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Ana Hickmann e o ciclo da violência

Adolescente bonita conhece homem mais velho e se casa.

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Podia ser a história do PM de 35 anos que pediu uma menina de 15 anos em casamento na escola. Podia ser a história do prefeito de Araucária, que com 65 anos casou com uma menina de 16.  Podia e pode ser a história de várias mulheres.

Mas hoje a história é da Ana Hickmann, modelo, que com 15 anos conheceu um homem com 10 anos a mais. Ela em idade escolar, ele com 25.

Hoje o papo é relacionamento abusivo.

Em 1998 Ana Hickmann foi para Paris, já casada com Alexandre Correa. Casou com 16 anos, para ir trabalhar. Desfilou para a Victoria Secret’s em 2002, foi reconhecida no Guinnes Book por ter uma das pernas mais longas do mundo. Em 2002 também, começou sua marca. Roupa, perfume, bolsa, relógio, calçado, esmalte, óculos.

Já em 2004 começou a trabalhar na Record, em 2005 começou o Hoje em Dia. Seu marido, Alexandre, é seu empresário, agente e cuida da sua marca.

Marca essa que acumula R$ 14 milhões em dívidas.

Alexandre, aparentemente, só vive da Ana.

E, nesse final de semana, Alexandre teria agredido ela.

No começo ele negou, ainda disse que sua casa era hermeticamente fechada e não tinha vizinhos, só um terreno baldio. O que, no caso, só agrava o depoimento, certo? Porque ele não negava que tinha feito, só que alguém poderia ter escutado.

Aqui, vale lembrar que o Brasil registrou 722 feminicídios no primeiro semestre de 2023. O maior número desde 2019.

E feminicídio é quase sempre perpetuado pela separação de um casal. E antecedido por violência doméstica.  A cada quatro horas, uma mulher é vítima de violência no Brasil.

75% dos perpetuadores são companheiros ou ex-companheiros das vitimas.

No caso da Ana Hickmann, o marido confessou que agrediu ela dois dias depois. Ele disse que estava desesperado e desnorteado.

A gente sabe o que uma pessoa desesperada faz, grita, berra, mas agredir não. Uma pessoa que se desespera não, naturalmente, agride outra.

Isso não é normal e é criminoso.

Ele ainda disse “por que não fui bater a cabeça na parede?”

E aqui a gente pode ver a incrível inteligência emocional do Alexandre, que nesse caso poderia até ser do Júnior né que só tem 10 anos, mas não, é do pai mesmo. De que pra não bater na esposa a saída mais óbvia é, claro, bater a cabeça na parede.

Parece aquele papo de incel, sabe? Que posta foto do punho machucado porque socou a parede? Não é normal, é ridículo. E agredir uma pessoa é, hehe, crime. E falar esse tipo de coisa, com tanta naturalidade, só quem já naturalizou o comportamento agressivo.

Mas o que acontece é que um relacionamento abusivo dá sinais. E ele tem um ciclo. E se você não sabe, eu vou mostrar pra vocês o ciclo da violencia explicado tintin por tintin pelo Instituto Maria da Penha.

Começa com o aumento da tensão, em que o agressor se irrita por pequenas e insignificantes coisas. Tendo acessos de raiva. Ali, o agressor humilha a vítima e já pode ser violento, destruindo objetos. A mulher tenta evitar ‘provocar’ o agressor, sente medo, tristeza e tenta negar que isso tá acontecendo.

O primeiro sinal é quando a vítima esconde o que está acontecendo de pessoas próximas. Porque a vítima se culpa, a vítima acredita que fez algo de errado para justificar a violência.

A fase 2 é o ato de violência, é quando o agressor chega ao ato violento. Toda tensão da fase 1 se torna violência. Seja a violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.

Ou seja, o agressor pode diminuir a vítima, humilhar a mulher, fisicamente agredir, ou bater em outras coisas.

Aqui, a mulher sente, também, vergonha. E é normalmente aqui que a mulher pensa em denunciar e pedir ajuda, se divorciar. Mas é difícil, sabe por que?

Porque tem a fase 3.

A fase 3 é o arrependimento do agressor. Ele se torna amável só pra se reconciliar, para pedir desculpas. E um relacionamento ele não tem só o peso daquela pessoa, tem toda uma família envolvida, né? Ou situação financeira. Às vezes a mulher tem dependência financeira do seu agressor e, sair da situação é ainda mais complexo.

Na fase 3 o agressor apresenta remorso, pede desculpa e tenta a reconciliação. Se ela chega e o relacionamento se retoma, com o tempo, a fase 1 retorna. E a agressão também.

Porque é um relacionamento abusivo, é abuso. Para sair do ciclo é preciso de muita ajuda. E o pior é que se o ciclo não se quebra, ele tem uma chance de se tornar feminicídio.

O conhecimento dessa perpetuação do ciclo pode ser a salvação de alguém. Porque a vítima se culpa e se vê como responsável pela situação, por conta da manipulação psicológica do agressor. Sair desse buraco é muito difícil. Entender que a violência em forma de grito, de “crescerem pra cima de você” não é culpa da vítima é difícil.

Mas é culpa de um caminho longo do agressor de manipular a vítima como culpada. Como teimosa demais, como burra demais, alienada demais. Sempre a culpa do ódio do agressor será algum traço da vítima.

O pior, é que pode ser um traço que a vítima goste de ter, mas que será retorcido pelo agressor como algo ruim para a vítima se envergonhar daquilo.

Justamente para a vítima se perder mesmo dentro de si. Por isso que se recuperar é difícil.

Voltemos para a história de Ana. Ana tinha um programa no Youtube no ano passado sobre sua reforma da casa.

E quando ela quer reformar o seu próprio jardim, Alexandre briga com ela.

O vídeo, ainda por cima, foi postado. O que é ainda mais esquisito. E ainda mais esquisito a normalidade com que ele briga com ela mesmo com uma câmera ligada. Isso é típico de quem tem a completa certeza de que está certo. Se permitir ser gravado e ter aquilo exposto. O título do vídeo é O ale quer me matar.

No fim desse vídeo ele puxa ela pra um canto pra conversar

Tem também esse outro vídeo que foi resgatado, da Ana pegando um cachorro na rua.

O comentário do Ale? Você tem dois miolos a menos.

Não é engraçado, sabe? São pequenas agressões que se acumulam pouco a pouco.

A questão aqui é que não é porque um relacionamento é duradouro que ele é bom. Não é porque um casamento tem filho e estabilidade que ele não é abusivo.

Um relacionamento abusivo pode encarcerar a mulher nele por dependência financeira, manipulação psicológica ou, mesmo, agressão e ameaça.

Ana é uma mulher gigante, literalmente também, tem 25 anos de casada, um filho de dez e, aparentemente, vive um relacionamento que não é abusivo desde sábado. Parece que é abusivo já faz tempo.

O problema é que às vezes nós demoramos muito para perceber. Seja como amigos ou como vítimas. Porque, por vergonha, a vítima esconde. E a vítima se sente no direito de receber apenas essas migalhas como forma de amor porque está presa num relacionamento abusivo.

É difícil, mas é preciso de muita rede de apoio para conseguir sair dele.

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