Edicão de sábado: Cuba por conta própria

Uma parceria inusitada, a Covid-19 e a internet, conseguiu o que parecia impossível: levar cubanos em grande número às ruas para protestar contra o regime. Fidel tiraria isso de letra. Repressão, um longo discurso evocando o espírito revolucionário do povo cubano e ressaltando as reais conquistas sociais do regime, e tudo bem. Mas Fidel pertence à História. Em seu lugar está Miguel Díaz-Canel, um burocrata com o carisma de um cone de trânsito. Será ele capaz de manter vivo um sistema que muitos juravam morto há trinta anos?

Para quem é novo ou tem pouca memória, em 1991, após uma fracassada tentativa de golpe por parte da ala conservadora do Partido Comunista, a União Soviética foi dissolvida, substituída inicialmente pela Federação Russa, mas já sem o domínio do PC. Com ela, foi-se o Comecon, o Conselho para Assistência Econômica Mútua, uma estrutura pela qual a URSS apoiava economias de países comunistas, em particular da África e das Américas. Para Cuba, desde 1961 sob embargo econômico dos Estados Unidos, soava como uma sentença de morte.

Não foi. O que se seguiu foi um período amargo. Nos anos seguintes, o PIB da ilha de Fidel desabou, chegando ao abismo de -14,9% em 1993. Poucos regimes sobreviveriam a tal desastre. Mas a ditadura comunista cubana sobreviveu. Segundo a historiadora Helen Yaffe, autora de We Are Cuba: How a Revolutionary People Have Survived in a Post-Soviet World (Somos Cuba: Como um Povo Revolucionário Sobreviveu ao Mundo Pós-Soviético, favorável ao regime, que fique claro), foi uma questão de escolhas.

Como a ameaça de uma invasão dos EUA era remota, o orçamento para defesa sofreu um corte de 86%, com os parcos recursos transferidos para seguridade social e saúde – os gastos nesses setores chegaram a 29% e 13% do PIB entre 1990 e 1994. Havia filas nos mercados? Sim. Mas as escolas e hospitais seguiam funcionando. Tais números ajudam a explicar como Cuba teve uma trajetória oposta à dos estados-satélites da União Soviética – além do fato de o comunismo ter sido imposto a esses países no pós-guerra.

Claro, o regime de Havana não ficou muito tempo sem padrinho. Na primeira década deste século, o presidente venezuelano Hugo Chávez cerrou laços com Fidel e garantiu fornecimento subsidiado de petróleo. Não é à toa que o PIB cubano, também por conta da festa das commodities, chegou a uma alta de 12,1% em 2006. Não foi um resultado permanente, mas a economia cubana seguiu crescendo razoavelmente até 2017, mesmo depois de a fonte venezuelana secar.

Embargo, o doce castigo

E há o embargo, esse fantasma a pairar sobre Cuba desde 1961. Ele atrapalha? Sim. As transações comerciais do país não podem ser feitas via instituições americanas. Ele impede o comércio exterior de Cuba? Não. Cuba exporta charutos, açúcar, cobre e outros produtos para dezenas de países. Seu maior comprador é a China (38,2% das exportações), seguida da Espanha (10,5%). Até mesmo os EUA compram produtos cubanos (0,21%). E Cuba compra. Prioritariamente carne de frango, trigo soja e milho. Seu maior parceiro é a Espanha (19,2%), seguida da China. Pasme, mas os EUA são o sexto maior exportador de produtos para Cuba. Durma-se com um barulho desses.

Então o que sustenta o famigerado embargo, a mais longa restrição comercial da história dos EUA? Da parte de Washington, o peculiar sistema eleitoral que garante todos os votos de um estado para quem ali vencer. Isso dá um enorme poder aos três milhões de cubanos americanos na Flórida (29 votos no colégio eleitoral), que ainda lambem as feridas do exílio. Barack Obama reatou as relações com Cuba e, embora não tivesse anulado, atenuou o embargo. Donald Trump, sempre pronto a abraçar a agenda conservadora que passasse pela frente, o intensificou. Na semana passada, uma das âncoras do capitalismo, a revista inglesa The Economist instou o presidente Joe Biden a revogar completamente o embargo.

Por quê? Por um motivo bem óbvio. O embargo é uma muleta do regime. Enquanto ele estiver em vigor, toda e qualquer adversidade lhe pode ser atribuída. E isso nos traz para o momento presente. Falamos do comércio exterior, mas o principal asset de Cuba é o turismo. La Mar Caribe, mojitos de Hemingway, os carros vintage, o clima de la revolucíon... Mas houve uma pandemia no meio do caminho. Em 2020, a ilha de Díaz-Canel (não, não soa tão bem quanto “Ilha de Fidel”) viu seu PIB desabar 11%, principalmente pela falta de turistas.

Não que o governo cubano tenha ido mal contra a Covid-19. Cuba tem uma letalidade de 0,7% e 15,23 mortes por 100 mil habitantes. Muito melhor que os 2,8% e os 255,36 do Brasil. Mas acrescente a isso a brutal perda de receita com o turismo, e há a receita para a ebulição.

Essa é a questão posta ao regime. Há uma geração para a qual o país nunca foi o prostíbulo da Flórida, que nunca conheceu a ditadura de Fulgêncio Batista. É gente para a qual saúde e educação de qualidade são fatos do dia a dia, e que quer algo mais. Gente que acessa a internet, vê o mundo para além das praias de Varadero.

Democracia prevê dissenso

Vamos encarar os fatos, Cuba não é uma democracia. O povo ser consultado no chão da fábrica não muda o fato de que não há espaço para a opinião dissidente. Democracia é o governo da maioria, respeitado o direito da minoria. Como reagiríamos se Felipe Neto fosse preso ao vivo por se manifestar contra Bolsonaro? Pois foi o que aconteceu com Diana Star esta semana. E se Bolsonaro convocasse suas hostes para atacar os manifestantes que pediam seu impeachment na Avenida Paulista ou na Presidente Vargas? Foi o que fez, sem tirar nem por.

Imagine que amanhã Elon Musk decida liberar o sinal de sua rede de satélites Interlink sobre Cuba. Como, diante da Covid e da Internet, Díaz-Canel reagirá? Olhando para 1959 ou para o século 21?

Sobre o REvil e a relação EUA-Rússia

Um dos maiores grupos hackers do mundo desapareceu. Os sites do REvil e suas outras infra-estruturas online sumiram das redes esta semana. Mas para muitos, pelo seu histórico dos últimos anos, e principalmente dos últimos meses, isso está longe de significar o seu fim.

O grupo se viu no centro das discussões entre os EUA e Rússia. Durante uma reunião em junho, o presidente Joe Biden pressionou o russo Vladimir Putin para tomar medidas contra os cibercriminosos. O tema voltou quando Biden chegou a ligar para Putin e exigir uma ação.

Não é para menos: os últimos alvos do REvil foram a JBS, que chegou a paralisar sua produção nos EUA quando o seu sistema foi hackeado e ainda teve que pagar US$ 11 milhões para a liberação. Pela invasão na empresa de TI americana Kaseya, o grupo ainda hackeou mais de um milhão de empresas espalhadas por 17 países.

A Rússia está no meio da história porque acredita-se que o REvil seja russo. É um grupo que, em sua maioria, fala russo — o malware que eles escrevem evita os computadores russos —, e eles estão ligados a outros grupos que atuam dentro da Rússia, como o DarkSide, responsável pelo ataque de ransomware contra o Colonial Pipeline, o maior duto de combustíveis dos EUA.

O REvil montou uma das maiores infraestruturas para ataques cibernéticos e se tornou uma empresa do tipo ransomware-as-a-service (RAAS). Recrutam afiliados ou parceiros para espalhar seu malware malicioso e fornecem criptografadores e descriptografadores, infraestrutura e serviços para comunicações de negociação e um site na dark web chamado de Happy Blog para publicação dos dados roubados quando as vítimas não pagam o resgate exigido. Em troca, o REvil recebe cerca de 20% de todos os pagamentos. Sua operação é tão grande que calcula-se que seja responsável por 42% dos ataques ransomware do mundo, e lucram mais de US$ 100 milhões por ano.

Segundo a Unit 42, que monitora o REvil há três anos, os hackers começaram atuar pelo grupo GandCrab. Na época, concentravam-se principalmente na distribuição de ransomware por meio de anúncios infectados e kits de exploração (ferramentas que hackers usam para infectar vítimas usando downloads em sites maliciosos). Esse grupo se transformou em REvil, cresceu e ganhou uma reputação de vazar dados de grandes empresas e exigir resgates multimilionários. Um dos seus primeiros sinais foi um ataque de 2019 que atingiu 22 cidades do Texas e exigiu um resgate de US$ 2,5 milhões.

Desde lá muitas empresas se tornaram vítimas do grupo: em abril, a Quanta, empresa taiwanesa que vende equipamentos de data center para a Apple, foi invadida, e o REvil disse que roubou dados confidenciais da Apple, como projetos de computador, e exigiu um resgate de US$ 50 milhões, que até hoje não se sabe se foi pago. Mais recentemente, o Grupo Fleury também teve seu sistema hackeado.

Em 2020, o grupo ganhou status de terrorista pelo governo americano. A medida veio após ter invadido um escritório de advocacia no qual teria obtido documentos do então presidente Donald Trump.

Para especialistas, a única motivação do grupo é extorquir dinheiro de suas vítimas, o que o torna mais perigoso do que os grupos de hackers estatais, que podem estar menos dispostos a atacar alvos como hospitais, por exemplo. Em uma entrevista, um suposto membro do grupo disse que tinha acesso a um sistema de lançamento de mísseis balísticos que poderia começar uma guerra. No entanto, não teriam usado, porque não seria lucrativo.

Mas a escala de seus ataques pode ter atrapalhado. E, dada a atenção que vem recebendo nos últimos meses, decidiu desaparecer — a mesma estratégia do grupo DarkSide após o ataque ao oleoduto. Outras teorias são que o governo americano pode estar por trás do seu desaparecimento, ou até mesmo o governo russo, sob pressão internacional, pode ter forçado o seu fechamento.

Independentemente do motivo, para especialistas, isso não significa o fim do REvil, e os seus membros devem se reunir sob um nome diferente com ainda melhores estratégias.

Ou seja, a crise da cibersegurança não deve acabar tão cedo.

Relatório britânico sobre streaming aponta o dedo para as gravadoras

Saiu essa semana o relatório sobre a economia da indústria de streaming de músicas feito pelo Comitê de assuntos digitais, cultura, mídia e esportes do parlamento Britânico (DCMS na sigla em inglês). O comitê começou a pesquisar o assunto em outubro passado e, além de mergulhar em números e dados, ouviu diversos participantes do mercado, de artistas a executivos. A principal conclusão é que, sim, os músicos estão saindo prejudicados neste novo mundo. Mas surpreende ao apontar a culpa para as gravadoras e não para as plataformas de streaming. O relatório está disponível de forma resumida em uma versão interativa ou na versão completa em PDF.

Julian Knight, MP e presidente do comitê: “Enquanto o streaming trouxe lucros significativos para a indústria da música, os talentos como músicos, compositores e intérpretes estão do lado perdedor. É preciso uma revisão completa do modelo para garantir na lei os direitos a uma participação justa nestes lucros.”

O modelo básico da indústria funciona dividindo o faturamento dos serviços de streaming em três partes. O provedor do serviço (Spotify, Apple Music, etc) fica com 30%. Os outros 70% são repassados para os donos dos direitos, sendo que 55% ficam com as gravadoras e os outros 15% vão para as sociedades que recolhem direitos autorais. Deste bolo, apenas 13% acabam na mão dos músicos. O relatório lista quatro conclusões:

Mesmo artistas de sucesso estão recebendo um percentual pequeno do que geram de recursos. Isso ocorre pois os músicos são pagos pelas gravadoras de acordo com seus contratos originais, que costumam variar entre receber 20% nos contratos mais recentes até apenas 2% em contratos mais antigos. Enquanto isso, músicos que distribuem suas músicas diretamente nas plataformas de streaming, ou via gravadoras independentes, conseguem melhores remunerações. Uma das recomendações do DCMS é que o governo britânico avalie adotar para o streaming as mesmas regras de pagamento de direitos musicais na TV, quando as gravadoras são obrigadas a distribuir metade do que recebem para os artistas.

Há disparidade na divisão entre os detentores de direito e os músicos. A divisão atual dá para as gravadoras uma fatia majoritária do faturamento. Isso é herança de contratos feitos ainda na época dos discos, quando as gravadoras incorriam em altos custos de gravação, prensagem e distribuição dos LPs. A recomendação é que o Parlamento avalie criar uma legislação que permita a artistas retomarem os direitos de suas músicas após 20 anos de contrato. É um prazo longo o suficiente para as gravadoras poderem recuperar seus investimentos, mas curto o suficiente para poder ser exercido por músicos dentro da janela de suas carreiras.

Apenas três gravadoras dominam a maior parte do mercado: Sony, Universal e Warner controlam juntas 75% de todo mercado de música no Reino Unido. As mesmas três também controlam o mercado de editoras musicais, que recebem das sociedades que recolhem direitos autorais a parte do pagamento para compositores e letristas. A recomendação é que a agência reguladora de monopólios britânica abra uma investigação sobre as práticas destes grupos, especialmente sobre as negociações entre gravadoras e plataformas de streaming para ganhar mais exposição para suas músicas nas diversas playlists de cada plataforma. O comitê recomendou também uma investigação sobre a prática de pagamentos pelas gravadoras a criadores de playlist, criando um ambiente que reduz a competitividade de músicos independentes.

Mas as plataformas de streaming não saíram ilesas, especialmente o Youtube. A quarta conclusão do relatório coloca luz sobre as provisões de uso de música que eximem as plataformas de serem criminalmente e financeiramente responsáveis por conteúdo postado por seus usuários que infrinja direitos autorais abre uma brecha que cria uma disparidade no valor pago entre serviços financiados por assinatura com serviços financiados por publicidade. O relatório cita um estudo em que embora o Youtube controle cerca de 51% do volume de músicas ouvidas via streaming ele é responsável por apenas 7% do faturamento da indústria.

E essa semana os links mais clicados foram...

1. IGN: Galeria com o melhor da fotografia de video games em 2021.

2. Folha: Cientistas tiram a melhor foto de átomos até o momento.

3. Estadão: Os melhores discos da história do Rock.

4. Social Media Today: Infográfico – Como usar vídeo com sucesso em cada uma das redes sociais.

5. UOL: Entenda o quadro de obstrução intestinal de Bolsonaro.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.

Já é assinante premium? Clique aqui.

Este é um conteúdo Premium do Meio.

Escolha um dos nossos planos para ter acesso!

Premium

  • News do Meio mais cedo
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 3 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio*
ou

De R$ 180 por R$ 150 no Plano Anual

Premium + Cursos

  • News do Meio mais cedo
  • Edição de Sábado
  • Descontos nos Cursos do Meio
  • 3 dispositivos
  • Acesso ao acervo de Cursos do Meio*
ou

De R$ 840 por R$ 700 no Plano Anual

*Acesso a todos os cursos publicados até o semestre anterior a data de aquisição do plano. Não inclui cursos em andamento.

Quer saber mais sobre os benefícios da assinatura Premium? Clique aqui.