Donald Trump é um tirano
Donald Trump é um tirano. Sim, a frase é forte. Mas ela não é hiperbólica. Quer dizer, não estou usando uma palavra exagerada para forçar um argumentop. Também não é uma metáfora. Não estou tentando evocar aqui uma ideia similar para fazer uma comparação. Muito menos essa afirmação, “Donald Trump é um tirano”, vem de uma desavença ideológica. Não é porque ele é de direita. Não faltam tiranos de esquerda. Daniel Ortega é um tirano. Nicolas Maduro é um tirano. Se estou dizendo isso, também não é por Trump ter políticas burras, muito burras, como a política tarifária. Tem muito democrata burro e incompetente por aí. A gente com frequência demais usa palavras fortes para aqueles de quem discordamos. A gente chama de fascista, de comunista, guardamos toda sorte de termos que nos soam como ofensas para quem é do outro lado. Isso tira todo o significado dessas palavras. Só que não é isso que estou fazendo aqui. Tenho horror a quem guarda as ofensas para os outros e faz só elogios aos seus. A quem considera que os seus são um poço de virtudes e, os outros, a coleção de todos os defeitos. “Donald Trump é um tirano” é uma frase descritiva. Só isso. Ela usa a palavra “tirano” para definir com precisão o tipo de líder político que o presidente americano é.
Mas isso não quer dizer que os Estados Unidos sejam uma tirania. Que o país dos americanos seja uma ditadura, que tenha deixado de ser uma democracia. Se parece contraditório, não é. Donald Trump está tentando matar a democracia americana, mas só porque ele é um tirano e está na presidência não quer dizer que ele conseguirá matá-la. Pode acontecer, mas ainda não rolou. A bem da verdade, estamos vivendo uma situação tão inédita historicamente que não temos escolha. A gente vai precisar sentar e esperar. Não dá para prever o que acontecerá.
A primeira mostra de um tirano é simples: sentir-se acima das leis. Mais que isso. Agir como quem está acima de qualquer lei. Aí, por isso mesmo, misturar o que é público com o que é privado como se não houvesse diferença. Seus negócios pessoais e os do Estado são os mesmos. Ser líder do país e se beneficiar pessoalmente disso é apenas natural para um tirano. Há duas semanas, o presidente participou de um torneio de golfe que ocorreu num clube que pertence a ele, na Flórida. Quem são os patrocinadores do torneio que o presidente montou? Yasir al-Rumayyan, chefe do fundo soberano saudita. A Riyadh Air, a companhia aérea saudita. A Aramco, estatal saudita de petróleo. Mas só para dizer que não eram só os sauditas, o TikTok também patrocinou a coisa. Ou seja, o presidente monta um torneio de golfe que não tem qualquer relevância se não pelo fato de ele, presidente, jogar. Quem participa precisa botar uma grana no clube que o promove. De quem é o clube? Do presidente. Todos ficam hospedados em Mar-a-Lago, outro clube do presidente. Pagam por isso, e pagam caro. E aí vem a grana pesada de patrocínios. Quem paga? Uma companhia chinesa que precisa desesperadamente de favores presidenciais pois está operando ilegalmente nos Estados Unidos e uma nação estrangeira, a Arábia Saudita. Nada disso foi escondido, tá? Tudo feito às claras.
Esse é só um exemplo. O presidente criou uma companhia de criptomoedas chamada World Liberty Financial. Recebeu investimentos pesados, por exemplo, de Justin Sun, um empresário chinês que está sendo investigado por corrupção. Estava. Trump baixou um decreto bloqueando a investigação. Esta companhia não produz uma única criptomoeda relevante, e no entanto recebe investimentos a toda hora. Precisa de um favor do presidente? Invista em sua empresa.
O nome disso é corrupção. Corrupção escancarada. Toda sorte de agentes, legítimos ou não, gente que tem interesses diretos em decisões tomadas pela Casa Branca, encontram caminhos fáceis para botar dinheiro, dinheiro vivo, dinheiro de verdade nas mãos de Donald Trump. E os favores acontecem.
Dizer que isso nunca aconteceu nos Estados Unidos dos tempos recentes é dizer o óbvio. Gente, nenhum presidente brasileiro do período da Nova República fez qualquer coisa sequer próxima disso. Nem Fernando Collor. Isso é coisa de xeque árabe que é dono de seus países ou de ditador africano daqueles países completamente destroçados por guerras civis.
Mas, olha, esse nível absurdo de corrupção não é o único item na lista que faz de Donald Trump um tirano.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
Tem a questão da Justiça. Hoje, nesta quarta-feira 16 de abril, o juiz chefe da District Court de Columbia determinou que existem razões para julgar Trump por desacato ao tribunal. Ou seja, por ignorar uma ordem judicial. O juiz James Boasberg havia dado uma liminar proibindo o governo federal de extraditar um grupo de imigrantes ilegais venezuelanos antes de ouvir suas defesas. Sabe como é, né? As pessoas, em democracias, têm direitos. Podem se defender antes de serem condenadas. A Casa Branca simplesmente ignorou a ordem, botou as pessoas num avião e mandou para El Salvador.
A District Court de Columbia é uma espécie de primeira instância da Justiça Federal. É para onde vão todos os processos contra a União. Mas é uma primeira instância bastante especial porque, depois dela, só tem outra instância. A Suprema Corte. Ou seja, é o segundo tribunal mais importante do país. Não é comparável, porque os sistemas são diferentes, mas no Brasil é como se fosse o STJ.
Esse caso não é o único. Há inúmeras decisões judiciais que o governo está ignorando incluindo uma da própria Suprema Corte. Sim. Da Corte máxima do país. Os juízes determinaram que o governo precisa facilitar o retorno ao país de Kilmar Armando Abrego Garcia, um salvadorenho que foi deportado ilegalmente. Zero resultado.
Portanto, a essa altura, vários escritórios de advocacia devem estar com a faca nos dentes, prontos para representar quem deseja processar o governo, certo? Mais ou menos. Susman Godfrey, Perkins Coie, Paul Weiss, Jenner & Block, um grande escritório após o outro estão sendo diretamente atacados pelo governo federal. O presidente assina ordens executivas, que são decretos, dizendo que eles não podem mais trabalhar para nenhuma instância do governo. Este veto quer dizer que não podem ter acesso a informações sensíveis que muitas vezes precisam, que não podem entrar em prédios do governo, além de, claro, perderem inúmeros contratos importantes. Estar banido de operar com o governo faz com que clientes privados se afastem, com medo de retaliação da Casa Branca.
Estamos falando de um presidente americano que dá ordens, ignora decisões judiciais que questionam suas ordens, e ataca com o poder da presidência qualquer advogado que queira defender seus inimigos.
Vocês percebem que estas questões não tratam de ideologia? Nenhuma delas é sobre esquerda ou direita. Poderíamos agora rumar por outra seara. Um governo que ataca as universidades exigindo que seja a Casa Branca que determina o que pode e o que não pode ser ensinado em sala de aula? Que quer determinar quem pode ser aceito como aluno e quem não pode?
Donald Trump segue sendo bastante popular. Tem aprovação acima de 45%, o que para padrões de hoje é alto. Quem votou nele segue gostando muito de seu governo. Mas é muito importante ter o seguinte em mente: seu estilo de governo é totalmente diferente de qualquer presidente americano do século 20. É radicalmente diferente do maior presidente republicano do século 20, Ronald Reagan. Trump é um bicho novo na política dos Estados Unidos. Tão radicalmente novo que precisamos de alguma palavra para descrevê-lo.
Tirano serve para isso. É uma descrição apenas. É alguém que toma a lei para si. Ele é a lei, o que ele fala, lei é. Não importa a Constituição, não importam os juízes. Não importa a tradição.
Tem outro termo: Donald Trump é antiamericano. O problema dessa palavra é que, aí, se trata de opinião. Minha opinião. Minha definição de Estados Unidos começa com a ideia de democracia. Se alguém é anti-democrata, é antiamericano. Só que aí é só questão de opinião.
Tirano é bom. Só descreve, não importa a ideologia.