Edição de sábado: Um G20 Diferente

Na pauta oficial da cúpula do G20, que começou ontem em Buenos Aires, estão o estado da economia global, o futuro do mercado de trabalho e igualdade de gênero. Também entram questões relacionadas à economia digital, uma conversa sobre reforma da Organização Mundial do Comércio e, evidentemente, algumas questões regulatórias. O Grupo dos 20 agrega, desde 1999, Alemanha, África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, EUA, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União Europeia. Para a reunião anual vêm sempre os governantes e os bancos centrais — é, portanto, uma pauta natural, são estes mesmos os temas sobre os quais as grandes economias precisam discutir. O problema é que este não será um G20 normal.

O populismo de direita é a força em crescimento no mundo e uma de suas principais características é a marca de um nacionalismo descrente em acordos multilaterais. O G20 é, na essência, um consórcio multilateral para gerir a globalização.

EUA vs. China. Nada simboliza melhor esta crise do que a relação ente Estados Unidos e China. Em se cumprindo a agenda, Donald Trump e Xi Jinping devem jantar hoje à noite cercados por suas equipes. Da conversa de ambos pode sair uma trégua ou uma guerra comercial aberta. Uma guerra assim afetaria toda a economia global.

Os EUA têm queixas justas. Acusa a China de roubo de propriedade intelectual, de forçar transferência de conhecimento tecnológico e de dificultar a vida para empresas americanas que operam no país. Tudo acontece mesmo — a China pirateia. Mas a China também barateou imensamente o custo no fabrico de produtos de consumo que alimentam todo o mercado global. Em 2018, o governo americano impôs US$ 250 bilhões em tarifas alfandegárias para uma longa lista de importados chineses que incluem aço, tecidos, comida e químicos. Beijing sentiu o impacto: o PIB do terceiro trimestre acusou o menor crescimento desde 2009 e a produção industrial diminuiu pela primeira vez em dois anos. Os EUA estão importando menos.

Trump reforça as ameaças: diz que pode pegar uma nova lista de produtos, são 5.745 itens (PDF), e aumentar a tarifa de importação de 10% para 25%. Este estilo duro de negociação não é a praxe no G20, fundado na premissa de que mercados abertos são bons para o mundo. Mas não é só Xi que tem interesse em algum acordo — ou, mais possível, na declaração de uma trégua enquanto as negociações avançam. Trump, que sofreu uma derrota na eleição de novembro, precisa apresentar sinais de que seu estilo traz resultados reais. Há limites para sair encarecendo o que o consumidor americano compra.

Rússia vs. Mundo. A Rússia também é um problema. Nos últimos anos, Vladimir Putin vem demonstrando um comportamento cada vez mais agressivo, principalmente na relação com os vizinhos. Há anos estimula o nacionalismo interno com demonstrações de força. Calhou de outros líderes virem sendo eleitos em democracias reais que se assemelham a ele. Talvez por isso, mas também porque a economia russa, oligopolizada como é, não levanta de jeito algum, Putin vem se mostrando mais agressivo. A escalada do conflito militar com a Ucrânia, esta semana, preocupa muito.

Putin não chega bem a Buenos Aires. Na quinta-feira, os EUA cancelaram abruptamente o encontro um a um que teria com Donald Trump. Para ele, é uma imagem ruim de emitir internamente. Seu caminho, portanto, é apostar nas conversas trilaterais com China e Índia. São conversas de reforço das relações no oriente, em detrimento das com o ocidente. As três economias têm o suficiente em comum para tornar esta uma conversa produtiva. Ele também tem um segundo caminho: o BRICS, e uma aposta em seu reforço. Mas aí há outro obstáculo. O futuro presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, segue a agenda ‘anti-globalista’ do líder americano.

Na avaliação do Kremlin, o problema de Trump nada tem a ver com a crise ucraniana. Pressionado em casa por conta da investigação a respeito do envolvimento russo na campanha que o elegeu, os assessores de Trump recomendaram que evitasse suas típicas demonstrações de apreço por Trump.

A França. O presidente Emmanuel Macron foi recebido em Buenos Aires por um funcionário do aeroporto. Incrivelmente, a vice-presidente argentina Gabriela Michetti chegou atrasada quando o francês já entrava no carro para o hotel. Mas é ele quem tem esperança de vestir o manto da globalização e defender a ideia de multilateralismo. A Itália guinou para o populismo de direita, no Reino Unido a premiê Theresa May está impopular enquanto tenta manobrar o Brexit e, na Alemanha, Angela Merkel está de saída. Macron, um liberal puro-sangue que propõe o que chama de ‘centro radical’ ao mundo, quer se tornar a imagem do projeto G20 nesta reunião. Mas só conseguirá se produzir algum tipo de avanço para o comércio global num tempo de protecionismo puxado, até, pelos EUA.

Ao longo dos anos, o G20 tem demonstrado que funciona. Em 2009, foi em um de seus encontros que os principais países do mundo concordaram em injetar US$ 5 trilhões na economia para reverter a crise do ano anterior. Em 2010, com a crise de endividamento europeia, os países prometeram diminuir pela metade seu déficit. A maioria o fez. Adam Triggs, um pesquisador da Universidade Nacional Australiana, estudou o impacto do encontro. Em entrevistas com negociadores que participaram de conversas ao longo dos anos, ouviu por exemplo que Vladimir Putin ampliou o espaço de mulheres no governo ao ver dados concretos de crescimento em uma das cúpulas. Inúmeras vezes governos foram convencidos a não desvalorizar suas próprias moedas em troca de um ganho imediato no comércio exterior. A economia não se tornou global por ideologia, mas porque a tecnologia o permitiu e a riqueza gerada interessa a todo mundo. Não é um caminho fácil. Mas encontros assim fazem diferença.

Mesmo quando ocorrem numa aura de desconfiança.

Ainda: As imagens do G20 até aqui.

Morre George Bush

George Bush, o pai, morreu ontem à noite aos 94 anos. O Meio de segunda falará mais dele. Mas a equipe da Time resumiu sua vida em fotografias.

Chegamos ao fim do começo

Ben Evans é um dos melhores analistas do mercado de tecnologia e fez, recentemente, uma apresentação de 25 minutos (YouTube) na conferência anual da Andreessen Horowitz, um dos principais fundos de investimento em startups do Vale. Para ele, estamos vivendo o fim do começo da revolução digital. A maioria dos consumidores do mundo já está online. Nos últimos vinte anos, empresas de tecnologia conquistaram muito, mas o potencial de novos negócios ainda é bastante maior do que os já realizados. Hoje, o comércio eletrônico nos EUA movimenta em torno de US$ 450 milhões por ano, mas isto é menos do que 10% do total movimentado pelo varejo. Só aí já abarca um mercado que passa, anualmente, de US$ 10 trilhões. Também é assim em publicidade. O digital já é a maior categoria, tendo ultrapassado TV nos últimos anos. Mas analisando o total investido pelas empresas para vender, incluindo marketing e distribuição, o tamanho do mercado potencial é três vezes maior. (via Pioneiros)

Há um problema. Estes novos desafios, para os próximos 20 anos, possuem uma complexidade bem maior e vão exigir investimentos de capital mais intensivos do que os necessários até agora. Algumas das oportunidades estão nas que todos comentam, como transporte urbano, energia, fintechs e healthtech. Mas existem outras. Hoje, mais pessoas assistem outras jogarem videogame via YouTube e Twitch do que a audiência da Netflix, HBO ou ESPN. Em 2018, só um jogo de console, Red Dead Redemption 2, faturou mais em seu fim de semana de lançamento do que o maior blockbuster de Hollywood do ano. E-Sports já têm audiência comparada com as principais ligas esportivas americanas. O público existe. Mas o dinheiro ainda não se movimentou para lá. Vai acontecer.

Para viabilizar estas novas oportunidades, a indústria da tecnologia começa a investir em dois novos blocos de infraestrutura: Crypto, que deve incentivar o surgimento de novas oportunidades distribuídas, após anos de concentração da Internet entre Google e Facebook; e Machine Learning, que ao permitir a análise de massas imensas de dados vai ajudar a criar soluções para problemas que hoje mal conseguimos prever.

Enquanto isso, aqui no Brasil o comércio eletrônico também já alcançou a maturidade. Os dois grandes bancos produziram relatórios sobre a última Black Friday para seus clientes. Segundo o Itaú, as vendas esse ano atingiram R$ 2,6 bilhões, crescendo 23% em relação a 2017, mais do que dobrando a taxa de crescimento anterior. Destaca também que a B2W (Submarino, Americanas e Shoptime) foi quem mais conquistou espaço na semana de descontos. Já o Bradesco resolveu testar a logística de entregas. Simulou 1.200 compras de produtos em oferta nos principais sites e concluiu que apenas um terço das ofertas contavam com entrega gratuita, sendo o Magazine Luiza o que mais ofereceu essa opção. Já a B2W foi quem tinha na média os menores prazos — 9 dias —, seguido de perto pelo Mercado Livre, com 10 dias.

E o pessoal do Hubspot publicou um relatório (PDF) contando a evolução do consumidor digital no Brasil. Como usamos as redes sociais, como nos relacionamos com marcas no ambiente digital e vendendo um pouco do seu peixe sobre Inbound Marketing.

Galerias

Galeria: A National Geographic investiga as cidades fantasmas italianas.

Outras duas galerias: O estranhíssimo mundo do steampunk. Só comparável ao dos góticos.

E como sempre, os mais clicados do Meio na semana...

1. Youtube: O Met de NY homenageia os 50 anos de Plácido Domingo naquele tradicional palco.

2. Revista Serrote: Como um fórum do UOL serviu de berço de uma nova geração da direita brasileira.

3. Atlantic: Uma galeria de simpáticas e companheiras Capivaras.

4. Estadão: Uma entrevista com Olavo de Carvalho, o guru ideológico dessa nova direita brasileira.

5. Estadão: O áudio em que Eduardo Bolsonaro diz, em almoço com empresários estrangeiros, que governo 'talvez não consiga' aprovar Previdência.

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