Edição de Sábado: A desigualdade vai às urnas

Luciana Lima e Flávia Tavares

O calor seco de Brasília em setembro não deixa nada vivo. O que não está cinza fica retorcido e marrom como as árvores do Cerrado. Naquele dia em que se comemoravam os 200 anos da Independência do Brasil, o verde-bandeira do paletó de Luciano Hang estava ainda mais estridente. No alto do caminhão de som ao lado do eixo monumental, por onde havia passado o desfile cívico, Hang estava a dois homens do presidente Jair Bolsonaro (PL). O general Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro, tentava se esquivar das braçadas do empresário eufórico. Os espalhafatosos gestos de Hang incomodaram o presidente. Bolsonaro se esticou para alcançar o aliado e, dedo em riste, deu-lhe uma chamada, reclamando seu protagonismo — que desaguaria no coro que ainda ecoa mais que o grito do Ipiranga. “Imbrochável, imbrochável, imbrochável”. Ao lado de Bolsonaro, estava a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, com quem uma hora antes o presidente havia discutido, porque ela se recusava a seguir com ele no Rolls-Royce presidencial pela Esplanada dos Ministérios. Ela alegava que era a vez de ele brilhar. Ele a queria no carro. E assim foi.

Uma ópera em três atos que viralizou por sintetizar tão bem a personalidade de Bolsonaro, político que não admite paralelo à sua imagem. A não ser a serviço de si próprio, como é o caso do papel de Michelle na campanha. As cenas geram o mesmo tipo de desconforto que as frases sobre como não existe fome no Brasil quando se tem tão nítida na memória a foto brutal de pessoas catando ossos na caçamba de um caminhão. É a profunda e histórica desigualdade brasileira que vai às urnas neste domingo. É com ela que Bolsonaro se mostra incapaz de se sensibilizar. Talvez seja ela que o derrote, seja no primeiro ou no segundo turno. A mais recente pesquisa da Quaest, em campo entre os dias 24 e 27 deste mês, desenhou: na faixa de renda de até dois salários mínimos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem 56% das intenções de voto contra 24% de Bolsonaro. Uma diferença de 32 pontos percentuais. Na faixa intermediária, formada por pessoas com renda familiar ente dois e cinco salários mínimos, Lula se manteve na liderança, mas com uma distância de 6 pontos (42% a 36%). Na faixa mais alta, que inclui pessoas com renda familiar de mais de cinco salários mínimos, Bolsonaro é líder, com 50% dos votos. Lula tem 31%.

Essa divisão de faixas de renda já dá, em si mesma, a dimensão da desigualdade no Brasil. Imaginar que há um contingente maciço de cidadãos cuja família ganha até R$ 2,4 mil por mês e contrastar com a faixa mais alta, acima de R$ 6 mil, pode ser enganoso. Para começar, cerca de 90% dos brasileiros ganham menos de R$ 3,5 mil por mês. Na faixa mais alta está a classe média baixa, a classe média alta, mas estão também os milionários, os bilionários. “Não é o fato de ter muita gente pobre que faz o Brasil ser desigual. A desigualdade está concentrada no topo da distribuição. É entre os mais ricos e o resto. A desigualdade entre esses 1% mais ricos é que faz o Brasil ser tão desigual. Só que isso afeta a massa da população apenas indiretamente. Por isso, a discussão eleitoral é sempre mais relacionada à redução da pobreza”, explica o sociólogo e economista Marcelo Medeiros, que se dedica a estudos sobre desigualdade social e atualmente é professor visitante da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Pudera. São 63 milhões de brasileiros vivendo em um lar onde a renda por pessoa não passa de R$ 497 mensais; 33 milhões que vivem com menos de R$ 289 por mês. “Resolver o problema da desigualdade brasileira envolve enfrentar o conflito distributivo, de verdade. Isso significa que algumas pessoas vão ter de perder vantagens para que outras possam ganhar. Isso não é novidade alguma. É isso que a gente faz nas políticas públicas o tempo inteiro. O que tem que ficar claro é se existe esse interesse. Dizer que ‘o Brasil precisa crescer’ camufla esse conflito distributivo. O mais correto é dizer que os mais pobres precisam crescer para o Brasil crescer, os mais ricos precisam crescer para o Brasil crescer. E especificar a distribuição do crescimento.“

É fácil se perder nos recortes estatísticos eleitorais e nos preconceitos de classe para minimizar a relevância da desigualdade na democracia. Mas é tolo. ”Não tem como as pessoas que vivem da mão à boca acharem que ganham muito com a democracia. Isso tem implicações políticas quando há lideranças dispostas a explorar esse sentimento", disse a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, pesquisadora e professora aposentada do Departamento de Ciência Política da FFLCH-USP do Instituto de Relações Internacionais, num evento recente de celebração dos 60 anos da Fapesp. Embora ela enfatize que, em geral, evita-se a associação direta entre circunstâncias sociais e estabilidade democrática, a professora admite que a desigualdade impõe alguns limites à solidez e à atitude do eleitor com relação à democracia. Em sua exposição, recorre a Robert Dahl, um dos maiores teóricos de democracia do século XX. E criador do conceito de poliarquia, que busca categorizar a qualidade da democracia em diferentes graus. Um deles é justamente a desigualdade. Ele aponta que à medida que as sociedades são mais diversas nas formas de se expressar, mais plurais, isso aumenta em muito o custo de se impor uma autocracia ou um regime autoritário. Essa riqueza de expressões é drasticamente diminuída numa nação muito desigual. E quanto mais desigualdades se acumulam maiores as chances de que elas sejam imutáveis.

Uma prova fresca. Num estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Bocconi University, de Milão, foi demonstrado por uma série de cálculos que há uma imensa dificuldade de mobilidade de renda no Brasil, muito maior do que as estimativas em países desenvolvidos. É como uma sentença definitiva: crianças nascidas de pais pobres assim permanecerão — 46% das crianças nascidas de pais do primeiro quintil de renda permanecem no mesmo quintil quando adultos. Por cima disso, há ainda camadas de disparidades entre regiões, gêneros e grupos raciais. É uma falta de perspectiva que mina a confiança na democracia, o apreço por ela. Terreno fértil para demagogia e populismos.

E aí entra o complemento do outro debatedor no evento da Fapesp, Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito de São Paulo da FGV e doutor em ciência política. “A desigualdade não permite a completude da democracia. A vida de uns é bruta, enquanto a de outros funciona com normalidade”, ele diz. Vilhena resgata, então, mais uma noção da filosofia política de Norberto Bobbio, a das “promessas não-cumpridas” que ameaçam o futuro da democracia. Entre elas, está a eliminação dos “corpos intermediários”, essa ideia de que, numa democracia plena, as relações se dão entre dois cidadãos igualmente soberanos. Igualmente. Poderíamos nos ater somente à desigualdade na distribuição de recursos dentro dos próprios partidos para demonstrar o fracasso dessa promessa. Mas Bobbio tratava ainda do nascimento de uma sociedade pluralista, do fim do poder oligárquico, da participação e da educação cidadã. A desigualdade permeia todas as promessas democráticas que ficaram incompletas.

E amanhã?

Jair Bolsonaro conseguiu se eleger em 2018 sem qualquer sinal de que atacaria a desigualdade. Não era o assunto da vez na mente do eleitor brasileiro. Há mais de 20 anos, o cientista Jairo Nicolau, professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV/CPDOC), estuda partidos, eleições e sistemas. Em 2020, ele publicou O Brasil dobrou à Direita, livro que faz uma análise sobre quem elegeu Bolsonaro. Nicolau destaca a aposta feita pelos eleitores centristas, embalados pelo ideal de combate à corrupção. Ali, decidiram abraçar o “falso outsider” extremista, que mal fez acenos ao civilizado centro político. O título de falso outsider se deve ao fato de que Bolsonaro, há muito tempo, vive da política, como deputado do baixo clero. Mas quando ele começou a campanha 50% dos eleitores não o conheciam. “A eleição de 2018 foi marcada por alguns temas que acabaram mais diagnosticados, foram bem mapeados. Já essa eleição foi muito pobre no que diz respeito ao debate de agendas. Não se discutiu o governo Lula para valer. O que se discutiu foi uma era de ouro, em que as pessoas viviam muito bem e em que aconteceram coisas muito importantes. Em contraste, vem o governo de Bolsonaro, que enfrentou a pandemia e não soube lidar bem com ela, que está entregando uma economia melhor, mas ainda com muitas dificuldades, que isolou o Brasil em termos internacionais.”

A desigualdade é perene e entranhada no Brasil. E piorou na pandemia. Um estudo de dezembro de 2021, do Laboratório das Desigualdades Mundiais (World Inequality Lab) que integra a Escola de Economia de Paris, mostra que no Brasil a parcela 10% mais rica detinha 58,6% da renda nacional em 2019. No final de 2021, essa concentração aumentou para 59%. O documento codirigido pelo economista Thomas Piketty mostra que no Brasil, a parcela 1% mais rica é dona de cerca de metade (50%) da riqueza nacional, enquanto a metade mais pobre detém menos de 1%, relação muito pior que da vizinha Argentina, por exemplo, onde os 50% mais pobres têm 6% da riqueza nacional. Na América Latina, o Brasil é o segundo país mais desigual, depois do Chile. Em ambos os países, porém, os 10% mais ricos ganham 30 vezes mais do que os 50% mais pobres – na Argentina e no Canadá essa proporção é de 13%, nos EUA, de 17%, e, na França, 6%.

Em 2018, a fome não estava gritando aos olhos de quem quer ver. Agora está. Bem numa eleição em que entram em disputa dois presidentes, políticos de grande carisma, com apelo popular, cada um a seu jeito. E em que um deles já lidou com sucesso com a questão da desigualdade. “Talvez essas eleições tenham virado o tipo de plebiscito que a gente vê no interior, em pequenas cidades. A rejeição a uma figura, a um prefeito, é tão grande que não se trata de avaliar a pólis, trata-se de avaliar a pessoa”, explica Nicolau. “A economia é o grande problema para a população, mas ela não foi discutida.” O cientista político Jonatas Varella, diretor de processamento de dados na Quaest, sustenta a tese de Nicolau com números que indicam que a desigualdade está mesmo entre as maiores angústias dos eleitores. “O que a gente vê hoje, na amostra da Quaest, é que a grande preocupação do eleitorado é a economia e esse fator se reflete no voto. Lula chega no domingo de eleição com um eleitorado muito claro: mulheres, população que recebe até dois salários mínimos e nordestinos. Bolsonaro chega com um perfil de evangélicos e de quem recebe acima de cindo salários mínimos”, diz Varella. “Essa diferença talvez seja a principal clivagem dessa eleição. Os mais pobres votando em Lula e os mais ricos votando em Bolsonaro. Considerando esse dado, trata-se de uma eleição na qual o debate de classe volta à cena.”

A preocupação com corrupção e com a pauta de costumes caiu. Na pandemia, a saúde era o principal problema. Mas, conforme as vacinas começaram a chegar, a economia foi tomando espaço na cabeça dos brasileiros, gradualmente. Em setembro de 2021, um levantamento da Quaest identificou que 10% dos entrevistados tinham preocupação com corrupção; neste setembro, foram 6%. Para esse índice, o segmento que mais contribuiu foi o de quem ganha mais de 5 salários mínimos. Já a economia, nas três faixas de renda, terminou a campanha como preocupação principal de 38% dos entrevistados — em março deste ano, quando o preço da gasolina atingia o patamar médio de R$ 7,29, bateu nos 51% dos entrevistados. O Ipec fez um levantamento em agosto deste ano que apontou o mesmo diagnóstico. No início oficial da campanha, a saúde era a principal preocupação dos eleitores, 64% dos 3.008 entrevistados. A educação apareceu em segundo lugar (40% ). Daí, vêm os temas mais diretamente ligados à desigualdade econômica: desemprego (37%), segurança e violência (29%), a fome e a miséria (24%). A corrupção só apareceu na 6ª posição, como preocupação de 20% dos entrevistados. O custo de vida foi preocupação de 17%. O único ponto da pauta de costumes que apareceu na pesquisa foi a questão das drogas (12%).

A cabeça do eleitor mudou de 2018 para cá. Bolsonaro, não. “O que repete o padrão de 2018: Bolsonaro com dificuldades entre o público feminino, com dificuldade no Nordeste e com uma maior dificuldade entre os pobres. A grande mudança foi a perda desse eleitor de periferia das grandes cidades, que Bolsonaro tirou do PT em 2018 e Lula tira de Bolsonaro agora”, compara Nicolau. Transportando esse buraco para outra desigualdade, a de acesso à educação, em 2018 Bolsonaro ganhou em todos os segmentos de escolaridade. Os menos escolarizados do Nordeste eram lulistas e votaram em Fernando Haddad (PT). Já os do Sudeste e outras regiões eram bolsonaristas. O que aconteceu agora é que o PT manteve o que tinha e Lula retomou os menos escolarizados das grandes cidades, nas periferias, principalmente, do Rio, de São Paulo e Minas. “Bolsonaro tentou manipular, dar vale gás, auxílios. Tudo que ele podia fazer para tentar melhorar o quadro econômico, ele fez. Fez até o que era ilegal, inconstitucional, inclusive com o apoio a oposição”, diz Nicolau, referindo à aprovação do auxílio emergencial de R$ 600 aprovados pelo Congresso em ano eleitoral. ”Mas a verdade é que ninguém aguenta mais Bolsonaro. Ele é uma pessoa que levou o Brasil a uma exaustão, a um cansaço total com a forma excessiva de chamar a atenção para si próprio, para criar fatos, agressividades desnecessárias. É um sujeito que não se conteve durante o governo e está pagando por isso.”

Onde viver normalmente já é lutar

Cabelo faz parte da identidade de homens e mulheres. O cabelo, ou a ausência dele, é uma forma de expressão de personalidade, um ato político, um ato de vaidade. Mas, para Mahsa Amini, alguns fios de cabelo levaram-na à morte.

A jovem iraniana de 22 anos foi morta em 13 de setembro pela “polícia da moralidade” do governo Ebrahim Raisi. Estava usando o hijab — véu de cabelo usado por mulheres muçulmanas — com fios de cabelo à mostra.

As ruas do país, na capital Teerã e em cidades do interior, encheram. Mulheres jovens queimando hijabs, cortando cabelos e também sendo mortas pelo regime opressor. São elas, as mulheres, as maiores oponentes do regime islâmico. Entre lutas silenciosas, na insistência em sobreviver e na força em resistir às opressões, as iranianas caminham juntas num país onde viver normalmente já é um ato de luta.

“As mulheres sempre foram a maior resistência contra o Estado iraniano. Em algum momento precisaram baixar a cabeça, foram muito oprimidas e tiveram que transformar suas lutas. Mas a luta de mulheres e a luta contra o hijab compulsório sempre existiu, foi se transformando e crescendo”, afirma a atriz e professora universitária iraniana, Kazhar Masoumi.

Foi só a partir da Revolução Islâmica de 1979 que as iranianas se tornaram obrigadas pelo governo — e não pela religião — a usar o hijab e roupas discretas, sem decotes, curtas ou apertadas. Até então, elas tinham liberdade para usar o que quisessem e o livre arbítrio para optar pelo uso do véu.

Kazhar, que vive no Brasil há cinco anos, nasceu em 1983, logo após a Revolução e o início da guerra entre Iraque e Irã, e foi criada por mulheres revolucionárias que tiveram suas lutas podadas pelo Regime. Quando a professora tinha três meses, seus pais foram presos e ela passou a viver com a avó.

“A minha infância foi ver uma parte das mulheres, que eram da oposição e muito ativas na Revolução, terem a sua luta brutalmente terminada pelo Estado. E havia uma outra geração, das minhas avós, que sofria muito mais um machismo dentro de casa. Elas assumiram o papel materno. Seus filhos, maridos iam para guerra ou para a revolução e elas ficavam dentro de casa, rezando e esperando pelo retorno deles”, relata.

A Revolução, que no primeiro momento foi popular, sinalizou esperança aos iranianos após 2500 anos de monarquia. Porém, a estrutura que o regime islâmico criou foi enganosa às mulheres. Elas teriam espaço, mas apenas onde o governo permitisse. Após a guerra, homens e mulheres de oposição foram retirados da vida política, apenas mulheres alinhadas politicamente ao Estado teriam, e ainda têm, espaço.

“Contrariamente à imagem mundial e ocidental que se tem do Islã, onde a mulher não existe na sociedade — que é a realidade de alguns países árabes —, no Irã existe. Depois da Revolução só aumentou a participação das mulheres em termos de números”, ressalta Khazar. Sempre em espaços ditados pelo regime. Antes, o que era um espaço aberto às mulheres da elite e aristocratas, passou a ser para mulheres ideologicamente alinhadas com o governo. Ensieh Khazali foi nomeada pelo presidente para ser a vice-presidente de Mulheres e Família. Ela é conhecida pelos discursos pró-reprodução como principal responsabilidade das mulheres.

“Essas mulheres que estão na política, que vieram com a chegada do novo presidente e das eleições parlamentares, são totalmente a favor de apagar o lugar das mulheres na sociedade”, aponta Khazar.

Na patrulha responsável pela morte de Mahsa, por exemplo, há mulheres.

A “polícia da moralidade” é responsável pela fiscalização de condutas e vestimentas. Poderia ser definida como uma persona do patriarcado: controla corpos femininos, dita regras, espaços e como mulheres devem ou não estar vestidas.

A antropóloga iraniana Pardis Mahdavi narra em um artigo no Washington Post quando foi detida pela “polícia da moralidade”. Ela foi acusada de tentar fomentar uma revolução.

“A ‘polícia da moralidade’ veio até mim exatamente aos 13 minutos da minha palestra sobre gênero e política sexual no Irã pós-revolucionário. Quatro conjuntos de portas do auditório se abriram simultaneamente. Eles entraram, botas batendo, armas tinindo. O auditório de Teerã explodiu em confusão quando o komiteh, como a polícia da moralidade é conhecida, encheu a sala”, relata.

Foi há 15 anos. Provavelmente Pardis, que é autora do livro Passionate Uprisings: Iran’s Sexual Revolution [Revoltas Apaixonadas: A Revolução Sexual do Irã, na tradução livre. O livro não foi traduzido em português], plantou uma semente de revolução nas mulheres que lá estavam, que tomaram proporções inimagináveis neste setembro de 2022, após a morte de Mahsa Amini.

“No topo da lista de alvos dos islâmicos: mulheres usando minissaias ou maquiagem pesada e qualquer demonstração de sexualidade. Os corpos das mulheres sempre foram sua obsessão. Um ataque às liberdades pessoais das mulheres sempre foi o objetivo”, complementa Pardis no texto.

Hijab

A resistência das iranianas ao uso do hijab não é recente. Em 8 de março de 1980, mulheres da elite protestaram contra a lei de obrigatoriedade do véu. Na época, movimentos sociais e de esquerda não apoiaram a causa, pois não viam como uma prioridade no debate político, havia outras questões para um país que recém havia saído da monarquia, como condições melhores de trabalho e salários mais altos.

“O movimento [de 8 de março de 1980] não falava das demandas da mulher trabalhadora, que chegava de um lugar bem mais tradicional que a mulher urbana, que via o véu como uma vestimenta, já fazia parte do corpo e da existência dela, e por não falar delas, os movimentos sociais e a esquerda não aderiram a este protesto”, diz Khazar.

Mas, em 1980, não se imaginava que o véu viria a ser obrigatório para sempre, que sairia do campo religioso e opcional para uma utilização compulsória. “Ninguém tinha ideia de que o Estado iraniano teria uma mudança ideológica”, complementa a professora.

A partir da Revolução, a luta contra a obrigatoriedade do véu entrou na pauta das iranianas e, nos últimos anos, o movimento se reforçou. Em dezembro de 2017, uma mulher foi à Rua da Revolução, no centro da capital, subiu em uma caixa, tirou o hijab branco e o colocou na ponta de um pau de madeira. Um protesto silencioso que se espalhou pelo país. O Regime interveio, prendendo e multando quem protestava. Mas, a partir de então, mulheres se sentiram mais livres para resistir e andar pelas ruas ou dirigir sem o véu, mesmo sendo penalizadas.

“Isso ficou para sempre no nosso imaginário. Os protestos que ocorrem agora também têm a ver com a coragem que essa mulher teve alguns anos atrás”, diz Khazar.

Mas as mobilizações que estão ocorrendo desde a morte da jovem Mahsa, há três semanas, ultrapassam a pauta do hijab. Diversas ações do Estado também fomentaram a mobilização. Questões econômicas, como alta inflação, desigualdade social, desemprego, o impacto das sanções e as negociações de acordos nucleares com o ocidente são questões que impulsionaram os iranianos.

“Isso tudo foi muito importante para desconectar o povo do Estado. Esse evento [morte de Mahsa] deve ser tratado como uma violência policial. Mas as pessoas precisam pensar nisso como um problema político, para também haver um espaço de compreensão da situação. Não é uma questão religiosa, não deve ser tratada assim. É uma questão política”, enfatiza Khazar.

O governo de Ebrahim Raisi vem movendo uma repressão grande contra os manifestantes e bloqueou o uso do Instagram e do WhatsApp. As mulheres têm usado o TikTok para mostrar o que acontece no país. Na quinta-feira (29), a Organização Iran Human Rights divulgou no Twitter que pelo menos 83 pessoas já haviam morrido, incluindo crianças.

Khazar aponta que a imaginação é o combustível mais importante na vida política. Pensar em outros mundos possíveis para então chegar neste momento imaginado. A esperança ainda é um direito.

“Václav Havel faz a distinção entre a esperança e o otimismo. É diferente quando se é otimista com o resultado e acha que vai dar certo, ou você ter a esperança no caminho. Sou desta categoria, é no caminho que temos que ter fé. Talvez o que se perdeu no Irã seja apenas o otimismo. Mas a certeza de que algo faz sentido, independentemente de como resultará, ainda está viva. Mesmo em circunstâncias desanimadoras como as nossas”, finaliza.

Eles controlam sua vida... e você ainda ri disso

Você vai votar para presidente amanhã, mas não se iluda. Seu eleito não vai governar de fato. Como nenhum dirigente em qualquer país. Quem governa mesmo é Pentavirato, uma sociedade secreta, só que benfazeja, comandada por cinco notáveis e que rege os destinos do planeta desde o século 14. Seus cientistas aceleraram a cura da Peste, inventaram a esfera de rolamento e hoje estão a um passo de resolver as mudanças climáticas. Mas uma dissidência interna e a investigação de um jornalista podem botar todo esse trabalho a perder e, quem sabe, levar ao fim do mundo como o conhecemos.

Desnecessário dizer que nada disso é verdade. O Pentavirato é uma minissérie cômica em seis capítulos da Netflix, fruto da mente louca de Mike Myers, que já havia nos brindado com Austin Powers e outras criações. Ela já está na plataforma há alguns meses, mas segue como uma das melhores opções de comédia no catálogo, especialmente por mostrar que humor pode ser explícito e até um tanto rude sem cair na incorreção política.

Não é um erro dizer que a série é Mike Myers. Além de escrever e produzir, ele interpreta nada menos que os oito personagens principais masculinos, do repórter canadense decadente Ken Scarborough a um teórico da conspiração americano, passando por quatro dos cinco líderes do Pentavirato – e cada um é diferente do outro. Não é a primeira vez que ele faz isso, claro. No primeiro Austin Powers, de 1997, ele vivia o personagem título e seu antagonista, o muito mais divertido Dr. Evil — e foi acrescentando um novo papel em cada continuação.  Nesse aspecto, Myers nos remete ao lendário ator britânico Peter Sellers (1925-1980), célebre por viver múltiplos personagens em clássicos como Dr. Fantástico (trailer) e O Rato que Ruge (trailer).

Myers não é o único a brincar com caracterizações. É difícil reconhecer a comediante inglesa Jennifer Saunders, criadora e estrela da série Ab Fab, sob a pesada maquiagem de dois personagens. O elenco feminino é completado pela veterana Demi Mazar, de Os Bons Companheiros, e a novata Lydia West. Ambas estão ótimas, especialmente nos sotaques — de Nova Jersey e do Canadá, respectivamente.

E, como também é comum nos filmes de Myers, não faltam participações especiais, a começar pelo tradicional parceiro Rob Lowe, brilhando com Jeremy Irons, fazendo uma das melhores coleções de aberturas já apresentadas em séries.

Livre das amarras que os estúdios cinematográficos muitas vezes impõem, Myers leva ao paroxismo elementos que usou em outros trabalhos e manda para o espaço a quarta parede. Diante da profusão de palavrões numa cena em Nova York, a personagem Reilly Clayton (West) olha para a câmera e indaga “Como a Netflix dá espaço pra uma coisa assim?”, o que é a deixa para uma das mais anárquicas sequências de metalinguagem da comédia recente.

O mesmo recurso é usado em outra cena, quando a plataforma tenta censurar o que é praticamente um catálogo de falos. O resultado é ainda mais divertido para quem se lembra de como a ditadura brasileira procurou ocultar os genitais do filme Laranja Mecânica (trailer) com bolinhas pretas.

E, claro, há o Canadá, terra natal de Myers, que é quase um personagem em si, em permanente contraste caricatural com a rudeza e a violência dos EUA.

Enfim, se você ainda não viu O Pentavirato, veja. Vai constatar que humor pode ser casca grossa sem ser racista ou machis... O que foi isso? Quem está mexendo na porta? Não!

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Esqueça este texto. O Pentavirato não deve ser revelado.

BolsoCiro, candidato padre... pode não decidir voto, mas debate sempre rende bons memes. Eis os mais clicados da semana pelos nossos leitores:

1. Poder360: Ciro se defende de comentários sobre BolsoCiro no debate do SBT.

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