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As imagens do ataque a Israel.

Essa manhã eu peguei um avião para São Paulo com uma única missão. Assistir a uma coleção de vídeos coletados dentre os muitos produzidos no Pogrom do Hamas, no último 7 de outubro. No total, são 43 minutos. Em alguns momentos, é quase intolerável assistir.

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Não vou exibir nenhum vídeo daquele dia aqui. Mas vou fazer algumas descrições fortes. Coisas que eu vi. Às vezes é importante ver para compreender o que foi.
O evento foi organizado pelo Consulado de Israel em São Paulo, junto com a Confederação Israelita do Brasil e a ong StandWithUs. O problema é simples. O que circula no Twitter, né, no X, nas redes em geral, é toda sorte de desinformação. E aí aos poucos as pessoas vão perdendo a noção de no que acreditar.

Houve uma edição, naturalmente, uma edição feita pelo governo de Israel. Existem milhares de horas de vídeos produzidos naquele dia. Muitos dos terroristas estavam com GoPros e publicaram nas redes o que filmaram. Muitos dos carros nas ruas têm câmeras no painel. Há câmeras nas ruas, aquelas câmeras de trânsito. Câmeras também de segurança em lugares como os kibutzim, as duas fazendas comunitárias invadidas. E, claro, as pessoas têm celulares nas mãos. Todo mundo tem celular na mão hoje em dia.
Esse mesmo vídeo de 43 minutos foi apresentado outras duas vezes. A primeira para um grupo de jornalistas, em Israel. Depois para jornalistas em Nova York. Aí fizeram esta sessão em São Paulo. Estava planejada também uma exibição em Brasília. Sempre para jornalistas.

Tem uma lógica na edição que fizeram. Isto inclui a permissão das famílias das pessoas que aparecem. Todo mundo deu permissão. Outra é que nitidamente evitam um excesso de cenas de barbárie. Os momentos de violência extrema são poucos. Eles estão lá, mas são poucos. A gente vê muito são os corpos como ficam depois. Muitos corpos. A gente vê muito o sangue. Tem muito sangue espalhado por toda parte. Ninguém precisa ver dez, vinte, trinta assassinatos bárbaros. Tendo visto uns poucos, tendo visto muitos corpos, você entende. Israel não tem ainda a conta completa, mas são pelo menos 1400 pessoas mortas.

Tem outra característica a edição. Ela retrata vários eventos simultâneos. Dois kibbutzim foram invadidos, o festival de música, e há as pessoas pegas de surpresa porque calharam de passar pela estrada, pela rua. E, como são muitas, muitas câmeras, a gente vê as mesmas cenas muitas vezes de pontos de vistas diferentes.
Temos a visão de dentro de um carro, a estrada à frente, há algumas pessoas lá longe. O carro vai reduzindo a velocidade. Não tem som, e a câmera do painel. Ai acelera. Aparece um estilhaço no vidro. O carro acelera. Aí um segundo estilhao onde imaginamos que está o motorista. Corta, é o celular a GoPro de um terrorista. O carro desgovernado segue até que bate em outro, já parado no meio da estrada. Corta. A porta é aberta. Um corpo de mulher está caído lá dentro. Eles gritam Alá Akbar. Deus é grande.

São vários recortes assim. Vários. Cenas vistas por diversos ângulos. Como agem os que estão sob ameaça. Como agem os que ameaçam. E, sim, decapitações.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
No próximo dia 9, quinta-feira da semana que vem, começa meu curso sobre Israel e Palestina. É um curso de história. Do nascimento do sionismo até o fracasso da tentativa de paz. Como essas duas identidades de nação se formam? Como cada lado chegou até aqui, este momento? A aula inaugural vai ser aberta a todo mundo. Em geral as aulas inaugurais dos nossos cursos são fechadas. A gente consegue fazer essas coisas, as edições especiais, os cursos, vídeos como esse aqui, por causa dos nossos assinantes premium. Por conta de quem paga 15 reais por mês pelo Meio. Então sempre tentandos deixar coisas especiais para os assinantes pagos. Como esse curso. Só que este assunto é importante. Ele mobiliza emocionalmente e define muito da política em todo o mundo. A gente acha importante abrir essa primeira aula. Vai ser ao vivo. Venham.
E, se puder, assine. Faz muita diferença para nós.

E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Vou dizer pra vocês onde foi que eu quebrei. Essas coisas são todas muito pessoais. Um pai, dois filhos. Talvez dez, talvez treze anos, não sei. Os três de cuecas. É de manhã cedo, estão na sala da casa. Ele pega um no colo, o outro, pela mão, corre para fora. Aí a câmera de fora mostra que ele tenta entrar num outro espaço no fundo do jardim, talvez uma garagem. Ele se atrapalha com os dois meninos. Aí de repente cai uma granada, o pai cai morto. Ele protegeu os meninos com o corpo.
Dois terroristas pulam a cerca, após a explosão. Os meninos fogem pra dentro da sala. Volta pra câmera de dentro. O menino mais velho senta num sofá, o mais novo numa cadeira. Um terrorista, ele tem um rifle na mão, entra na casa. Tem áudio. Um dos meninos chora, chora. Eles falam aba, aba. É papai em hebraico. O outro está sangrando. A gente não consegue entender bem onde. O terrorista abre a geladeira. “Não tem água?” ele pergunta. É um nível de tensão assistir a esta cena, porque a impressão é de que os meninos vão ser assassinados ali, a sangue frio, a qualquer momento. O terrorista pega uma garrafa com um líquido transparente. “É água?”, ele pergunta. Como se fosse um dia no parque, sabe? Ele não está particularmente alerta. Está procurando o que beber. Aí pega uma garrafa de litro e meio de Coca-Cola, quae no fim, e bebe. E sai da casa. Ficam só os dois meninos.

O menino chorando diz então pro menor. “Eu acho que a gente vai morrer.” É aí que ele repara que o irmão está sangrando. Que está em choque. “Você está enxergando desse olho?”, pergunta. “Não”, diz o que parece ter uns dez. “Não está enxergando mesmo? Não brinca comigo”. “Só estou enxergando do outro olho.” Mas eles estão inteiros. Eles estão conversando. Tem uma hora que eles olham pela janela e saem correndo pra fora. Talvez tenham pressentido que era seguro fugir.

Aí corta. Chegam dois seguranças do kibbutz com a mãe. Ela encontra o corpo do marido e entra em desespero agudo. Um dos caras com ela precisa segurá-la, abraçar, trazer pra longe.
Eu tenho dois filhos, dois meninos, por volta dessa idade. Ao fim da exibição, perguntei pro adido militar da Embaixada de Israel o que havia ocorrido com eles. Estão em Gaza. Estão entre os reféns. Talvez estejam vivos.

Tem uma cena em que um dos terroristas tenta decapitar um corpo com uma enchada. Bate com a lâmina uma vez no pescoço quando o cara, ferido, parece estar ainda vivo. Não é claro. Bate uma segunda vez, uma terceira. Há a gravação do telefonema de um dos terroristas para o pai. Ele está em Israel. “Alá Akbar, pai, já matei mais de dez judeus com minhas próprias mãos. Orgulhe-se do seu filho. Olha as fotos que estou mandando pelo WhatsApp.” A mãe chega perto do telefone, manda o filho voltar pra Gaza porque é perigoso. Ele responde que não. Diz para que ela se orgulhe. Que ou volta como herói, ou como mártir.

Na chegada de reféns em Gaza, as pessoas circundam os carros. Querem ver as pessoas. Há uma certa euforia. Euforia é uma palavra importante, aqui. Os homens do Hamas, em grande parte muito jovens, quando em Israel parecem eufóricos. Não é cena de cinema, sabe? Aquele vilão com raiva, atirando, batendo. Tem uma certa leveza nos caras. Estão felizes, estão eufóricos. Segundo o New York Times, vários haviam tomado anfetaminas e outras drogas dessas que deixam as pessoas agitadas, elétricas, antes de entrar em Israel.

Agora, essa euforia se contrasta com o pânico. Vídeos que as pessoas fizeram de si e dos amigos, muitas no show de música que estava acontecendo. Gente encolhida numa garagem, numa tenda, tentando ficar em silêncio, com medo de ser descoberta. O olhar de pânico, pânico mais puro, é daqueles olhares que é impossível esquecer. Um olhar que qualquer um de nós, qualquer ser humano, reconhece imediatamente. Somos biologicamente programados para enxergar este olhar e reagir a ele. A gente sente o pânico, até como defesa. É uma mensagem de perigo.
Por algumas horas estes homens circularam por uma região de Israel e mataram. Mataram com displicência, mataram com prazer, mataram eufóricos. Se mostraram completamente insensíveis a qualquer forma de dor. Insensíveis ao medo. É aquele ponto da capacidade do ser humano de sentir ódio num ponto tal que deixa de reconhecer sua própria humanidade no outro. E não só em gente, tá? Eles abatem um cachorro que se aproximava curioso a tiros.

Deixaram corpos, muitos corpos. Corpos desfigurados, corpos desmembrados, decapitados, cabeças explodidas. Incontáveis corpos carbonizados. Em um dos casos, foi preciso utilizar uma máquina de ressonância para identificar se um dos corpos carbonizados estava abraçado a uma criança ou a um bicho de pelúcia, porque não estava claro a partir da massa disforme.
Eu não sei se vocês já viram imagens do Holocausto. Da Shoah. Não dos sobreviventes, esqueléticos. Imagens dos mortos. É amplamente documentado e fácil de encontrar. É impossível afirmar se o Hamas planejou produzir imagens que evocam o Holocausto ao escolher incinerar tantos dos corpos, como fizeram. Mas faz sentido como estratégia de inspirar terror. De inspirar medo. E, sim, de incitar ódio, raiva, tudo do pior que somos capazes de sentir.

Olha, neste momento certamente há muitos querendo cobrar. Mas não vai falar de Gaza? Das mortes de palestinos? Também civis? Também crianças?

Vamos. O Hamas sabia o que ia acontecer. Por três anos o Hamas não atacou Israel. Três anos. Aí, quando de repente deu o bote, de surpresa, foi o mais violento ataque à população civil israelense da história do país. E fez isso evocando imagens do Holocausto, evocando os medos mais profundos presentes na história coletiva do povo judeu. O Hamas sabia exatamente o que ia acontecer. Sabia que ia começar uma guerra que Israel não tem como ganhar. Porque é uma guerra de imagem. A resposta viria, viria de forma militar, viria com violência.

O governo de Israel não mostra fotos de corpos, evita ao máximo. No judaísmo os caixões são de madeira, são simples, e sempre fechados. Não se mostra restos mortais. Corpos passam por um ritual de purificação para serem devolvidos à terra. É um tabu religioso que se tornou cultural. No cristianismo ou no Islã não há essa mesma noção. Então o Hamas mostra corpos, mostra corpos todos os dias, todas as horas, os corpos de quem está morrendo por mísseis israelenses, por foguetes deles próprios que caem nos seus, ou corpos de outros conflitos. Algo entre um quarto e um quinto de todos os foguetes do Hamas e da Jihad Islâmica caem em Gaza por defeito sem nunca chegarem a Israel. E caem matando, quase sempre em áreas urbanas de onde foram disparados.
O Hamas tem uma estratégia. É uma estratégia que leva em conta o martírio religioso, faz parte de sua maneira de pensar conflitos a ideia de morrer como mártires. Então o Hamas não pergunta para a população civil de Gaza se eles se incomodam em terem chamado uma guerra. Porque foi isso que o Hamas fez. Chamou para si uma guerra lá ora debtri. O Hamas também leva em conta que vai inundar o mundo de imagens ao mesmo tempo em que cada vez mais gente questiona se houve de fato um ataque inicial. E, bem mais distante, está o Irã. Financiando o Hamas. Não arriscando um único iraniano. E mantendo por seu interesse a instabilidade também no mundo árabe.

E este governo israelense está fazendo exatamente o que o Hamas quer, exatamente o que o Irã quer. Não existe um plano. Existe um primeiro-ministro que se provou o político mais incapaz de garantir segurança ao povo de Israel da história do país. Se parece hipérbole, não é. Tem muitos pela primeira vez na história neste conflito de agora.

O que eu assisti esta manhã foi a coisa mais brutal, mais violenta, que assisti em trinta anos de jornalismo. E as mortes ainda não pararam de acontecer. Israel já soube lidar com terror de outro jeito.

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