Em seu centenário de morte, Rui Barbosa segue vivo na política brasileira

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Nesta quarta-feira, dia 1, completam-se 100 anos da morte do jornalista, jurista e político Rui Barbosa. E a data não é nada trivial. O cientista político e colunista Christian Lynch explica que o atual ideário da defesa democrática no Brasil passa pelo pensamento “ruiano”, presente ainda hoje na política brasileira, ainda que a figura de Barbosa não seja citada. “Tem ruianos na política que não sabem que são, a começar pelos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia”, comenta. “Mas essa coisa [de defesa democrática] continua no habitus, no sangue, na maneira de agir. Rui Barbosa criou uma maneira de defender a democracia, mesmo que ninguém mais o cite.” Em bate-papo com o editor-chefe do Meio, Pedro Doria, no programa Conversas com o Meio, ele afirma que, mesmo que outras figuras históricas sejam lembradas, como Ulysses Guimarães, “todo mundo que luta pela ditadura apela ao repertório ruiano, à importância do respeito à Constituição”.

Para Lynch, pensando no século 20, “metade da política brasileira só se pode entender a partir da ação e do pensamento de Rui”. A outra metade também teria a ver com o jurista, ainda que não seja mais citado. Barbosa foi o primeiro a interpretar o que é a República, um sistema de governo presidencialista e a importância de um Judiciário forte como o STF no país. “Ele é o primeiro grande intérprete das instituições da República.”

Pedro Doria se diz fascinado pela figura de Rui Barbosa desde que estudou o tenentismo. “Ele é um dos personagens mais chave da história da República”, afirma, ao justificar que ele era quem tinha a ideia mais democrática de sua época, contra as oligarquias e a participação militar na República, e a favor da educação e de maior participação popular na política. “Aquilo que ele já apontava continua sendo pontos essenciais do Brasil, da vocação que tem nossa República.”

Sobre a acusação de que Rui Barbosa tentou apagar a história da escravidão no Brasil, Christian Lynch explica que ele pediu que fossem queimados todos os registros de propriedade de pessoas escravizadas para que os senhores das terras não tivessem como pedir indenização ao Estado pelos escravos que perderam após a abolição da escravatura no país. “Acho engraçado esse tipo de argumento de que ele queria acabar com a memória da escravidão, porque isso é absolutamente impossível. Isso foi uma invenção recente”, explica. “Ele era um abolicionista impenitente desde menino.” Para o cientista político, há grupos atuais que tentam minimizar a importância de certas figuras históricas em campanhas abolicionistas para valorizar outros personagens para fortalecimento de narrativas. “Acho que Rui Barbosa foi atropelado um pouco por isso.”

Mesmo sendo tão relevante para a história do país, o jurista vem sendo esquecido desde o modernismo, que era anti-Rui e pregava ideias antagônicas, como a defesa de um estado mais forte e um tanto de autoritarismo. No período da ditadura, quando o partido UDN, de ideias ruianas, adere ao autoritarismo, a esquerda brasileira passa a defenestrar também a figura de Barbosa. “Então tivemos uma substituição. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, começa a falar em Sérgio Buarque de Holanda. Eles não falam do Rui, que passa a ser uma coisa udenista, e eles querem se distanciar desse liberalismo que embarcou no golpe”, explica Christian Lynch.

Para Pedro Doria, Rui Barbosa construiu para si uma espécie de arquétipo que acabou servindo para figuras como Ulysses Guimarães, que incorpora em sua atuação política a derrota. Ele teria escolhido agir dentro das possibilidades que tinha em sua época para lutar por mudanças, sem quebrar as regras estabelecidas pelas leis. Pedro entende que o pensamento desses políticos era de que “dentro do fiapo de instituição que deixarem funcionando, vou encontrar um caminho para lutar para ampliar os espaços democráticos”. Lynch explica que o objetivo de Rui era fazer com que a Primeira República se tornasse realidade. “Ele queria que o povo votasse e a vontade popular fosse respeitada, que o voto fosse secreto. Ele não era disruptivo ou revolucionário.”

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