Edição de Sábado: Yuval Noah Harari pensa o Brasil (e democracias)

No final de setembro, o neurocientista americano Sam Harris recebeu em seu podcast o historiador israelense Yuval Noah Harari. O tema principal da longa entrevista, feita perante uma plateia, foi o último livro de Harari — 21 Lições para o Século 21 (Amazon). Mas, num determinado ponto, Harris abriu para perguntas do público. Havia um brasileiro por lá. Ele pincelou nosso quadro eleitoral e perguntou ao historiador como se lida, dentro da democracia, com movimentos políticos que radicalizam. Que se isolam dentro de uma narrativa própria e não respondem mais a argumentos vindos de fora. Nesta véspera de eleição, sua resposta merece alguns minutos de leitura. O áudio é em inglês.

Yuval Noah Harari: “Não conheço bem a situação particular do Brasil. Mas, para uma sociedade continuar funcional, precisamos ter a capacidade de seguir conversando com nossos vizinhos, amigos e até mesmo familiares. Se chegamos a um ponto no qual toda conversa se torna inviável, aí a sociedade está tão dividida que a democracia não é mais possível. Democracia não é um regime capaz de funcionar em qualquer canto, em qualquer tempo. Certas condições essenciais são necessárias. É preciso um nível básico de educação e um nível básico de consenso. Se não há mais consenso a respeito de quais os valores fundamentais de uma sociedade, não pode haver democracia. Não funciona. Aí o caminho é guerra civil, separatismo ou ditadura, mas democracia não acontece. É por isso que temo o que está acontecendo agora nos Estados Unidos. Está se chegando ao ponto em que simplesmente não há mais consenso a respeito do básico. Me preocupo muito, por exemplo, com os pedidos de impeachment de Donald Trump. Se o Partido Democrata assumir o controle do Congresso nas próximas eleições, o que ainda é dúvida, me preocupa a possibilidade de um movimento forte a favor do impeachment. Se acontecer, uma parte significativa da população perderá toda fé no sistema. Você pode dizer o que quiser sobre Trump, sobre seus eleitores, mas eles ainda são parte da sociedade. Eles ainda são seus vizinhos, seus colegas de trabalho, e às vezes até seus familiares. Se alcançarmos um ponto no qual algo entre 25% e 30% da população americana perca a confiança… ‘Nós finalmente colocamos lá o nosso cara e o sistema o eliminou’. Eles perderão a confiança no sistema. Esta é uma situação perigosa demais.”

Harari ainda esboçava sua resposta quando Harris, no papel de moderador, interveio. “O que você está descrevendo é uma crise de reféns.” O historiador parou e ouviu. “É como um homem-bomba. Não há argumentação possível. ‘Se você não me der o que quero, vou explodir tudo.’ Se o instituto do impeachment existe é justamente para casos como o de Trump. Só que, aí, você está sugerindo que, se ele tem apoiadores com quem é impossível conversar, então não podemos aplicar o instituto. Se for isso, então o sistema já quebrou.”

Yuval Noah Harari: “A questão chave aqui é confiança. Todos os sistemas em grande escala construídos pelo homem, no fundo, funcionam na base da confiança. Se não houver mais mútua confiança, a única coisa que pode funcionar é um regime autoritário. Senão tudo se decompõe numa guerra civil. No fim, precisamos fazer todos os esforços. Se ainda há alguma confiança, é melhor preservá-la do que levar a um momento de ruptura no qual parte relevante da sociedade perca esta confiança. Ou talvez um percentual grande demais da sociedade já tenha perdido a confiança. Se for isso, a notícia é muito ruim.”

Durante a conversa, Harari deixou claro que não tem qualquer informação sobre política brasileira. O que torna sua resposta, por ser em tese e refletir a realidade americana mais do que a nossa, incrivelmente mais profunda. Quem primeiro ouviu o podcast, e pescou a pergunta sobre o Brasil, foi o professor gaúcho Marcelo Träsel, em seu blog.

A discussão política sobre a menstruação

A Austrália aboliu nesta semana, depois de quase 30 anos de polêmicas, o chamado ‘imposto ob’, voltado para alguns produtos de higiene feminina. Quando o governo australiano instaurou em 2000 um IVA de 10%, os produtos de higiene supostamente benéficos para a saúde, como preservativos e protetores solares, ficaram isentos. Mas a taxa foi aplicada a absorventes e outros produtos ligados a mulheres. Acusada de ser sexista, a cobrança foi alvo por anos de críticas e campanhas favoráveis a sua anulação. E a discussão não se limita apenas à Austrália... (Globo)

New York Times: “Nos Estados Unidos, os ativistas estão trazendo o conceito de ‘equidade menstrual’ para o debate público. Ele se refere à igualdade de acesso a produtos de higiene, mas também à educação sobre saúde reprodutiva. E é o foco de uma variedade de novas leis e políticas para fornecer produtos menstruais em prisões, abrigos e escolas. Os defensores também estão pedindo aos estados que isentem os produtos ligados à mensturação do imposto sobre vendas, argumentando que eles são de primeira necessidade. Por que os obs são taxados quando o Viagra não é?”

Vídeo: Este ano, a parlamentar Danielle Rowley tornou-se a primeira mulher a falar sobre isso na Câmara dos Comuns, no Reino Unido. “Hoje estou menstruada, e isso já me custou esta semana 25 euros.”

Pois é... O debate vai além do acesso a produtos de higiene. Uma pesquisa realizada no Brasil pela ESPM verificou que produtos destinados às mulheres são até 12,3% mais caros do que os indicados para homens. É a chamada ‘taxa rosa’ — o valor que a mulher paga a mais por um produto só pelo fato de ele ser destinado a ela.

Criptomoedas e o mito da fase de infraestrutura

Desde que estourou a bolha especulativa das criptomoedas, no final do ano passado, os investidores que continuam na área focaram na tecnologia blockchain. É a infraestrutura do dinheiro digital, um tipo de software que permite garantir a autenticidade de qualquer informação virtual. Além do dinheiro, os usos são infinitos. E a aposta é justamente essa: a de que este mercado vai seguir um ciclo que se repete com frequência no digital. Empresas que constroem infraestrutura surfam a onda seguinte, quando começam a surgir novas aplicações.

Dois analistas da Union Square Ventures publicaram essa semana um estudo com um longo levantamento de casos passados. Sugerem uma hipótese: as fases de investimento são menos separadas no tempo do que se imagina. Existe, segundo eles, uma simbiose. Uma aplicação de sucesso cria demanda para mais infraestrutura, que por sua vez viabiliza novas aplicações que não eram viáveis antes.

O exemplo clássico é a lâmpada incandescente. Quando foi inventada, não era necessária rede de distribuição de energia. Toda casa que desejasse uma lâmpada elétrica poderia ter seu gerador. Para que seu uso fosse expandido, porém, um imenso investimento de infraestrutura foi feito. E, quando todas as casas estavam energizadas por conta de iluminação, outros aparelhos foram sendo inventados. O mesmo ciclo se repete com aviões e aeroportos, no desenvolvimento da web, do mobile, e agora no mundo das criptomoedas. Blockchain é necessário para elas. Quanto mais sofisticada esta infraestrutura que garante autenticidade digital, mais usos futuros virão.

É bom momento para observar oportunidades à frente. Em um episódio recente do podcast a16z, Cris Dixon, sócio da Andreessen Horowitz, conversa com Fred Wilson, da USV, sobre tendências de investimento, tecnologia e disrrupção. São duas das principais cabeças de investimento no Vale do Silício. Em determinado momento, um deles comenta que tem em casa um jogo de tabuleiro que faz piada com ideias que fracassaram no estouro da bolha ponto-com, no final dos anos 1990.

A maioria daquelas ideias são, hoje, negócios de sucesso. Aqueles empreendedores iniciais só erraram no timing.

E para fechar, os links mais clicados da semana pelos leitores do Meio:

1. YouTube: Maya Gabeira e a maior onda já surfada por uma mulher.

2. Verge: Uma demonstração em vídeo de porque aquecimento global faz o mar subir mais ou menos em determinados locais.

3. Época: O entrevero entre Lewandowski e Toffoli sobre permitir ou não a entrevista de Lula à Folha.

4. WaPo: Um tour pelo moderno museu Glenstone em Washington.

5. YouTube: Boca de Lobo, o novo clipe de Criolo

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