Edição de Sábado: A fritura de Lira
No café anexo ao plenário da Câmara dos Deputados, um dos parlamentares mais próximos de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa, cochicha para um colega do Centrão: “Produção legislativa totalmente irresponsável!”. E ouve de volta: “Totalmente!”. Indignados, os dois deputados combinam de conversar mais tarde e o aliado do alagoano sai apressado. É claro que unanimidade não existe em lugar algum. Mas a condenação partia de um dos nomes mais identificados com Lira, de um deputado conhecido como amigo, homem de confiança, que já se prestou a exercer funções legislativas sob a sombra do poderoso presidente da Câmara. Após risadas nervosas de ambas as partes, o interlocutor percebeu o flagrante e pediu sigilo. “Você viu? Não coloca isso não, mas se ele está reclamando, imagina o resto dos deputados.”
A cena dá pistas de uma insatisfação crescente. Um contraste forte com o movimento de um ano atrás, quando Lira recebeu 464 votos para sua recondução ao cargo e era reconhecido como o homem cumpridor de acordos e com poderes praticamente ilimitados em Brasília. Na quarta-feira, enquanto seus aliados confabulavam, Lira estava no alto da Mesa Diretora da Câmara. Naquele momento, comandava a votação de um requerimento de urgência para um projeto de lei que direciona a instalação de equipamentos e medidas de segurança para prevenção de violência em escolas. Uma pauta bem intencionada, mas nada combinada com os líderes dos partidos na Casa. “Ele fala que só vai para o plenário o que existe consenso, mas não é nada disso. Ele leva o que quer. Nem nos tempos do Eduardo Cunha era assim”, prosseguiu na chiadeira um deputado.
Não se trata de julgar se o queixume é justo. O fato é que a lamentação agora existe. Virou assunto entre os parlamentares. Lira não é mais um rei inconteste. O fogo da fritura é lento, mas a constância dos comentários negativos indica o gradual esvaziamento do poder do líder do Centrão, que não tem como perspectiva a renovação do poder na Câmara. E logo quando Lira se movimenta para fazer o seu sucessor. Ou justamente por isso. À boca miúda, estima-se que o prazo de validade do poder de Lira é junho. Depois, com as eleições municipais, o Congresso muda de foco. A matemática de quem será o novo presidente da Câmara, a ser escolhido em fevereiro de 2025, passa necessariamente pelos números das urnas e pelo que eles vão revelar das forças políticas em alta.
As apostas de que Lira não conseguirá fazer o sucessor na Câmara estão esquentando. Enquanto detém bastante tinta na caneta, ainda carregada pelas prerrogativas do cargo, Lira se apressa para costurar algum apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — nem que seja para seu plano ali adiante, de disputar uma vaga no Senado, em 2026. De acordo com interlocutores do governo, essa foi a demanda levada na reunião com Lula no Palácio da Alvorada, dias depois de o alagoano abrir os trabalhos na Câmara mandando o recado, ao velho estilo entre o agressivo e o ameaçador. “Não subestimem esta mesa diretora”, Lira avisou.
Não é mesmo o caso de subestimar Lira. Inflado com os superpoderes concedidos a ele por Jair Bolsonaro e em permanente embate com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, para ampliar seus domínios e recursos, o deputado já provou que conhece os intestinos da política o suficiente para escapar de armadilhas e retornar impávido. Além disso, um político com esse perfil não costuma ceder poder. Luta até o fim para mantê-lo ou aumentá-lo. É o que Lira está fazendo. Ao mesmo tempo em que ainda busca emplacar o sucedâneo, faz uma contraproposta que beira a indecência para Lula, de contar com seu apoio ao Senado em Alagoas. E coloca o presidente da República numa saia-justa com um de seus aliados mais importantes na Casa Alta, o arquirrival de Lira, senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Os meus, os seus, os nossos
Lira quer que seu sucessor na Câmara saia de um dos três partidos que formam o grosso do Centrão: PP, Republicanos ou União Brasil. Hoje, entre os mais cotados, o mais próximo do alagoano é Elmar Nascimento (UB-BA). Mas o Planalto não abraça a candidatura de Elmar. Um dos motivos é que ele sempre foi oposição ao PT na Bahia. Mais que isso, Elmar é visto como a mais explícita continuidade de Lira no poder e isso é tudo o que o governo não quer, apesar da atual política da boa vizinhança.
Outro nome é o do atual vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP). Pelo governo, ele é visto como afável, fácil de lidar. Mas tem um detalhe. Pereira é presidente do Republicanos, partido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. É claro que o Planalto resiste em botar no cargo que decide pelo acolhimento ou não de pedidos de impeachment, por exemplo, o chefe do partido de onde pode sair o principal opositor de Lula nas eleições de 2026.
Lira poderia tirar da cartola um terceiro nome desse trio centrônico de legendas, segundo interlocutores. Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) agradaria ao Planalto. Mas, nesse caso, Lira correria o risco de rachar o Centrão. Uma manobra como essa, de manter o PP na presidência da Casa, seria repudiada pelas duas outras legendas. Uma fissura em sua base tiraria de Lira a chance de levar a eleição.
De fora do triunvirato, mas no que provavelmente é hoje o mais sólido partido do Centrão, aparece o nome de Antônio Brito, do PSD de Gilberto Kassab — que, embora seja secretário de Tarcísio de Freitas, consegue manter sua legenda numa conveniente equidistância em Brasília. Brito é, de longe, o preferido do Planalto. Mas não é o de Lira. Baiano, o líder do PSD na Câmara tem uma imagem boa com os colegas, coisa que Elmar não tem. Só que pode não estar disposto a jogar tão duro com o governo, como fez Lira, que obrigou o Planalto a liberar emenda atrás de emenda, em negociações sempre no varejo de cada votação importante para o governo na Câmara. “Hoje, para se eleger presidente da Câmara não pode ser nem governista demais, nem oposicionista demais. Tem que parecer independente. Claro que, se radicalizar a disputa e, com isso, for preciso optar por um lado, esse lado será o do governo e não o do bolsonarismo que ainda resiste. É o governo que tem a chave do cofre”, explica um interlocutor assíduo de Lira.
Também em reservado, um líder analisou os movimentos de Lira desde sua recondução ao cargo de presidente. Essa coisa de deixar correr solto o nome de quem seria seu favorito fez todos acharem que poderiam ser escolhidos. Agora, quando Lira finalmente selecionar um para apostar, os demais podem se levantar contra ele. “É claro que daqui a pouco alguém vai começar uma briga, porque vai se ver saindo do guarda-chuva de Lira. Com isso, o risco de rachar o Centrão é grande”, previu o deputado, que é liderança importante na bancada evangélica, que guarda grande interseção com o Centrão.
No vácuo
E é nesse esvaziamento natural e gradual do poder de Lira que Lula se mexe para influenciar no processo. É um jogo delicado, porque Lira ainda é dono da pauta e pode atrapalhar bem a agenda do governo na Câmara — essencial, inclusive, para os resultados nas eleições municipais. Mas Lula vem traçando um caminho de aproximação com os parlamentares. A intenção do presidente é a de imprimir o tom da relação com o parlamento, bem contrário ao ânimo bélico adotado por Lira no discurso de abertura dos trabalhos do Congresso. O mês de fevereiro foi todinho dedicado a isso.
O presidente da Câmara atacou o Executivo numa sexta-feira, dia 2 de fevereiro. Na sexta seguinte, pré-Carnaval, Lira aceitou o convite de Lula para tomar café da manhã no Alvorada. Foi quando Lira colocou sua vontade de disputar o Senado em 2026 com o apoio do presidente. O que mudou entre o ataque e o café? Coincidência ou não, Lula havia dado um sinal inequívoco de prestígio a Antônio Brito dois dias antes. Ao receber no Planalto o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom, Lula só chamou um parlamentar: Brito, que atua em causas ligadas à questão da Saúde. Participaram também do encontro a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Jarbas Barbosa.
Duas semanas depois, no dia 22, Lula chamou líderes e presidentes de partidos da base na Câmara para um happy hour, com a presença de ministros do governo, também no Alvorada. Na foto divulgada pelo Planalto, Lira e Brito ficaram ao lado do presidente. O convescote, prática de que Lula sempre lançava mão em seus mandatos anteriores, agradou e, segundo fontes do Planalto, deverá se repetir ao longo deste ano. E não só com deputados. Para a próxima semana, Lula já chamou líderes e presidentes de partidos da base no Senado para um encontro nos mesmos moldes.
Ficar bem com os nomes colocados na disputa na Câmara está na estratégia de Lula. Um dia antes do discurso de Lira, o presidente mandou convidar o deputado Marcos Pereira para acompanhá-lo na viagem a São Paulo, onde, ao lado de Tarcísio de Freitas, anunciou investimentos conjuntos para a construção do túnel submerso Santos-Guarujá. Enquanto Lira discursava antagonizando com o Executivo, Pereira estava no avião, ao lado de Lula.
O flerte com Pereira passa também pelas sinalizações de Lula para os evangélicos, tanto para ampliar a base na Câmara como por saber que é nesse ponto que poderá causar fissuras na direita. Um aceno importante foi o apoio governista à Proposta e Emenda à Constituição (PEC) que estende a isenção tributária de igrejas e templos religiosos no país. A proposta andou na comissão especial com apoio do governo, que também já contabiliza que ela passará no plenário da Câmara e, com folga, no Senado.
Nesta semana, porém, o esforço de aproximação do governo quase ruiu, diante da publicação de uma nota técnica publicada pelo Ministério da Saúde sobre o aborto legal no Brasil. O líder da bancada evangélica, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), chegou a pedir a exoneração dos secretários de Assistência Primária à Saúde, Felipe Proença, e de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Miranda, que assinaram a nota. Apesar de a nota não conter trechos em desconformidade com a lei, a ministra recuou da publicação e suspendeu o documento no dia seguinte, alegando que o texto não havia passado por todas as esferas necessárias do Ministério da Saúde.
Ou ele ou eu
O Planalto sabe que a pauta legislativa deste ano é bem menos tensa que a do ano passado. No entanto, faz o cálculo de que ainda depende da vontade de Lira para que projetos como a regulamentação da reforma tributária, a correção da tabela do imposto de renda, a regulação dos aplicativos e a nova lei de falências passem no Congresso em um ano que será curto devido às eleições municipais.
Na mão contrária, Lira precisa de Lula para manter o Centrão unido em torno de si e para construir a improvável chapa em Alagoas. Em 2026, cada estado elege dois senadores. Renan Calheiros (MDB) será candidato à reeleição. De acordo com interlocutores de Renan, a presença de Lira na chapa é “inconcebível”. Já aliados de Lira dizem que Lula poderá interceder para que a chapa seja uma dobradinha com o clã Calheiros. No Planalto, no entanto, a ideia de uma chapa Renan/Lira ainda soa como duvidosa.
Além de rejeitar com veemência qualquer composição com Lira em uma chapa estadual, Renan chegou a conversar, no ano passado, com o presidente do PSD, Gilberto Kassab, sobre uma possível composição no Senado para unir as bancadas do MDB e do PSD. O MDB tem 11 senadores e o PSD tem a maior bancada, com 15. Na época em que foi procurado por Kassab, Renan estava cotado para disputar o comando do Senado. Kassab, por sua vez, o abordou dizendo que a prioridade do PSD é o comando da Câmara, com Brito, e propôs a aliança. A conversa, segundo fontes ligadas ao senador, não definiu nomes ao Senado, mas se baseou no desejo de desbancar Lira na Câmara. Segundo interlocutores de Renan, até um convite para que Davi Alcolumbre (UB-AP) se filiasse ao MDB foi sugerido por Kassab. Também, na época, Renan veio a público defender que o MDB tivesse uma candidatura própria ao Senado, sem colocar o próprio nome.
A conversa, segundo fontes próximas a Renan, não teve um desfecho, mas a atraente costura para desbancar Lira na Câmara prevaleceu no MDB, que pretende lançar o também alagoano e líder do partido, Isnaldo Bulhões, como candidato à presidência da Casa. Isnaldo é muito ligado a Renan e, apesar da boa relação com Lira, não é nem de longe um nome a ser apoiado por ele. Por inviável que seja o nome de Isnaldo, como disse ao Meio um cacique emedebista, “cada candidatura é uma mordida no poder de Lira”.
Mente sã, corpo são
A cada quatro anos o mundo volta os olhos para as Olimpíadas de verão. Neste ano, os jogos acontecem em Paris, de 26 de julho a 11 de agosto. É tempo de contemplar feitos extraordinários, recordes, superação, lágrimas de alegria e tristeza. Corpos dos mais diferentes tipos — altos como no basquete, baixos como na ginástica artística, esguios como na maratona ou parrudos como na categoria peso-pesado do judô — são capazes de feitos que a maioria de nós não consegue. Mas, para chegar ao Olimpo, a estrada é longa, requer muita dedicação, resignação e renúncia. E são pouquíssimos os que efetivamente estarão no pódio. Seja em um esporte individual ou coletivo, muitas vezes, há uma única chance para coroar o trabalho feito ao longo de todo um ciclo olímpico. A pressão é grande. Como se preparar mentalmente para isso? Em que momento, a preocupação com a saúde mental deve entrar na rotina do atleta? Psicólogos do esporte afirmam que esse acompanhamento deve ser iniciado ainda nas categorias de base. Na prática, no entanto, não é bem assim que acontece.
Cada vez mais atletas de altíssimo rendimento têm abordado publicamente a necessidade de colocar a saúde mental em primeiro plano, pondo essa pauta em debate. Considerada uma das maiores ginastas de todos os tempos — dona de sete medalhas olímpicas, sendo quatro de ouro, e 30 mundiais, das quais 23 são douradas —, a americana Simone Biles surpreendeu o mundo ao anunciar que não competiria em todas as provas nos Jogos de Tóquio 2020. Quem a via flutuar nas provas de solo não podia imaginar que ela enfrentava twisties, um tipo de bloqueio mental desorientador durante as manobras aéreas. No mês passado, foi a vez de o bicampeão mundial de surfe Filipe Toledo, que está classificado para representar o Brasil nas Olimpíadas de Paris, anunciar que não defenderia seu título, optando por uma pausa no circuito mundial da WSL para cuidar de sua saúde mental. O tricampeão mundial Gabriel Medina fez esse mesmo anúncio em 2022. Antes deles, outros grandes nomes falaram abertamente de suas dificuldades psicológicas, como a tenista japonesa Naomi Osaka, que abandonou Rolland Garros em 2021 para não dar entrevistas e manter sua privacidade, após sofrer de depressão.
Os atletas não estão mais frágeis. A quebra de estigma mostra que eles se tornaram mais honestos em relação à pressão diária. Eduardo Di Cillo, coordenador de psicologia e preparação mental do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), destaca que as estatísticas de saúde mental mostram uma realidade brutal de depressão, ansiedade, transtorno alimentar e abuso de álcool entre os atletas, o que pode surpreender já que esporte é sempre associado a saúde. Três indicadores servem de alerta. O excesso de ansiedade, por mais que seja normal, quando vem de forma muito frequente ou intensa, vai atrapalhar. Problemas de motivação podem indicar depressão. E a mudança de humor.
“No alto rendimento, eles estão sempre tentando se superar. Treinam muito e lidam com muita frustração. No dia seguinte a uma grande conquista, já estão pensando em recuperação e no próximo passo. Nunca é suficiente e a pressão é constante. Além disso, tem a distância da família. São muitos sacrifícios. Essa conta chega. E não demora a chegar. Os feitos são absurdos, mas o preço é proporcional”, diz Eduardo, acrescentando que o COB tem uma equipe de saúde mental que conta com psicólogos, psiquiatras e coaches esportivos, que atendem atletas de diversas modalidades desde a base até os da ponta, com atenção contínua para os momentos de disputa de vagas e de competição.
Além dos grandes nomes do esporte, o fato de jogadores de futebol falarem abertamente sobre depressão, como fez o ex-atacante do Santos Nilmar, também contribuiu para romper o estigma sobre as questões mentais.
“Os jogadores têm muita visibilidade, ajudam os demais a perceber que vida de atleta não é fácil como parece. Além disso, as decisões de Biles e Medina acabam sendo importantes porque mostram que mesmo heróis e heroínas têm fragilidades e tudo bem. Se eles precisam de ajuda, também posso precisar. Isso faz parte do processo de se cuidar para a performance e a vida pessoal”, explica Eduardo.
No Brasil, a mudança em relação ao cuidado com a saúde mental dos atletas passa também por uma melhora dos profissionais de psicologia, que vão conseguindo se inserir no ambiente esportivo, ajudando a mudar uma cultura até então estabelecida. Aline Ferreira é psicóloga. Há uns cinco anos não atende mais atletas. Mas durante 15 anos esteve na linha de frente, tendo atuado no Botafogo e com vários atletas individualmente. Casada com um técnico de natação, ela segue acompanhando de perto o mundo do esporte. E não hesita em dizer que o cenário mudou sensivelmente.
“Naquele tempo era difícil ter essa clareza da necessidade do emocional. Alimentação, treinamento, sim. O físico era priorizado. Já o emocional era colocado de lado, secundário. Mas mudou o entendimento. Os psicólogos do esporte foram conseguindo brechas, mostrando que só a parte física não dá conta. Antes, era quase uma permuta: deixa eu trabalhar para fazer uma pesquisa?”, conta Aline.
Psicóloga do esporte há 10 anos, atuando diretamente com atletas de alto rendimento da base e adultos de diversas modalidades, Ana Carolina Covas Pereira explica que o Brasil importou o trabalho do mental coach americano, com foco na autoconfiança, resiliência, motivação e deixou de lado o aspecto humano. Mas houve um estalo na psicologia brasileira ao passar a ver esse lado dos atletas, detectando ansiedade, depressão, Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e outras patologias.
“Até então, tudo isso era sobreposto pelo ‘vamos lá, vamos treinar, motivação’. E isso foi um divisor de águas. A psicologia do esporte é mais uma dentro das ciências do esporte. Corpo e mente como unidade”, afirma Ana Carolina, que trabalha com atletas das confederações brasileiras de Vôlei (CBV) e de Pentatlo Moderno (CBPM) e da Associação Nacional de Desportos para Deficientes (Ande).
O trabalho psicológico, no entanto, não é mágico. É um processo, tem um tempo para ser absorvido, para gerar alguma alteração. Não pode ser algo a ser feito no tempo que sobra. Tem de estar dentro de um contexto inclusive de periodização de treino e de carga, pontua Ana Carolina. E quanto antes melhor. Os três especialistas são unânimes em relação à necessidade de essa preocupação com a saúde mental começar desde cedo. A Lei Pelé estabelece isso apenas para o futebol, já que os clubes devem garantir assistência psicológica aos atletas desde a base. Quando o esporte vira treinamento, vira sacrifício. Escassez na vida social, dificuldade para equilibrar treino, escola e família. Eduardo considera que, nesse momento, o jovem já está trabalhando.
“Ouvi hoje de um atleta: ‘Sou um robô que só cumpre as expectativas dos outros’. É difícil manter a vontade assim. Por isso, é preciso estar no processo todo. A questão é conseguir recursos. Já tem muito clube com psicólogo nas categorias de base. Mas, às vezes, é um para cinco equipes. E isso é pouco. Mas é reflexo do esporte de forma geral, em que o treinador dá o treino, faz o curativo e dirige a Kombi”, diz o coordenador do COB.
Esse apoio mental desde a base, afirma Ana Carolina, é essencial para propiciar as condições socioemocionais necessárias. Há casos em que o jovem é o único atleta em uma escola. Em vez de estar socializando, enfrenta uma série de restrições. Os amigos não entendem suas dificuldades ou por que não joga bola na educação física para evitar contato e uma lesão. O mais difícil, diz ela, é a relação com os pais e o excesso de exigência.
“O acompanhamento psicológico não garante que não vá haver problema lá na frente. Mas, com esse apoio, há mais chances e ferramentas para conduzir intempéries, para dar mais longevidade ao atleta. Nas classes média e alta, os pais já estão muito ligados e antenados nisso e investem. Dos 50 atletas de até 19 anos do vôlei de praia com os quais trabalhei recentemente, diria que 70% deles já tinham tido contato com a psicologia por causa dos pais ou da escola. Já nas classes mais baixas é diferente: a bolsa-atleta é da família, cobre os gastos de casa”, explica Ana Carolina.
O Brasil é o país com a população mais ansiosa do mundo. E isso, claro, acaba se refletindo no ambiente esportivo. Se na população em geral cada vez mais se reconhece a necessidade de acompanhamento psicológico ainda na infância, no mundo do esporte, em geral, é comum esperar que algo aconteça para só então buscar o apoio necessário em termos de saúde mental.
“A nutrição conseguiu entrar no esporte, é algo mensurável. O psicológico não é mensurável. Na base, é preciso do apoio dos responsáveis e muitos ainda dizem que não acreditam nisso”, constata Aline. “A competição é o ponto final. A cabeça tem de acompanhar desde o treinamento, desde o início.”
Sem gravidade
Transmitido de uma pessoa a outra, naturalmente, o vírus carrega consigo proteínas derivadas de seres humanos. É por isso que tais partículas são facilmente reconhecidas pelo organismo, sobretudo pelos linfócitos T CD4. Uma vez identificadas, conquistam passe livre. As membranas plasmáticas se fundem e o parasita penetra a célula saudável. Do lado de dentro, converte o próprio RNA em DNA — assim, é possível uni-lo ao material genético humano. Com a missão cumprida, a célula se transforma em uma espécie de fábrica zumbi. Refém do patógeno, passa a produzir fragmentos de seus componentes, que se unem e constituem um novo agente infeccioso maduro. Ele é liberado no corpo e reinicia o processo em outras estruturas. É assim que funciona o ciclo de vida do vírus da imunodeficiência humana (HIV).
Não há cura para os que convivem com o retrovírus. O tratamento, no entanto, é uma possibilidade real e acessível. Desde 1996, o Brasil disponibiliza gratuitamente a Terapia Antirretroviral (TARV) pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Cada remédio que compõe o coquetel atua em uma etapa diferente do ciclo. Há aqueles que impedem a entrada na célula, os que barram a conversão do RNA em DNA e os que obstruem sua multiplicação. Por exemplo, os medicamentos do tipo inibidores de protease são um dos últimos escudos contra a proliferação, já que bloqueiam a fabricação de novos pedaços na fábrica zumbi. O Ritonavir pertence a essa classe de medicamentos. Distribuída pelas maiores farmacêuticas do mundo, a substância acaba de ganhar sua primeira remessa produzida no espaço.
Lançada em 12 de junho a bordo da missão SpaceX Transporter-8, a cápsula Winnebago-1 pousou em 21 de fevereiro no deserto de Utah, nos Estados Unidos. Dentro dela, os cristais de Ritonavir cultivados em condições de microgravidade chegaram intactos. Eles levaram apenas dezoito dias para serem produzidos. Por isso, a previsão inicial era que o módulo retornasse à Terra no mês seguinte, em julho. Mas o objeto permaneceu 500 km acima do planeta azul por cerca de oito meses aguardando a autorização da Administração Federal de Aviação (FAA) para regressar. Finalmente, a queda do módulo com paraquedas, às 16h40 no horário local, foi registrada em vídeo. Pouco maior que uma lata de lixo e pesando cerca de 90 kg, assim que o mini laboratório tocou o solo, pesquisadores comemoraram.
Trata-se da primeira missão de fabricação espacial realizada fora da Estação Espacial Internacional (ISS), mas não só. O experimento também é pioneiro na confecção de remédios em órbita. Os fármacos ainda não serão comercializados, mas abrem um novo horizonte ao campo de estudos. “Os frascos de Ritonavir a bordo da espaçonave serão enviados aos nossos colaboradores, Improved Pharma, para caracterização pós-voo. Além disso, os dados coletados durante todo o voo da cápsula — incluindo uma parte onde chegamos a velocidades hipersônicas — serão compartilhadas com a Força Aérea e a Nasa sob um contrato que a Varda tem com essas agências”, registrou a Varda Space Industries em um post no X. A startup por trás do projeto foi fundada por ex-funcionários da SpaceX.
A vantagem da mistura de elementos praticamente na ausência de gravidade é a criação de compostos maiores e com menos defeitos, segundo a companhia. Sem a influência da força, as substâncias produzem menos fluidos, as moléculas se movem mais lentamente e é possível controlar a temperatura com mais precisão. Assim, os cristais apresentam menos falhas. De forma prática, o CEO Will Bruey compara a operação ao ato de assar um muffin.
“Existem vários botões que podem ser ativados e que influenciam no resultado de uma química. Tudo, desde a temperatura até os ingredientes, ou a rapidez com que você mexe a coisa. [ ]. É como uma cozinha. Basicamente oferecemos mais um botão, mais uma dimensão que se pode controlar para influenciar seu sistema químico. Essa dimensão é a gravidade. É como dizer a um chef: ‘Ei, não sei se você já percebeu isso, mas se você desligar a gravidade enquanto assa muffins, terá um formato totalmente diferente”, explica. Só que, em terra firme, retirar da conta o componente gravidade não é tarefa simples.
“A proposta de valor que oferecemos aos nossos clientes não é o acesso ao espaço. É a influência única nos sistemas químicos que a microgravidade proporciona. Francamente, nossos clientes ficariam muito mais felizes se projetássemos uma caixa antigravidade na parte de trás do laboratório”, completa. Embora a Varda seja precursora do experimento em órbita, as farmacêuticas têm enviado há décadas teses de cristalização à ISS. Um deles, patrocinado pela Taiho Pharmaceutical, foi iniciado logo nos primeiros dias de trabalho da estação espacial. Em seus laboratórios, foram cristalizadas estruturas melhoradas de proteínas-chave que, agora, embasam um potencial medicamento para distrofia muscular que está em fase final de testes. Também estão em andamento centenas de estudos com remédios para diversas finalidades, como o tratamento de dores, diabetes e doenças cardiovasculares.
O crescente interesse da indústria se deve, em grande parte, à robusta pesquisa desenvolvida pela Merck & Co em 2019. Durante a missão SpaceX-Commercial Resupply Services-10, a americana conduziu ensaios de cristalização com a Keytruda, um remédio oncológico. Os resultados indicaram que efeitos promovidos pela microgravidade, como a sedimentação reduzida, ou seja, a menor separação de partículas, e as mínimas correntes de convecção — pouca transferência de calor entre os fluidos —, resultaram em cristais homogêneos maiores e de alto rendimento. O estudo permitiu o aperfeiçoamento do remédio, cujo tratamento associado a uma vacina de RNA mensageiro recebeu o selo de “terapia inovadora” pela Food and Drug Administration (FDA) no uso contra o câncer de pele.
Dentro da Universidade Butler, em Indianápolis, pesquisadores colocaram à prova a produção de cristais no espaço. Em 2022, chegou-se à conclusão de que 90% desses componentes tiveram uma ou mais de suas propriedades melhoradas. Entre as métricas analisadas estão tamanho, uniformidade, estrutura, mosaicidade, limite de resolução e/ou desempenho. Além disso, mais de um terço dos compostos apresentaram aperfeiçoamento de três ou mais capacidades desejadas por fabricantes de remédios. Dado o cenário, não é de se espantar que, após o sucesso no experimento, a Varda tenha registrado em seu site que “a órbita baixa da Terra está agora aberta para negócios”.
O mercado tem chamado a atenção do Brasil. Uma das maiores farmacêuticas nacionais, a Cimed, anunciou em 2021 o início do projeto Cimed X. Com o investimento de R$ 300 milhões empenhados em cinco anos, a empresa é pioneira na pesquisa científica espacial brasileira. Por enquanto, os estudos que ocorrem na ISS testam a absorção de vitaminas e minerais do multivitamínico Lavitan X Bio Complex sob o efeito da microgravidade para compreender questões relacionadas à longevidade. Mas o céu não é mais o limite.
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