Quando a religião e o crime se misturam

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A religiosidade tem um papel importante na vida de uma parcela relevante da população, inclusive com diferentes correntes evangélicas pacifistas. Mas os estudos do jornalista e escritor Bruno Paes Manso mostram que grupos criminosos têm utilizado a fé para justificar suas ações com base na religião, sobretudo apoiando-se no Antigo Testamento da Bíblia. Em entrevista à editora-executiva Flávia Tavares no Conversas Com o Meio, ele explica que existe uma popularização de discursos sedutores para ganhar mais adeptos no mercado da fé, entre eles, o da batalha espiritual, no qual, o mundo está prestes a acabar, sendo urgente a formação de um “exército do bem”, contra um mal formado por grupos que não aceitam os valores bíblicos e cristãos.

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Esse mesmo discurso também foi identificado por ele no Centrão que domina o Congresso, que unido às bancadas do boi, da bíblia e da bala, assume um discurso de fazer política “não por clientelismo, mas em defesa do bem, dos valores da família, cristãos, do mercado e do agronegócio”, justificando a violência e o garimpo por estarem na luta contra o mal. “Ao mesmo tempo, há uma visão muito cínica de que o mundo não necessariamente precisa de grandes reformas políticas ou de transformações para que ele não se acabe. Em vez da defesa do meio ambiente, para evitar que o mundo exploda no calor, e que o consumo destrua o planeta, eles têm uma urgência de conseguir o máximo de pessoas que concordem com os valores bíblicos, judaico-cristãos que eles enxergam como fundamentais para essa batalha do bem contra o mal.”

É nesse contexto em que esses grupos se voltam contra a ciência, as universidades e os movimentos identitários, como o feminismo, que juntos com o Comunismo, estariam envolvidos em um complô para “destruir as igrejas e acabar com a fé”. “Vai-se construindo inimigos e criando a formatação dessa batalha espiritual, que dialoga muito com a leitura da batalha cultural, que faz parte dos discursos do Exército e de Olavo de Carvalho. No fundo, elas justificam a violência, porque é uma batalha em defesa do bem.”

Ele explica que o poder da fé nas comunidades permite que criminosos se convertam em pessoas transformadas, ou mesmo arrefeçam o nível de violência, em muitos casos. “O traficante frequenta a mesma igreja que a mãe, mas não se converte num primeiro momento. Ele está se preparando porque sabe que a vida no crime é sem futuro, então em algum momento ele vai se converter. Enquanto isso, em vez de matar, resolve de outra maneira. Vai acontecendo um processo civilizatório com redução de danos, com certos valores sendo colocados no dia a dia.”

Mas, enquanto um grupo utiliza a fé para sair da criminalidade, outros usam a religiosidade para justificar suas ações. Esse fenômeno, de acordo com Bruno Paes Manso, fica mais explícito entre 2014 e 2015, com a guerra do tráfico no Rio de Janeiro entre os bairros de Vigário Geral, dominado pelo Comando Vermelho, e Parada de Lucas, pelo Terceiro Comando. Quando este toma para si o domínio de Vigário Geral, assume a liderança um ex-pastor formado na Assembleia de Deus, que executa um projeto de expansão de poder para novos bairros, com o argumento de que teria sonhado com Deus lhe confiando o propósito divino de combater o Comando Vermelho, representado como o mal, para tomar novos territórios, mesmo que recorrendo a altas doses de violência. “Ele passa a exercer o poder construindo bens públicos ao mesmo tempo que mata pessoas, fazia chacinas, picotando pessoas, mas com o discurso de que essa violência era usada em defesa do bem, a partir da mensagem divina recebida.”

A teologia da prosperidade também tem um papel importante nessa tentativa de justificar o uso de meios criminosos para sobreviver. Com o dinheiro do tráfico, faz-se necessário a lavagem do dinheiro ilícito para usufruto na esfera legal. É quando surgem novas camadas empreendedoras, como postos de gasolina e adegas, criados pelo agora empresário. “Esse mercado acaba se conectando com a teologia da prosperidade, que valoriza a capacidade de ganhar dinheiro como um dom de Deus. Você se tornar uma pessoa rica significa, muitas vezes, que você é um abençoado”, pondera.

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