Prezados assinantes Premium, muito obrigado pela companhia.

A próxima semana será um pouco diferente. Estaremos na CES, a principal feira anual de lançamentos tecnológicos. Assim, não haverá uma edição de sábado. Entre terça e sexta-feira, porém, a cada dia soltaremos uma edição especial. Cada qual com uma análise, um tema. Não será jornalismo de tecnologia, ao menos não no sentido tradicional. Será uma tentativa de previsão do futuro próximo. Que cotidiano as tecnologias que recebem mais investimento nos prometem para daqui a dez anos? Há dez anos, mal havia smartphones. Eles já elegem presidentes. E os próximos?

É o que tentaremos responder.

— Os editores.

Edição de Sábado: O verdadeiro fascista do Brasil

Na semana em que assumiu o poder o primeiro governo declaradamente de direita da Nova República, voltou a constante caracterização de Jair Bolsonaro como fascista. As definições de fascismo vão das mais elásticas às mais estreitas. Mas o Brasil teve, em sua história, um importante político que era — ele, sim, ao menos por um tempo — declaradamente fascista. Um político que na carreira teve influência real sobre mais de um governo. Um homem querido que, quando morreu bem idoso, em 1975, levou ao cemitério até gente como Ulysses Guimarães, que já liderava uma acirrada campanha contra a Ditadura Militar. E se há uma diferença fundamental entre o movimento liderado por Plínio Salgado e aquele agora representado por Jair Bolsonaro é que Plínio era um intelectual. Ao longo dos anos, ele desenvolveu uma ideia particular de Brasil. A partir dela, um projeto nacional. E deste pacote, que não se definia pelo que era contra e sim por uma proposta, nasceu um movimento de massas.

Plínio Salgado não era um homem alto, nada tinha de imponente. O cabelo preto, e o corpo magro até o fim da vida, o tornava desengonçado nos tempos em que usava o uniforme verde do Integralismo. Era aquele tipo físico tão brasileiro do corpo mirrado e cabeça grande, cabelo crespo. Seguindo a moda do tempo, cultivava um bigode e tentava dominar com óleo capilar o penteado para trás. Contraía o rosto todo num ritmo frequente, tique nervoso. Quando falava, puxava o R acusando o paulista do interior, nascido em São Bento de Sapucaí, fronteira com Minas. “Guardara a pronúncia caipira, mas, quando discursava, tais defeitos eram superados por seu incontido fluxo verbal, um feixe de nervos se convertendo em palavras” se lembraria, muitos anos depois, o jurista e amigo Miguel Reale. “Era espontâneo, não destituído de certa dose de desconfiança e malícia.” Menotti del Picchia, o grande poeta modernista, também lembrava dele com afeto. “Um caboclo enxuto, nervoso e formidável.”

Antes de ser fascista, antes mesmo de ser político ou jornalista, Plínio foi um escritor. Romancista e poeta pertencente à primeira geração do Modernismo. Participou da Semana de 1922. Sua pauta política não vinha de slogans curtos ou argumentos rasteiros. Tampouco de uma visão paranoide. Certa vez, durante uma entrevista, lembrou de como se inspirou para escrever seu romance mais conhecido, O Estrangeiro. “Numa viagem que fiz ao sertão araraquarense, estive num lugarejo de casas onde funcionava a escola dirigida por um professor chamado Serapião”, contou. “Este professor reunia os alunos, filhos de italianos, espanhóis, japoneses, pretos, caboclos e ali, na haste de um coqueiro decepado, desfraldada a bandeira verde-amarela, essas crianças cantaram o Hino Nacional.”

Plínio cultuava o sertão e o caboclo — o Brasil era mais sertão do que litoral, e o caboclo era o único homem forte capaz de domá-lo. Ali, entre os anos 1920 e 30, já se formava em São Paulo uma ideologia de culto ao bandeirante. E o bandeirante, mestiço de branco com índio, era ele próprio caboclo. Aquele era um país também que começava a se urbanizar e industrializar a olhos vistos. O cinema, e suas grandes estrelas, tomavam a imaginação das pessoas. “Os homens femininos dos bailes da capital referem-se a Rodolfo Valentino, a Norma Talvadge”, ele escreveu. O homem urbano, o cosmopolita, se afeminava. Pela cultura estrangeira, perdia a força ao mesmo tempo em que permitia se perder uma cultura nacional.

Perdeu a mulher, mãe de sua filha, cedo, em 1919. Na perda, encontrou num dedicado catolicismo o jeito de seguir em frente. Era deputado estadual de primeiro mandato quando se desapontou com a política e mergulhou numa depressão. Foi salvo por amigos que lhe arranjaram uma viagem. Em abril de 1930, embarcou para a Palestina com a missão de mostrar o mundo ao filho de Alfredo Egídio de Sousa Aranha, um advogado importante e muito rico da capital. Seria um preceptor, serviço comum para homens inteligentes e com pouco dinheiro naquele tempo. De Jerusalém a Constantinopla, de lá para a Itália. E chegando a Roma, o embaixador brasileiro lhe conseguiu uns minutos de conversa que o marcariam para o resto da vida.

No final da tarde de 14 de junho, naquele 1930, Plínio viu se abrirem as portas da Sala del Mappamondo no Palazzo Venezia. Era calculadamente decorada para impressionar: 15 metros de profunda e nenhum móvel que não uma sólida mesa de madeira talhada e um grande abajur art nouveau. (Foto.) “Sejam bem-vindos, amigos brasileiros”, lhes disse simpático il Duce, Benito Mussolini. O mais jovem primeiro-ministro da história italiana, já no poder desde 1922. Seu auge. Nos anos seguintes, o escritor e político brasileiro descreveria inúmeras vezes aquele encontro tão breve. “Tinha um queixo viril”, relataria numa destas. “Impressionava pela cabeça grande”, diria noutra. “Mussolini é um emotivo”, imaginou. “Muito bem informado sobre nossa terra”, pôs numa carta.

E de tudo que viu e ouviu naquela viagem de meses, incluindo-se aí uma visita ao próprio papa, coisa tão importante para o autor de uma biografia de Jesus como ele, nada o marcou tanto quanto a conversa com Mussolini. O que ele não sabia é que cada visita daquelas era cuidadosamente planejada pela equipe do fundador do fascismo, ele próprio um político carismático e meticuloso. Seus gestos, o olhar atento, os comentários furtivos que fazia sobre a região do italiano que passava, ou do país do estrangeiro que visitava, eram propositalmente feitos para seduzir. Antes de receber, o time de Mussolini orientava um Duce atento sobre os pontos a tocar.

Mas Plínio já trazia consigo uma ideia de Brasil. Já era, ele próprio, um patriota. Os modernistas eram, todos eles, encantados com o Brasil. Uns, satíricos, acidamente críticos. Mas outros não tinham este humor. Plínio não tinha. Todos eram preocupados em resgatar o que o Brasil havia sido no passado, deixar um registro das tradições. Plínio sequer tolerava a ideia de perdê-las. Via um Brasil decaindo pela influência estrangeira e urbana, abandonando sua força. E ali Mussolini, que fora buscar nas tradições romanas o que considerava ser a alma da Itália, lhe mostrava o caminho de como construir um movimento político: exigiria disciplina e dedicação para culto da brasilidade. O Brasil tradicional precisaria ser cultuado para não se perder. E isto só seria possível com uso da autoridade de um Estado central que organizaria todas as fases da vida.

Mussolini oferecia um caminho para as ideias que ele tinha.

Em seu auge, a Ação Integralista Brasileira teve mais de um milhão de afiliados num país que pouco passava dos 40 milhões de habitantes. 2,5% da população teve uniforme verde, com na braçadeira um grande Sigma grego desenhado. O símbolo matemático do somatório, para um brasileiro integral em quem pátria, Deus e família compunham o centro da vida. Entre 1932 e 37, foram inúmeras marchas pelo Brasil — algumas gigantescas. (Vídeo.) Se organizavam em células, davam cursos. Havia as mulheres integralistas, as crianças integralistas, uniformes sempre impecáveis, passados, bandeiras. E o comprimento, braço lançado à frente, mão espalmada, o grito Anauê. ‘Você é meu irmão’, em tupi.

Vinícius de Morais, o poetinha. Dom Hélder Câmara, o brasileiro mais vezes indicado ao Nobel da Paz. Abdias do Nascimento, um dos pais do movimento negro por aqui. José Lins do Rego, Câmara Cascudo, Augusto Frederico Schmidt, San Tiago Dantas, Menotti del Picchia — alguns dos maiores intelectuais da primeira metade do século 20 marcharam uniformizados sob o comando de Plínio. Plínio que, a seu lado, teve sempre Miguel Reale e Gustavo Barroso. Reale, como ele, um fascista à italiana. Barroso — um nazista e dedicado antissemita.

Plínio era candidato à presidência quando a Ação Integralista Brasileira foi encerrada, junto a todos os outros partidos do país, na virada de 1937 para 38, com o segundo golpe dado por Getúlio Vargas. Nos primeiros meses, o poeta caboclo que imaginou um Brasil fascista-bandeirante tentou negociar com Getúlio através de uma amiga comum. Até ali, Plínio encontrara espaço no governo. A escritora Rosalina Coelho Lisboa, que havia sido apaixonada pelo líder tenentista Siqueira Campos nos anos 1920 e, dizem alguns, foi amante de Getúlio, tentou intermediar a conversa. Plínio apostou que o novo país que o caudilho erguia com o golpe de Estado poderia ser integralista. Mas não aconteceu. Getúlio seria apenas Getúlio, uma síntese de todos os autoritarismos do tempo, porém particular. Num gesto de desespero, um grupo de militares integralistas invadiu o Palácio Guanabara, residência do ditador, e tentou fazer de sua família refém. Fracassou.

Quando, muitos anos depois, Plínio Salgado retornou de seu exílio na Portugal de Salazar, ele próprio renegou o fascismo. Ou quase. O fim da Segunda Guerra e o Holocausto tornaram os termos fascista e nazista tóxicos. Em Portugal, António de Oliveira Salazar já havia se afastado fazia uns anos. Na Espanha, Francisco Franco tirou o corpo, proibindo a saudação. O Plínio que voltava seguia integralista, mas afirmava que o integralismo nunca havia sido fascista. Após a redemocratização de 1945, refundou a AIB e atraiu de volta muitos de seus líderes regionais, desta vez sem desfiles uniformizados, com o nome Partido de Representação Popular. Foi candidato à presidência em 1955, contra Juscelino. Pensou em sair novamente na eleição seguinte — mas decidiu por apoiar um jovem candidato declaradamente de direita que, como ele conseguira um dia, se mostrava capaz de juntar as massas perante um discurso conservador. Jânio Quadros.

Em um de seus últimos atos políticos, relatou um projeto que censurava periódicos e livros pornográficos. Defendeu rígido controle ideológico sobre o ensino das ciências sociais e biológicas no governo Médici. Mas reconhecia que a sua era uma posição ideológica contra o que enxergava ser má ideologia. Em 1972, para celebrar os 40 anos da AIB, fundou um movimento que não ganhou muito espaço. Não tinha mais o poder de seduzir massas ou jovens. Chamava-se Movimento de Renovação Nacional. Morena. Ali no fundo, permanecia o modernista de 22. Morreu em 7 de dezembro de 1975, aos 80 anos.

Nova Câmara do EUA é diversa mas nem tanto

Tomou posse esta semana a 116ª legislatura do Congresso dos EUA, marcando o retorno dos Democratas ao comando da Câmara e reconduzindo Nancy Pelosi à presidência da Casa, a única mulher até hoje a ocupar esse cargo. A palavra que define a maioria democrata é diversidade, incluindo mais pessoas de diferentes etnias e as duas primeiras mulheres muçulmanas eleitas deputadas no país. É gritante o contraste com a bancada republicana, formada majoritariamente por homens brancos acima de 50 anos. Na época da eleição, o Guardian fez um detalhado gráfico mostrando o novo mapa do Congresso americano.

O site Intelligencer, da New York Magazine, celebra essa diversidade dizendo que ela abre espaço para que pessoas com outras filiações religiosas que não o protestantismo possam disputar com chances a Casa Branca. Vale lembrar que o país só teve até hoje um presidente católico, o democrata John Kennedy, e apenas dois judeus, os também democratas Joe Lieberman e Bernie Sanders, disputaram a sério a indicação do partido à Presidência, em 2000 e 2016, respectivamente.

Mas a nova Câmara ainda está longe de refletir o panorama religioso nacional. Segundo pesquisa do Pew Ressearch Center, cristãos (tanto católicos quanto protestantes) e judeus são super-representados no Congresso. Enquanto os primeiros têm 88,2% dos congressistas contra 71% da população, os segundos fizeram 6,4% dos parlamentares, embora representem apenas 2% dos americanos. A maior disparidade, no sentido contrário, está entre os chamados ‘não afiliados’, grupo que inclui ateus e agnósticos. Eles são 23% dos adultos americanos, mas contam com apenas uma representante no Capitólio, a agora senadora Kyrsten Sinema, que fez seu juramento de posse segurando um livro com as Constituições dos EUA e do Arizona, seu estado.

Jazz então, jazz hoje.

1959 foi um ano seminal na história do jazz. Dave Brubeck lançou o clássico Time Out, transformando Take 5 em um hit instantâneo. Miles Davis gravou Kind of Blue, e lançou Porgy and Bess, sua releitura, junto com Gil Evans, da ópera de Gershwin. Charles Mingus pôs nas ruas Mingus Ah Um com algumas de suas mais veneradas gravações. E John Coltrane, que havia participado da gravação de Kind of Blue, gravou seu Giant Steps, que foi lançado no ano seguinte, e o elevou ao nível de um dos grandes do jazz.

Neste primeiro de janeiro, a jornalista da revista Billboard Natalie Weiner iniciou um projeto de, em tempo real, recriar na web a história deste ano icônico. Cada dia, um post. É uma coletânea de fotos, registros em vídeo, cartazes de shows e uma miscelânea de informações e curiosidades que vão ser publicados.

Apesar das glórias do passado, o jazz continua firme e forte. Artistas como Kamasi Washington (Spotify) e Speranza Spalding (Spotify) têm rejuvenecido o estilo e atraído novos públicos. Em Londres existe hoje uma cena bastante quente. O New York Times disponibilizou no fim do ano uma playlist no Spotify com o melhor do jazz em 2018. E a Paste Magazine listou 12 artistas para ficarmos de olho em 2019.

E nessa semana curta, os links mais clicados do Meio foram:

1. Folha: Criador de monstros do filme 'Bird Box' acaba com mistério e divulga rosto dos alienígenas

2. O Globo: Ascânio Seleme conta dos planos de despetização do governo Bolsonaro.

3. Vox: Em fotos: a diferença de diversidade entre as bancadas Democratas e Republicanas no novo congresso americano.

4. Aos Fatos: Checagem das declarações dos discursos de posse de Bolsonaro.

5. Vulture: 50 filmes para assistir em 2019.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.

Já é assinante premium? Clique aqui.

Este é um conteúdo Premium do Meio.

Escolha um dos nossos planos para ter acesso!

Premium

  • News do Meio mais cedo
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 3 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio*
ou

De R$ 180 por R$ 150 no Plano Anual

Premium + Cursos

  • News do Meio mais cedo
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 3 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio*
ou

De R$ 840 por R$ 700 no Plano Anual

*Acesso a todos os cursos publicados até o semestre anterior a data de aquisição do plano. Não inclui cursos em andamento.

Quer saber mais sobre os benefícios da assinatura Premium? Clique aqui.