O Meio na CES: O que será da TV?

Imaginar o futuro nem sempre é fácil. Em algumas áreas, a tecnologia já está encaminhada e a aceitação por parte do público consumidor se mostrou evidente. Como vimos nas duas últimas edições, estes são os casos da interface de voz e dos carros autônomos. Conversaremos com nossas máquinas e os carros vão andar sozinhos. Mas com televisão a coisa não é tão clara. Nestes dez anos que se passaram, a Netflix recriou o entretenimento visual. Uma geração que os americanos apelidaram de ‘cortadores de cabos’, aqueles que abandonam a TV linear para consumir apenas streaming, surgiu. Só que este é só o início da profunda transformação que ocorrerá. E, ao menos por enquanto, a bagunça se instalou. O velho já está morrendo, o novo ainda não surgiu.

O primeiro problema do negócio do vídeo digital é que ele se fragmentou. Começa pela distribuição. As personagens de um desenho animado, por exemplo, passam pelos olhos de crianças de muitas formas: num canal de TV a cabo, na Netflix, num vídeo no Facebook, outro no YouTube. Para quem produz, fica dificílimo calcular audiência. Não há uma forma padrão. E, sem ideia precisa de quantos fãs, tanto publicidade quanto assinaturas se tornam mais difíceis de calcular.

Não para aí, pois não são apenas as plataformas que se fragmentaram. São também as telas — e para cada tela há um app distinto, com uma linguagem própria, que tem de ser desenvolvido e atualizado a toda hora. TVs inteligentes da Samsung, TVs ligadas à AppleTV, celulares e tablets com iOS, celulares e tablets com Android, caixas como Roku. Para uma operação grande como a Netflix, o trabalho termina por ser feito. Mas os menores encontram uma imensa barreira de entrada. E, mesmo para os grandes, a experiência termina inconsistente de um ambiente para o outro. Por enquanto, cada tela luta para controlar sua tecnologia. Mas a fragmentação representa um custo a mais que termina repassado para o consumidor.

Neste ano de 2019 vai ao ar a Disney Plus. É um serviço de streaming que juntará conteúdos produzidos com as marcas Disney, Pixar, Marvel e Guerra nas Estrelas. Resolve um problema real ao mesmo tempo que torna outro mais agudo.

O problema que resolve é o das marcas. O público gosta de marcas, elas têm valor real. Quem assiste a um filme ou desenho com o selo Disney já sabe com antecedência o que esperar. O mesmo se dá com séries históricas da BBC, documentários da PBS americana, filmes sobre natureza da National Geographic. Estas marcas se perdem em agregadores com a Netflix. Não é possível fazer uma busca por elas, tudo está misturado. É o que Disney Plus pretende resolver. E resolve, ao mesmo tempo que agrava a fragmentação de fontes. No final, quantas assinaturas de streaming uma família fará?

Televisão, no fim das contas, é um negócio baseado num tripé: descoberta, acesso e comunidade. É preciso descobrir algo de que se gosta. É preciso ter acesso fácil a este algo. E a experiência só é realmente satisfatória quando compartilhada. Game of Thrones teria metade da graça se não tivesse tanta gente debatendo sobre quem deve ocupar o Trono de Ferro. É uma experiência de massa.

A grande transformação da Netflix foi resolver o acesso: assistir a vídeo pela internet passou a fazer sentido porque ficou fácil. Mas descobrir o que há de bom não está nada fácil e, porque a oferta é muita e variada, é cada vez mais difícil encontrar comunidades de quem assiste aos mesmos programas. Tudo pode ser melhor definido por um comentário feito por Laura Froelich, responsável por vídeo no Twitter, durante um painel na CES: “Eu estava na rede durante o Globo de Ouro e um tweet me chamou atenção. ‘Assisto muita TV’, disse o sujeito, ‘mas não conheço quase nenhum dos concorrentes deste ano.’”

O público que assistia ao debate riu. Um público todo composto por gente que trabalha na área. Riu de nervoso: séries são muito caras de se produzir. Se um prêmio importante como o Globo de Ouro destaca programas que um naco importante do público sequer conhece, isto quer dizer que a fragmentação está afetando de morte descoberta, acesso e a formação de comunidades.

Não há solução à vista. Apple e Amazon prometem investir mais pesado na produção de vídeo para concorrer com a Netflix, seguindo o caminho da Disney. A HBO deve apostar mais em seu serviço de streaming, abandonando o cabo aos poucos. A tendência das ligas de esporte americanas — NFL, NBA etc. —, que vendem também pacotes de streaming para seus fãs, deve se espalhar pelo mundo. Todos querem se distribuir: dá mais dinheiro. Ao mesmo tempo em que dificultam mais o tripé chave de acesso, descoberta e formação de comunidade.

Tampouco parece estar à vista a possibilidade de que todas as telas concordem num padrão único para apps. O que piora e encarece a experiência de todo mundo. E, no fim, o problema da contagem de audiência se agrava.

E, enquanto tudo isso ocorre, por fora outro problema impera. Ainda existe uma audiência fiel à boa e pacata TV linear. Não dá para abandonar aquele negócio, que é rentável, é preciso investir no novo negócio mesmo que, ao menos por enquanto, ele seja tão ineficaz que só dê prejuízo. Pois é: até a Netflix opera no vermelho. Todos sonham com um futuro mais simples, no qual o jogo volte a fazer sentido. Até lá, tem muito mais gente vendo vídeo, o que é ótimo, mas o dinheiro diminuiu.

Viveremos ainda muito a experiência de assistir àquela série incrível que só nós conhecemos. Tudo enquanto descobrimos nunca termos ouvido falar daquela mais badalada do momento. É que passa num serviço que não assinamos. Em 2029, TV vai ser muito diferente do que foi no passado. E nada igual ao que é hoje. E ainda é muito cedo para dizer quem vencerá a guerra.

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