Então talvez não tenha uma praça cheia de gente com a camisa verde amarela acordando todo dia pra gritar “Bom dia, presidente Bolsonaro”, mas seguindo a lógica do bolsonarismo não é difícil imaginar que quase todo dia vai ter mensagem de Bolsonaro para sua turma. Essas mensagens vão ser transformadas em videozinhos de internet, em tuítes, serão distribuídas em fotografias do texto manunscrito. Uma legião de pessoas vai enxergá-lo como uma vítima do comunismo, ou vítima dos ladrões, do sistema, um injustiçado. Um mártir. Uma legião de pessoas vai repetir que vivemos na ditadura do STF, do Xandão, do Lula.

Mesmo preso, Bolsonaro vai ser um dos nomes mais presentes, mais capazes de mobilizar eleitores, na eleição presidencial de 2026. Seu candidato chegará ao segundo turno contra Lula. Sua prisão será o tema dominante da campanha.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Arthur Lira está sob ameaça. E, olha, não é só por conta do governo, não, tá? Também o Centrão está de olho no poder que ele tem. A eleição para presidente da Câmara se aproxima, as negociações esquentam, e aos poucos o atual líder da casa está sendo fritado. O que pode acontecer? A gente contou essa história na edição deste sábado. Se você assinar, pode ler tudo agora. Assina. Seja um assinante premium.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Agora, você tem todo o direito de fazer uma pergunta, né? Como é que esse sujeito aí pode fazer essas previsões todas? Bem, número um e mais importante: posso estar errado. Mais provável é que uns 80 a 90% deste desenho se confirme. Vamos lá. Em parte o roteiro vem de conversas com pessoas que, digamos assim, estão de alguma forma envolvidas diretamente com o julgamento. Não quer dizer que sejam ministros do Supremo, mas pode ser que sejam, pode ser que seja gente próxima. Todo mundo próximo, nesta primeira semana de março de 2024, estava vendo um caminho mais ou menos desse jeito.

A última peça que faltava para o quebra-cabeças se armar foi dada pelo general Marco Antonio Freire Gomes, que depôs à Polícia Federal na sexta-feira passada. Ele não se calou, pelo contrário. Falou por mais de sete horas e respondeu em detalhes a 250 perguntas. Era o comandante do Exército durante o período em que Bolsonaro falou mais ativamente sobre golpe de Estado. Freire Gomes confirmou toda a delação premiada do tenente coronel Mauro Cid, disse que manteve os acampamentos de patriotas na frente dos quartéis por ordens de Bolsonaro, contou que muita gente o pressionou para dar um golpe.

Olha, essa coisa não é acidente, tá? Uma cama foi armada para Freire Gomes deitar, e ele deitou. Este é um jogo e as peças estão sendo movidas.
O comando do Exército não foi passivo no ataque ao processo eleitoral brasileiro. Atacou os trabalhos do TSE, publicou um relatório ambíguo a respeito das urnas que alimentou o submundo das redes bolsonaristas, incentivou os acampamentos dos militares. No cargo de comandante do Exército estava lá ele: Freire Gomes. Ele tinha a obrigação de denunciar, dada a importância de seu cargo, que um golpe de Estado estava sendo planejado e que o planejamento incluía o presidente da República. Não cumpriu com sua função mais básica. Por quase todo o ano de 2022, ele agiu em consonância com os golpistas. Não em oposição a eles.

Só que, a gente não sabe bem por que, algum desentendimento houve e Freire Gomes não embarcou no golpe. Em algum momento de dezembro, falou que estava fora. Um cenário plausível é o de que sentiu que não tinha maioria no Alto Comando e percebeu que corria o sério de risco de, em dando a ordem, enfrentar a resistência dos outros generais de Exército. Aí ele terminaria preso. É uma hipótese, um chute. O fato é que Freire Gomes não embarcou e isso levou o general Braga Netto a chamá-lo de “cagão”. Termo horrível, né? Falou em oferecer a cabeça dele aos leões. Está num Zap que Braga Netto mandou, pra sorte do comandante.

Freire Gomes sabe onde os esqueletos deste golpe estão enterrados. Sabe que sua vida poderia se complicar. Mas a Polícia Federal anunciou para o Brasil os resultados de sua investigação já com uma história rascunhada de que o comandante do Exército havia resistido aos golpistas e fora atacado por eles. Ele tinha duas escolhas. Falar tudo e confirmar a história rascunhada ou ficar calado e perder o controle de para onde as investigações poderiam ir. Cama armada, oferecida. Recado compreendido. Ele deitou.

Bem, num país muito corporativista como o nosso, as Forças Armadas estão entre as coisas mais corporativistas. Ainda assim, o general Braga Netto não terá a proteção de seus pares. Ele disparou ataques inclementes a Freire Gomes e ao Tenente-Brigadeiro Carlos Baptista Júnior por WhatsApp no auge da trama golpista. Mobilizou ataques pelas redes contra os dois. É percebido como traidor. Augusto Heleno estava no comando da Abin, que investigou aliados demais, incluindo militares.

Com Paulo Sérgio é mais delicado, afinal foi comandante do Exército, é amigo de vários ali. É da mesma geração de alguns que ainda estão na ativa. Se puder ser defendido, será. No Exército a preferência é de que não seja preso. Não parece que o Exército vai ter muita voz pra dar pitaco.

Mas o fato é que o depoimento de Freire Gomes, ainda mais somado ao de Baptista Júnior, tornou sólida a delação de Mauro Cid, corrobora as diversas provas reunidas, quase fecha a investigação. O que a Polícia Federal já tem nas mãos é suficiente para que o Ministério Público possa apresentar uma denúncia.

Pode ficar mais sólido? Pode, e ainda não está claro o quanto os policiais já têm. É possível fazer um elo que demonstre causa e consequência entre o planejamento do golpe e os ataques de 8 de janeiro? Muita gente dirá “claro que é”. Bem, tudo certo, claro que é. Mas houve planejamento do 8 de janeiro pelos mesmos que planejaram o golpe? Ou foi uma turma desapontada que não rolou que fez? Os financiadores dos acampamentos são os financiadores do ataque? Precisa ter mais solidez aí. Porque, se houver solidez, dá para dizer que houve uma tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Esse é o texto da lei.

Na manhã de 5 de julho de 1922, o marechal Hermes da Fonseca, um ex-presidente, o militar mais graduado das Forças Armadas Brasileiras, foi preso por liderar um movimento para depor o presidente Epitácio Pessoa. Nunca houve julgamento, nunca foi condenado. Ficou seis meses numa cadeia da qual saía para almoçar e jantar com o comandante dali onde estava, que sempre ficava de pé e batia continência. Estava preso e mantinha-se no comando, sabe? Conseguiu um habeas corpus e foi pra casa. Foi o único militar de alta patente jamais preso por tentar dar um golpe de Estado e, ainda assim, não foi prisão de verdade.

A questão que a história impõe ao Brasil é essa. Temos um Exército golpista. As pessoas ficam dizendo que não, que é ordeiro, que a maioria é legalista. Bem, não é o que nossa história diz. Vai ter custo ser golpista algum dia para generais brasileiros? A pergunta imposta pela história é essa.

A questão do debate legal, se as provas são suficientes para corroborar crimes, deixo aos juristas. A questão que a história impõe é uma só. Até aqui, trair a democracia saiu barato pra essa gente que gosta de falar em honra enquanto posa com medalhinas penduradas. Traidor da Constituição é traidor da pátria.

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