NFTs e o clima
Uma das grandes polêmicas dos últimos meses é sobre o impacto climático gerado pelos NFTs. Tokens não fungíveis (NFTs) são uma derivação das criptomoedas. Funcionam como ativos digitais que podem ser comprado e vendidos de forma a garantir sua legitimidade. A maioria dos NFTs funciona em cima do blockchain do Ethereum, a segunda criptomoeda mais conhecida depois do Bitcoin, que tem sido muito usados por artistas para vender cópias digitais, autênticas, de seus trabalhos. Recentemente, o artista digital Beeplo vendeu um NFT de uma obra sua em um leilão da Christies por quase US$ 70 milhões.
Alguns meses atrás Joanie Lemercier, um artista francês, que passou os últimos dois anos lutando para reduzir sua pegada de carbono, colocou à venda 6 NFTs de vídeos curtos com poliedros brilhantes que rodavam na tela. Foram todos vendidos em apenas 10 segundos por alguns milhares de dólares. Pouco depois Lemercier descobriu em um site chamado Cryptoart.WTF que, nestes 10 segundos, a venda de seus NFTs consumiu um total de 8.7MWh de energia. O suficiente para o consumo de seu estúdio por dois anos inteiros. Foi o suficiente para uma série de matérias sobre a questão se espalharem pela Internet e a senha para que começasse um forte movimento de cancelamento de criptoartistas envolvidos com NFTs. Em 10 de março, Memo Akten, o criador do Cryptoart.WTF tirou seu site do ar explicando em um tweet que o motivo é que estavam utilizando o site para espalhar desinformação com números incorretos sobre gastos de uma única transação.
Esta não é uma conta simples de ser feita. Um artigo recente, no site especializado em artes plásticas ArtNews, chama a atenção para o fato de que não existem ainda estudos acadêmicos revisados por pares que validem as muitas metodologias diferentes usadas para estas projeções. Defensores dos NFTs alegam que o gasto de energia é parte do dia a dia do blockchain, e NFTs, sendo transacionados ou não, não afetam o gasto total da rede. Fazem uma analogia ao custo de trens, uma pessoa a mais ou uma pessoa a menos não muda a quantidade de energia gasta pelo trem. O artigo da ArtNews traz um dado que parece reforçar essa visão. NFTs são responsáveis apenas por uma fração pequena do volume de transações diárias no blockchain do Ethereum. Das cerca de 1,2 milhões de transações diárias de Ethereum, apenas cerca de 30 mil são referentes à NFTs.
NFTs são ainda uma parte muito pequena de um imenso ecossistema que começa a se formar no entorno das criptomoedas, e realmente não faz sentido apontá-los como o principal vilão climático. Mas isso não quer dizer que as criptomoedas hoje não tenham realmente um problema climático. Sim, a maioria das criptomoedas gera um gasto excessivo de energia. Isso acontece pois as principais criptomoedas, como Bitcoin e Ethereum, utilizam em suas transações um conceito chamado de prova de trabalho. Para garantir a confiabilidade das informações, o sistema exige que qualquer modificação no blockchain só possa ser feita após um dos mineradores garantir que gastou energia para fazer aquela modificação. É uma forma de impedir que pessoas mal intencionadas criem nós focados em fraudar o blockchain. Para garantir a prova de trabalho, um servidor precisa fazer uma série de cálculos super complexos que exigem muito processamento, o que consome muita energia. Algumas criptomoedas mais recentes utilizam outro modelo para isso, a chamada prova de participação, em que para validar uma transação o minerador precisa provar que possui uma alta quantidade daquele criptoativo. Os responsáveis pelo Ethereum prometem migrar sua rede para prova de participação nos próximos anos. O que deve reduzir de forma considerável seu uso de energia. Mas ainda não anunciaram um prazo definitivo para esta mudança.
Outro problema relacionado ao cálculo da pegada de carbono das criptomoedas é que a maioria das metodologias que fazem esse cálculo consideram o custo médio de energia nos países onde ficam os principais mineradores e levando em consideração a matriz energética do país como um todo. Mas, como lembra Albert Wenger, venture capitalist americano que foca seus investimentos tanto em negócios sustentáveis como em criptomoedas, o lucro do minerador é pesadamente influenciado pelo seu custo de energia. Por conta disso eles tendem a se localizar junto à fontes mais baratas de energia, especialmente próximos de hidroelétricas, onde conseguem inclusive comprar energia excedente a preços muito baratos, às vezes até mesmo recebendo dinheiro para consumir energia. Wenger lembra ainda que o mundo está prestes a ver uma explosão no consumo de energia elétrica, com a eletrificação de carros e do aquecimento doméstico. Em um cálculo aproximado, o planeta deve precisar dobrar sua capacidade de geração de eletricidade, e sistemas de prova de trabalho serão apenas um pedaço pequeno desse aumento.
O consumo anualizado de energia de toda a rede do Ethereum é estimado pelo site Digiconomist em 38,4TWh. A Universidade de Cambridge estima que a rede de Bitcoin gasta anualmente cerca de 110TWh. Como comparação, a mesma Cambridge, diz que só o gasto de energia em um ano dos aparelhos eletrônicos em modo standby nos EUA seria suficiente para garantir dois anos inteiros de operação de toda a rede de Bitcoin.