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Edição de sábado: A aposta na polícia que mata

Na última quinta-feira, uma operação da Polícia Civil do Rio na favela do Jacarezinho terminou com 28 mortos – um policial e 27 “suspeitos”. Para o ministro do STF Edson Fachin, há indícios de execução arbitrária, e a PGR suspeita de desrespeito a uma ordem do Supremo contra ações desse tipo. Já o vice-presidente Hamilton Mourão se apressou em afirmar que os civis mortos “eram criminosos”. A questão é que a polícia fluminense nunca havia matado tantas pessoas de uma única vez, embora ações com a contagem de corpos na casa das dezenas sejam registradas há décadas. Desde 1998, uma pessoa morre nas mãos da polícia, em média, a cada dez horas. Isso é uma política de segurança? Mais, isso traz resultados positivos? Ambas as respostas são não, segundo Melina Risso, diretora de Programas do Instituto Igarapé, doutora em Administração Pública pela FGV e coautora de Segurança Pública para Virar o Jogo. Para a especialista, o controle do braço armado do Estado é fundamental para a democracia, mas as autoridades não querem exercê-lo.

Meio: A violência é uma cultura da polícia do Rio?

Melina Risso: A violência é sistemática há muito tempo. É uma polícia que mata muito; hoje, em números absolutos, é a que mais mata no Brasil. E não tem comparação com quase nenhuma força policial no mundo. É uma falta de controle em relação à estrutura policial que realmente chama a atenção.

Há uma percepção de que a polícia está mais letal nas últimas décadas. Isso é real?

Houve um momento de queda da letalidade na metade dos anos 2000, mas ela volta a crescer de uma maneira muito significativa a partir de 2018. Foi o ano em que a polícia mais matou na história do Rio de Janeiro. Toda a redução no número de homicídios registrada naquele ano foi anulada pelo número de pessoas que a polícia matou. A letalidade violenta ficou no mesmo nível, mas agora a polícia era responsável por uma grande parcela das mortes.

O que motiva essa crescente letalidade?

Há diversos fatores: treinamento, sistema de controle, as normas que são colocadas e o tipo de armas que a polícia do Rio utiliza. Quando se compara o armamento no policiamento ordinário, a nossa polícia usa um muito mais letal. Além disso, essa estratégia baseada no confronto, de invadir as comunidades, ir para o tudo ou nada, sempre trocando tiros, tem um resultado de letalidade. É um resultado desastroso do ponto de vista da segurança pública.  Quando há uma presença do Estado, ela é na forma dessa ação muito violenta e que não traz mais segurança para essa comunidade.

Como isso afeta a relação entra a polícia e a comunidade?

As pessoas da comunidade não confiam na polícia, que não pode fazer um bom trabalho se a população não confia nela. A matéria-prima do trabalho policial é a informação, que é passada pelo cidadão comum. Quando não há essa confiança, a informação não circula. Portanto, perde-se de todos os lados. A população fica no fogo-cruzado, aulas e atendimentos médicos são interrompidos, trabalhadores não podem sair de casa para garantir o seu sustento. No fim, temos uma produção de insegurança de uma forma muito sistemática.

As UPPs representaram um enfoque diferente, de aproximação com as comunidades. Nós retrocedemos?

Retrocedemos muito. Isso começou em 2014, mas se aprofundou em 2017, 2018. O próprio discurso das autoridades ressalta isso. O ex-governador Wilson Witzel dizendo “vamos atirar na cabecinha”. É virtualmente uma carta branca para as polícias fazerem o que elas bem entenderem, sem nenhum controle. Vemos o presidente falando cotidianamente sobre excludente de ilicitude. As autoridades não querem controlar as polícias, e não existe Estado democrático em que o braço armado não seja muito controlado. A aplicação da força tem que ser exceção, não regra. Infelizmente temos visto que o uso da força letal é uma regra. Isso não é segurança pública, não reduz a criminalidade nem traz mais segurança para a população.

Qual o peso do racismo na violência policial do Rio?

Nessas comunidades há uma sobreposição em relação à pobreza e à raça, e, infelizmente, o Estado não atua para mudar esse contexto. Inclusive não colocando a questão do racismo como tema central de política pública. A nossa sociedade reluta muito em reconhecer o quanto é profundamente racista. Isso tem resultado na atuação policial, sem dúvida.

A polícia sempre alega reagir ao poder de fogo dos traficantes. Como combater esse tipo de crime de outra forma?

A ferramenta para enfrentar organizações criminosas como as que se vê no Rio de Janeiro é a inteligência. É a desarticulação da capacidade de financiamento, entender como esse armamento pesado está chegando nesse território. Ele vem de uma rede de tráfico organizado e muitas vezes de desvio das próprias forças de segurança. Esse mecanismo todo ao redor precisa ser desarticulado, e ele será com inteligência. Tratar isso com troca de tiros no varejo é uma receita que temos vistor dar errado há décadas.

No fundo, essa é a polícia que a sociedade quer?

A sociedade não debate segurança pública e não tem a compreensão necessária do papel das polícias. A lógica do enfrentamento pode parecer dar mais segurança, mas todos os dados mostram o contrário. E nós não fazemos esse debate de uma forma racional. Isso no momento que um discurso autoritário está muito presente. Todas as vezes em que se critica a atuação policial surge a acusação de sermos “contra a polícia”. Pelo contrário, o Instituto Igarapé desenvolveu uma agenda de valorização policial, porque essa profissão é fundamental na nossa democracia. Temos que sair dessa dicotomia de “bem contra o mal”. Não adianta perguntar “era bandido?”, não importa. Usar força de maneira arbitrária não é função da polícia.

Até porque a polícia mata muito, mas também morre muito.

Eu sempre digo isso. É uma guerra sem sentido. Quando se tem uma polícia violenta, não existem vencedores. Aliás, quando a polícia é muito violenta, ela acaba se integrando à criminalidade. Como a gente toca na ferida da corrupção policial? No caso das milícias, vemos o Estado participando do crime.

Que caminhos poderia haver para mudar esse quadro?

Eu ficaria completamente desesperançosa se não soubéssemos por onde começar, mas sabemos. O Rio de Janeiro precisa de uma limpeza profunda na estrutura de segurança, um combate sério à corrupção policial. É impossível fazer segurança se todo planejamento é informado ao crime. O segundo ponto é repensar a lógica e a função da polícia. Precisamos de planejamento sério e eficaz se pretendemos ter uma política de segurança bem-sucedida. Precisamos recuperar a credibilidade das instituições policiais. Temos que investir em treinamento, fechar os caminhos do desvio de armas e munições. Segurança pública começa na prevenção. Não é simples, mas é possível.

No mundo das relações parassociais

Uma expressão para os novos tempos: relações parassociais.

Em 1956, os sociólogos Donald Horton e R. Richard Wohl identificaram um fenômeno inesperado: amizades que, emocionalmente, tinham muito de similar com amizades reais. Porém, unilaterais. O fenômeno se mostrava intensamente com a chegada da televisão. Algumas estrelas, não todas, pareciam despertar em algumas pessoas do público a sensação de amizade real. Empatia, proximidade, tudo. A estrela, evidentemente, não tinha ideia de que em algum sofá numa sala americana perdida tinha um amigo dedicado.

É uma relação parassocial. Quando alguém sente proximidade, intimidade, vibra, acompanha a vida — e não é correspondida ou mesmo conhecida.

O fenômeno cresceu desde o surgimento da mídia de massa, mas se tornou mais agudo com as redes sociais e o surgimento de influenciadores. Afinal, o principal trabalho do influenciador é justamente construir esta ilusão de intimidade. Dividindo a vida — ainda que por lentes quase fictícias — nas giradas de dedo pela tela do Instagram.

Relações parassociais não são, necessariamente, ruins. Às vezes é justamente o contrário. A maioria dos envolvidos têm plena consciência de que não existe uma amizade real. Por outro lado, é uma relação sem estresse, uma maneira de trabalhar com emoções sem precisar de grande dedicação. Em alguns momentos, como quando acontece a morte do amigo que se conhece pela tela, a sensação de perda pode ser inclusive muito forte. Nas redes, a percepção de proximidade pode em alguns momentos parecer tão forte que se torna obsessiva.

Aí, claro, vira um problema.

Como é um problema confundir a aparente intimidade com intimidade real. Afinal, influenciadores emulam uma vida que parece real mas tem bem menos dramas do que a de verdade.

O que era raro se tornou cotidiano. Da próxima vez que abrir o Insta e se flagrar sorrindo com o reels de alguém que segue ou se surpreender com o reatamento duma relação de quem tem um milhão de seguidores, o nome é este. Relação parassocial.

Todos nós estamos as vivendo.

Como uma música viraliza no TikTok

Vira e mexe surge uma nova música nas paradas que foi alavancada pelo TikTok. Para quem não é familiarizado com a rede social, isso normalmente significa que a música se tornou trilha de coreografias ensaiadas. Esses vídeos curtos, de questão de segundos, chegam a outros fãs, criando um processo que se repete dezenas de milhões de vezes. Em 10 minutos, um usuário pode ouvir a mesma música em 10 vídeos diferentes, o que nunca aconteceria no rádio, TV ou até mesmo no streaming. Esse sistema viral parece orgânico e resultado de algoritmos. Mas não é bem assim.

De um lado, os algoritmos priorizam sim a questão da viralização. Como já explicado cá no Meio, o TikTok dá preferência a novos clipes no feed dos usuários e, ao contrário de outras plataformas como Facebook e Instagram, esse conteúdo não precisa vir de pessoas que são seguidas por quem está vendo. Do outro lado, a viralização também conta com uma ajudinha do próprio TikTok.

As redes sociais são sempre menos espontâneas do que parecem, mas o TikTok tem se mostrado mais controlador do que os seus concorrentes. Logo que começou suas operações, o app já oferecia empresários individuais para milhares de criadores de conteúdo. Para esses parceiros e aqueles usuários já com mais seguidores, ainda fornece informações privilegiadas, como quais hashtags usar ou até mesmo qual tipo de vídeo criar para ter mais engajamento.

A indústria musical sai ganhando com esse esquema. Por meio de parcerias com grandes gravadoras e artistas, o TikTok os conecta a criadores de conteúdo e ainda cria estratégias para os lançamentos. Um case de sucesso é da rapper Megan Thee Stallion. A gravadora queria divulgar apenas uma música na plataforma, mas o TikTok quis testar cinco para monitorar várias métricas. O resultado foi maior engajamento em Savage (YouTube), música que nem era considerada pela gravadora. Então, o app deliberadamente deixou a música ir crescendo no aplicativo por alguns dias antes de colocá-la nas listas de reprodução e anúncios em banner no topo de sua página de pesquisa. Para dar o seu toque diferencial, ainda organizou uma live com a rapper o que ajudou a popularizar o Savage Challenge e incita outros usuários a repetirem a dancinha. No final, o sucesso de Stallion resultou em um Grammy.

Outros artistas já começam pela parte do marketing antes de ter a música. É o caso de Toosie Slide (YouTube), de Drake. A música foi feita para viralizar na plataforma: primeiro um tiktoker criou uma coreografia e depois veio a letra e a música. O lançamento também foi diferenciado, começou a ser divulgada pelo app em versões curtas e, depois que a dança se espalhou pela plataforma, o rapper lançou a versão completa.

Mas com a música ocupando um espaço cada vez maior no app, o TikTok deve encontrar algumas barreiras pela frente. Gravadoras já estão pressionando por acordos mais favoráveis. Outros ainda veem que as gravadoras, no longo prazo, podem começar a sair prejudicadas com uma geração de artistas de um único hit.

Então… As músicas mais populares do TikTok em 2020. Ouça.

E algumas das coreografias mais famosas. Assista.

Mais clicados da semana

E os mais clicados dessa semana um tanto pesada:

1. Poder 360: Pazuello adia ida à CPI e vira tema de memes.

2. UOL: Moradores do Jacarezinho registram em vídeo a operação da polícia que deixou um rastro de mortes.

3. UOL: O ex-ministro da saúde Henrique Mandetta depõe na CPI da Covid.

4. Poder 360: Imagens do ato pró Bolsonaro no primeiro de maio.

5. O Globo: Polícia diz que ação no Jacarezinho foi para prender traficantes que aliciavam crianças para o crime.

A guerra das plataformas esquentou um tanto nesta última semana. Na segunda-feira começou o julgamento do processo da Epic Games, desenvolvedora do famoso Fortnite, contra a Apple. Esta disputa começou ano passado, quando a Epic resolveu ignorar as regras da App Store da Apple e da Google Store no Android e embutir seu próprio sistema de pagamentos para compras dentro de seus games. O objetivo era deixar de pagar os 30% de comissão que tanto Apple como Google cobram. Imediatamente o Fortnite foi banido de ambas as lojas. A Epic Games, por sua vez, entrou com processos contra ambas as gigantes.

A ação contra a Apple logo nos primeiros dias se transformou numa discussão sobre se o iPhone é um aparelho de uso genérico, como um computador, ou um aparelho de uso específico, como um console de videogame. A Apple defende que o iPhone se assemelha a um console, e a Epic buscou a Microsoft para defender a tese de que são coisas diferentes. No Windows, a Microsoft tem sua loja e cobra em torno de 12% de comissão. Mas existem diversas outras lojas: a Steam, que talvez seja a maior delas, a Origin, da Electronic Arts, desenvolvedora do Fifa, etc. Até mesmo a Epic possui sua própria loja. Já no Xbox tudo passa pela loja da Microsoft, que cobra nesse caso os tradicionais 30% de comissão.

Lori Wright, chefe de desenvolvimento de negócios da unidade Xbox da Microsoft depôs na quarta feira como testemunha da Epic. Wright explicou as diferenças entre as duas lojas e ainda trouxe um argumento de que a loja é parte do modelo do negócio do Xbox, visto que os consoles são vendidos a custo de fabricação, e todo o lucro é baseado na venda de jogos. Os advogados da Apple alegaram que o depoimento de Wight deve ser invalidado pois ela não apresentou documentos que provem que a venda de consoles não gera lucro para a Microsoft. Esta, por sua vez, apóia a posição da Epic mas não tem interesse de abrir números confidenciais que podem ajudar seus concorrentes.

E como um bom julgamento de tecnologia, todos os documentos formais apresentados pelas testemunhas estão sendo disponibilizados num simples folder web que pode ser acessado por qualquer pessoa.

Enquanto isso, essa semana a Apple acelerou a distribuição da nova versão do iOS, a 14.5. A principal novidade dessa versão é que ela aumenta a privacidade dos usuários, só permite que um app continue seguindo a pessoa depois que ela sai do app e vai para a web se ela explicitamente permitir. Isso afeta pesadamente o modelo de negócios de Google e especialmente do Facebook, que respondeu colocando um alerta em seus apps ameaçando ter que cobrar pelo acesso caso os usuários não permitam o rastreamento e com um artigo para seus anunciantes explicando os possíveis impactos nas performances das campanhas publicitárias.

E nas TVs a briga é do Google com a Roku, fabricante de uma das caixinhas de TV mais populares dos EUA. No final de abril a Roku anunciou que estava retirando o app do YoutubeTV (um pacote de canais de TV por assinatura que o Youtube oferece nos EUA) de sua loja pois as negociações entre as duas empresas não tinham sido bem sucedidas e o Google estava tomando atitudes anticompetitivas. E ontem o Google revidou com o que analistas chamaram de uma “bomba nuclear”, incluiu as funcionalidades do Youtube TV dentro do app principal do Youtube no Roku, que respondeu chamando a Google de uma monopolista não regulada.

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