Corrupção volta a rondar Lula
O governo Lula está entrando em um momento bastante delicado. Por um lado, está exposto em praça pública, demonstrando uma fraqueza inimaginável para alguém com a capacidade política de Lula. Por outro, explodiu um escândalo de corrupção na previdência social que pode ficar muito grande, muito rápido. E fazer colar a pecha de corrupto neste governo é coisa que acontece num segundo e, depois que colou, não vai embora mais.
No início do mês, o Planalto anunciou que Pedro Lucas, deputado federal do União Brasil do Maranhão, parlamentar jovem, no segundo mandato, seria o novo ministro das Comunicações. Aí passou uma semana, passou uma segunda semana, e Lucas disse não, muito obrigado. Prefere seguir como líder do seu partido na Câmara.
Essas coisas não têm mistério. São todas combinadas sempre. Uma vez, um político conhecido se esforçou muito para ser ministro do governo Tancredo Neves. Buscou a nomeação por todo lado, espalhou pela imprensa. Para que não fosse humilhado, Tancredo o chamou e disse: “diz que te convidei e você não aceitou”. Aqui foi o contrário. O Palácio do Planalto anunciou que ia ser e o deputado esnobou.
Como se faz é simples: pergunta para o presidente do partido, combina com a pessoa que vai ser convidada, o anúncio é feito quando tudo já está amarrado. Se um convite é feito em público e o convidado recusa, o governo fica mal. Às vezes a negociação demora semanas. Mas o anúncio é feito quando se resolveu. Pois nada estava combinado. Gleisi Hoffmann começou mal na função.
Chegamos ao ponto em que um deputado absolutamente desconhecido esnoba um ministério importante e o Palácio do Planalto precisa ficar caçando quem queira ocupar a pasta. E, enquanto isso parecia o maior problema do governo, a Polícia Federal amanheceu catando Ferraris e Rolls Royces comprados com a grana de, tudo indica, um megaescândalo explodindo na Previdência Social. Não temos ainda noção do tamanho da coisa em dinheiro, mas pode ser na casa de bilhões de reais. Lula já deu ordens para demitir o presidente do INSS. Que não tenha ainda demitido o ministro da Previdência, Carlos Lupi, é um espanto. Lupi, aliás, que já havia sido afastado do governo Dilma justamente por corrupção. Lupi que pôs, como um de seus secretários, outra pessoa já previamente envolvida em escândalo de corrupção.
O ministério da Previdência é do PDT mas isso não importa. O Planalto é do PT e corrupção é o ponto fraco petista. Muitos dos militantes de esquerda acham injusto e pode ser mesmo. A direita brasileira tem décadas de escândalos nas costas, de santa não tem absolutamente nada. Mas não adianta. O escândalo do Petrolão foi um monstro de grande, tem um bando de réu confesso, e o eleitor tem razão em desconfiar. De novo: para a pecha de corrupto pegar neste governo é rápido e não tem volta.
Lupi precisa ser demitido o quanto antes. Não é que ele necessariamente tenha responsabilidade, isso é muito cedo para dizer. Mas ele é o chefe, foi sob seus olhos e o problema precisa ser encerrado na raiz. Hesitar, e o Planalto está hesitando, vai puxar a bomba para o colo de Lula. Dada a fama que o PT já tem, isso acontece num piscar de olhos e, quando acontecer, não tem volta.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
Mas vamos começar pelo que sabemos. A reforma da Previdência aprovada em 2019 autorizou que aposentados e pensionistas descontassem uma contribuição para os sindicatos. A regra é clara: isso não é obrigatório, quem contribui precisa ter muito claro que está contribuindo e o que ganha com isso, e é necessário que assine a aprovação para o desconto. Aí, o desconto é feito pelo próprio INSS e transferido para o sindicato.
Por que um aposentado gostaria de contribuir com um sindicato? O argumento é de que ofereceriam descontos em clubes, academias, e que isso valeria o gasto. Pode ser. Na verdade mesmo, foi um contrabando que a esquerda pôs na reforma para tentar compensar o fim da contribuição sindical obrigatória. Na maioria dos países, o trabalhador escolhe se quer se sindicalizar ou não. Isso obriga os sindicatos a serem eficazes, mostrarem a que servem, batalharem por aumentos, vantagens para a categoria, o que for. Você contribui para o seu sindicato porque ele serve a você. Não porque você não tem escolha.
O que o ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius Marques de Carvalho, explicou é o seguinte: sua equipe começou a perceber, a partir de 2023, que várias pessoas não tinham autorizado esses descontos. E está aí a primeira pergunta importante: havia descontos não autorizados anteriores a 2023? Ou começam ali?
Isso é importante para entendermos se a corrupção começa no governo Bolsonaro ou se começa no governo Lula. Quem fez o anúncio da operação da Polícia Federal, hoje, foi o ministro da Justiça Ricardo Lewandowsky e quem está comandando a investigação é a CGU, tocada por Carvalho. Ou seja, é o governo Lula que está indo atrás dos corruptos. Ponto para eles. Mas, por enquanto, estamos sabendo muito pouco detalhe sobre quem é responsável pelo problema. Porque por pelo menos dois anos deste mesmo governo Lula roubou-se, e roubou-se muito, de uma gente particularmente frágil. Enganar aposentado e pensionista para comprar Ferrari é das formas mais sórdidas de corrupção que podemos imaginar.
O fato é que, hoje, seis milhões de aposentados e pensionistas têm dinheiro descontado. Todas elas escolheram receber menos para contribuir para um sindicato? Desde 2019, ou seja, desde que a lei permite este tipo de desconto, os sindicatos receberam R$ 6,3 bilhões. Estamos falando de bilhões, com B de bola. É uma grana inacreditável de tão grande.
E, de novo, Lupi foi demitido do Dilma por recomendação da Comissão de Ética Pública. Ele acumulava cargos públicos não compatíveis para juntar salários e foi acusado de ser funcionário fantasma da Câmara. Quando foi fotografado dentro do avião de um empresário que ganhava dinheiro do seu ministério, a coisa ficou insustentável. Agora, neste governo Lula, ele pôs em uma das secretarias Paulo Roberto dos Santos Pinto, que foi demitido também por Dilma Rousseff acusado de participar de desvios de R$ 400 milhões no ministério do Trabalho.
A frase não é de Júlio Cesar, é de William Shakespeare, mas não importa porque revela um truísmo da política. À mulher de Cesar não basta ser honesta, precisa parecer honesta. Lupi não parece honesto. Não tem histórico ilibado. Não bastasse, bota num dos cargos mais altos de seu ministério um cara que já foi demitido em governo petista por ser acusado de corrupção. Aí é justamente neste ministério, o de Lupi, que explode um escândalo de corrupção gigante.
Do ponto de vista político, a saída é fácil e é rápida: demite logo. Encerra o problema. Vamos investigar tudo, não vai ficar pedra sobre pedra, e todos os responsáveis do ministro para baixo vão ser afastados imediatamente.
Este não foi o caminho que Lula escolheu. O Planalto parece não ter aprendido nada com o Mensalão ou com o Petrolão, não parece compreender que a responsabilidade vai estourar no seu colo. Ano que vem tem eleição presidencial, já tem deputado irrelevante recusando ministério e as pesquisas estão desfavoráveis. Lula não é ignorante em política, muito pelo contrário. Ele é, provavelmente, o político mais hábil do Brasil.
Então o que explica? Talvez simplesmente esteja cansado. Talvez seja a teimosia de quem se recusa a reconhecer as consequências do estrago feito pela Lava Jato em sua imagem. Seja como for, não importa. As coisas vão se desenrolar. O governo tem um escândalo de bilhões no colo.
Às vezes essas coisas passam rápido. Mas é muito raro que passem.