Caça às bruxas em Harvard
É A PRIMEIRA CURADORIA DO ANO!
Bem vindo, 2024, com muita positividade para nós. Mas positividade positiva, não positividade tóxica, a gente quer é felicidade de verdade. Então, a última Curadoria deu o que falar né? Depois vou dar uma comentada no último episódio.
Mas vamos lá que hoje o nosso papo são mulheres. Mulheres forçadas a serem saídas da sua posição de chefia. Forçadas a serem saídas porque, na verdade, elas se demitiram. Com carta e linguagem polida para passar uma mensagem de que tudo foi um consenso. O mundo não funciona assim, especialmente quando você é a primeira mulher negra a ocupar a reitoria de Harvard, enfrentando ataques dos conservadores norte-americanos.
Quando um branco erra, o mundo aceita suas desculpas, quando as mulheres erram, perdem seu emprego. Mulheres negras? Até descredibilizadas.
Vamos dedicar nossa atenção à recente demissão de Claudine Gay, que apresentou sua renúncia na terça-feira dessa semana, primeiro dia útil do ano!!
Seu legado na presidência de Harvard, embora cheio de marcos históricos, também se viu envolto em polêmicas. Alegações de plágio e falta de resposta aos ataques do Hamas em Israel foram os motivos declarados para sua saída.
Claudine Gay é a segunda mulher e a primeira mulher negra a presidir Harvard, mas sua gestão foi a menos duradoura desde a fundação da instituição em 1636.
Muito recorde pra uma pessoa só, mas infelizmente nem todos de bom tom.
Tudo começa numa audiência no Congresso dos Estados Unidos sobre o antissemitismo em algumas Ivy League. A audiência foi no Comitê de Educação e Força de Trabalho da Câmara, liderado pelos republicanos. O partido do Trump.
E como isso acontece um pouco longe da nossa realidade, vale alguns lembretes: o conflito em Gaza, né? Os Estados Unidos são culturalmente aliados fortíssimos de Israel, que é o braço americano no Oriente Médio.
Além disso e crucialmente, é ano de eleição presidencial nos Estados Unidos e o Trump – mesmo com quatro acusações criminais diferentes – ainda é uma potência eleitoral, principalmente porque ele acusa tudo isso como uma enorme caça às bruxas contra ele.
É, o país da liberdade não possui lei da Ficha Limpa. Então acusado ou condenado, ele pode participar.
O que pode ser diferente no caso de dois estados, Maine e Colorado. Os dois desqualificaram o ex-presidente das eleições, pelas Supremas Cortes estaduais. Obviamente nos dois casos o processo já escalou para a Suprema Corte dos Estados Unidos, que é em maioria conservadora. Vale lembrar que em 2022, essa corte reverteu a decisão histórica de Roe vs. Wade, que garantia o direito ao aborto para as mulheres.
As eleições primárias são dia 5 de março, dando à Suprema Corte um prazo para deliberar o caso. Se o tribunal optar por não intervir, Trump permanecerá como candidato.
Mas enfim, trago aqui o contexto das tretas políticas norte-americanas que são um emaranhado de bagunça e cortes estaduais.
O ano pode ter começado agora, mas março já tá aí com as eleições primárias, onde os republicanos Trump, Ron DeSantis e Nikki Haley surgem como os principais nomes do partido para a presidência.
O discurso conservador republicano, marcado por um evidente ódio às minorias, reflete-se nas ações de líderes como Ron DeSantis, governador da Flórida, que aprovou diversas leis transfóbicas. Restringiu cirurgias de afirmação de sexo, passou a lei “não diga gay”, que proíbe o ensino de orientação sexual até o oitavo ano e proibiu banheiros transgêneros. Nikki Haley diz que o problema da mulher do nosso tempo são mulheres trans que competem esportes femininos. (Clhoe)
Com este panorama geral estabelecido, voltamos nossa atenção para o Comitê de Educação e Força de Trabalho da Câmara, liderado pela republicana Virginia Foxx e com uma maioria republicana. É neste cenário político complexo que se desenrolam os eventos que culminaram na demissão de Claudine Gay, reitora de Harvard.
O Comitê de Educação ouviu, por mais de quatro horas, no dia 5 de dezembro, as reitoras Liz Magill da University of Pennsylvania – UPenn -, Sally Kornbluth do MIT e Claudine Gay de Harvard. A audiência foi convocada em resposta a denúncias de que essas instituições de elite não estavam lidando adequadamente com os protestos após o ataque do Hamas a Israel.
Isso por denúncias de que estudantes das três universidades expressaram apoio à Palestina, enquanto estudantes judeus se sentiram ameaçados pelos protestos e pelo antissemitismo enquanto estudantes muçulmanos relataram um aumento da islamofobia desde o início do conflito.
Em resumo esdrúxulo: um microcosmos onde ninguém estava feliz.
A audiência, no Comitê de Educação, deveria ter focado justamente em como combater o antissemitismo, correto?
O discurso de abertura da Foxx disse que “após os eventos (os protestos) está claro que o antissemitismo raivoso e a Universidade são duas ideias que não podem ser separadas”, para Virginia Foxx, o antissemitismo veio das próprias instituições contra judeus.
“Ao longo da audiência de quatro horas, os republicanos mencionaram a influência dos programas de diversidade, equidade e inclusão, a inclusão de atletas trans, o financiamento estrangeiro para estudos do Oriente Médio, a escassez de professores conservadores e o declínio da porcentagem de estudantes judeus nos campi.”
Chegaram a perguntar para a Magil quantos professores conservadores a UPenn empregava, ao que ela respondeu “nós não pesquisamos essa informação”
Óbvio, porque seria perseguição.
De maneira consistente, as respostas das três reitoras às perguntas do Comitê enfatizaram que a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica são princípios fundamentais da educação superior.
Um doador da UPenn, que junto com a esposa doou pelo menos 50 milhões de dólares, já tinha pedido com outros alumni para que a Liz Magill cancelasse uma conferencia literária palestina na universidade, em setembro.
Sua solicitação foi negada pela reitora, que justificou que a universidade deve apoiar a livre troca de ideias. Na audiência, quase a mesma resposta: ”'”Nossa abordagem não é censurar com base no conteúdo, mas nos preocuparmos com a segurança, o tempo, o local e a maneira em que isso ocorreria”, disse ela. “O cancelamento dessa conferência teria sido inconsistente com a liberdade acadêmica e a liberdade de expressão.”
A situação piorou quando, na audiência, perguntaram “Apelar para o genocídio dos judeus isso constitui bullying ou assédio?”
Magill respondeu: “Se for direcionado, severo e generalizado, é assédio”.
A congressista respondeu: “Então a resposta é sim”.
A Magill disse: “É uma decisão que depende do contexto, congressista”.
A Sra. Stefanik exclamou: “Esse é o seu testemunho hoje? Pedir o genocídio de judeus depende do contexto?”
Após a audiência, mais de 100 milhões de dólares em doação entraram em jogo, com doadores pedindo pela troca de liderança.
Quatro dias depois da audiência, ela se demitiu. Magill, advogada, foi defendida por colegas por ter dado uma resposta legalista para uma pergunta moral, o que foi errado.
E, na verdade, foi o erro das três reitoras ao enfrentarem um fórum que já queria hostilizá-las, que já tem na sua agenda o “cancelamento” das Ivy League por as considerarem de esquerda.
Cerca de um mês após a audiência, Claudine Gay também apresentou sua renúncia. Em sua carta, ela afirmou que era do melhor interesse de Harvard que ela renunciasse, defendendo seu histórico acadêmico e apontando que foi alvo de ataques pessoais e racistas.
Ela também defendeu seu histórico acadêmico e disse que foi alvo de ataques pessoais e racistas.
A credibilidade da Dra. Claudine Gay, professora de Estudos Africanos em Harvard e defensora da justiça racial no campus, foi questionada por portais conservadores, políticos e doadores da universidade. Ela ocupou um espaço importantíssimo e se tornou um alvo fácil.
Uma mulher preta lutando por justiça racial como reitora?
As denúncias de plágio foram negadas por Harvard, que – pelo menos aqui – defendeu Gay. A presidente da Associação Americana de Professores Universitários disse que existe uma onda de extrema-direita de atacar a educação superior e que isso é uma ameaça a liberdade acadêmica.
O presidente da Legal Defense Fund, principal organização jurídica pela luta da justiça racial dos Estados Unidos, chamou os ataques contra a Claudine de nada mais do que teatro político para alimentar uma supremacia branca.
De pé, só restou a Doutora Sally Kornbluth, do MIT. Que é o novo alvo. Mas Sally é judia e foi a única que não pediu desculpa depois da audiência. Inclusive, o MIT a defendeu depois, numa nota de que Sally fazia um ótimo trabalho contra antissemitismo, islamofobia e outras formas de ódio.
Já a congressista Stefanik, que fez algumas das perguntas, disse que o Congresso continuará investigando a educação superior do país e postou o nome de todos que defenderam Gay após a sua saída.
Tem uma caça às bruxas acontecendo nos Estados Unidos sim, definitivamente, mas não contra o Trump.
E Feliz Ano Novo pra nós! E, devo dizer, fiquei feliz com a recepção do meu vídeo não tão natalino. Isso porque, como alguns não perceberam, Natal às vezes se torna sobre perda, falta de aceitação, ódio, dependendo do entorno que ocupamos. É bom ficar feliz, sim, sempre. Mas às vezes isso não é possível, porque é bom e necessário ter apoio para conseguir ficar feliz. Principalmente em épocas tidas como finalizações. E eu espero que, pelo menos, um bom abraço você tenha recebido.
Vejo vocês na próxima Curadoria!