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LK-99, a descoberta do século. Ou não

Não é todo dia que aparece uma descoberta que pode mudar os rumos da humanidade trazendo possibilidades que só existiam na ficção-científica para o mundo real. Energia barata. Trens mais velozes que um trem-bala. Laptops quânticos. Telecomunicações instantâneas em todo o mundo e fora dele. Baterias que duram para sempre. Fusão a frio. Fim da dependência de energia fóssil. Redução das emissões de carbono. Superação da crise climática. Homens e bestas convivendo harmoniosamente em campos de morango para sempre.

E tudo pode ter começado com um vídeo tosco de uma pedrinha flutuando sobre uma placa de metal parecida com uma lata de atum sem rótulo. O vídeo em questão viralizou pelo mundo todo e transformou em celebridades os cientistas sul-coreanos que publicaram um artigo intitulado “O Primeiro Supercondutor em Condições de Temperatura e Pressão Ambiente” no Arxiv, repositório aberto de artigos científicos da Cornell University. Sem um pingo de modéstia, os autores classificaram seu achado como “um evento histórico que inaugura uma nova era para a humanidade”.

Batizado LK-99 em homenagem ao sobrenome dos cientistas (Lee e Kim), o experimento já nasceu controverso. Uma briga interna causou uma dupla publicação do paper, com algumas horas de diferença, um com seis autores e outro com apenas três. Rumores dizem que o número foi reduzido para três porque esse é o limite para um projeto desses ganhar o Prêmio Nobel. Sukbae Lee afirma que o artigo publicado às pressas por seu colega que teve medo de ser ultrapassado pelos chineses continha erros. O apoio de empresas como a LG ao projeto foi suprimido do site do laboratório depois da publicação do paper.

“O paper é estranho”, diz Narcizo Marques de Souza Neto, chefe de Divisão na Divisão de Matéria Condensada e Ciência dos Materiais do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). “Ele não descreve o experimento em detalhes e parece ter sido escrito às pressas, em um inglês esquisito”.

Controvérsia, aliás, é o que não falta nessa história dos pesquisadores que caçaram o material revolucionário desde 1999 (daí o número do elemento), perseguindo uma teoria de um professor que morreu e não conseguiu levar sua pesquisa adiante. Depois de anos de testes com poucos recursos, em um laboratório no porão de um prédio aparentemente abandonado, viram uma amostra cair por acidente e funcionar, como em uma origem de super-herói de quadrinhos. Depois disso, a controvérsia só aumentou.

Mas o que é um supercondutor? A grosso modo, é um material que permite que a eletricidade passe por ele sem perda alguma. Já existem vários materiais nessa categoria com utilizações diversas, como os trens-bala Maglev, mas até agora, eles só conseguem essa mágica em temperaturas muito baixas exigindo resfriamento com nitrogênio ou hélio líquido. A descoberta de um material com essas propriedades que funcionasse em temperatura ambiente provocaria uma nova revolução industrial.

Só que não basta publicar um paper com um experimento revolucionário, postar um videozinho no YouTube e correr para pegar o primeiro avião rumo à Suécia resgatar seu Nobel. O método científico exige que esse experimento seja replicado por terceiros. Em 1989, uma dupla de cientistas americanos anunciou em uma coletiva de imprensa que haviam conseguido a fusão a frio em temperatura ambiente, outro Santo Graal da ciência moderna, apenas para serem desmentidos e ridicularizados meses depois.

Acontece que no final da década de 80 não havia internet. Não havia milhares de especialistas em Inteligência Artificial que de uma hora para outra se transformaram em especialistas em Física de Materiais. O LK-99 dominou as bolhas nerds da “Rede Social Anteriormente Conhecida Como Twitter” e, principalmente, do Reddit com uma velocidade não vista desde os tempos do ChatGPT (lembra dele?). Não eram apenas grandes laboratórios entrando na corrida para replicar o experimento coreano. Entusiasmados pelo fato de ele utilizar ferramentas simples (pilão, vaso de planta, entre outros itens de cozinha) e elementos químicos relativamente fáceis de encontrar no mercado (alguns mais difíceis por também serem utilizados na produção de metanfetamina), todo nerd saudosista de seu Laboratório Químico Juvenil resolveu entrar na brincadeira. Para dar aquele toque de humor surrealista, um dos primeiros a postar uma foto de um suposto fragmento de LK-99 flutuando foi um(a) cientista caseiro(a) russo(a) no Reddit com um singelo avatar de gatinha de animê. Iris Alexandra até o momento se recusa a publicar vídeos de seu experimento, mas afirma que ele é uma versão melhorada do realizado pelos coreanos.

Esta provavelmente é uma das primeiras descobertas científicas cujo peer review é acompanhado mundialmente em tempo real. Quando este artigo estava sendo escrito, a contagem na página do LK-99 da Wikipedia era de 11 tentativas oficiais de replicar o experimento, nenhuma finalizada. Pesquisadores da China, índia, Japão e EUA estão no páreo. No Brasil, o CNPEM já sintetizou o LK-99 duas vezes com resultados negativos. Mesmo assim, quando perguntei a Souza Neto se ele apostaria R$100 mil que o experimento coreano é verdadeiro ou falso, ele respondeu que apostaria R$50 mil em cada lado. “Confirmar um experimento é fácil, desqualificar é muito mais difícil porque as variáveis são muitas, é preciso testar todas as hipóteses, ainda mais quando ele é descrito com poucos detalhes como esse. Pode haver um ingrediente secreto que os autores escolheram não divulgar que muda tudo.”

A torcida geek acompanha os passos dos cientistas como se fosse uma Copa do Mundo, dividida entre os céticos e os que querem acreditar (céticos ganhando de 7 x 3, nas casas de apostas). A cada vídeo de pedrinha flutuante, a cada imagem de pozinhos brancos sendo misturados e jogados em forno, a torcida vibra, chora e comenta. Quando um experimento falha, os céticos gritam “It is so over!”, quando uma nova pedrinha flutua, os crentes exclamam “We are so back!. Os nerds também têm seu futebol. Ah, e têm os memes também. Lots of memes.

O LK-99 vai mudar a história da humanidade ou vai ser mais um flop transmitido ao vivo em rede mundial? Não se sabe ainda. Provavelmente, passado o hype, ele deve encontrar seu lugar na história da ciência, que normalmente caminha a passos de bebê, não em pulos e saltos. Se algum dos resultados apontados pelos coreanos for comprovado, isso pode representar uma nova rota de pesquisa para a física dos materiais. Se o LK-99 for realmente um supercondutor, o impacto sobre nossas vidas virá bem rápido.“Se a corrente crítica do material for alta e for fácil de sintetizar, em poucos anos teríamos aplicações diretas”, diz Souza Neto.

Mas a descoberta coreana já provou que a ciência pode fazer das redes sociais um lugar mais agradável, com discussões de alto nível e gente do mundo inteiro colaborando em um objetivo comum. Só isso já é uma revolução.

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