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Glauber Braga cassado?

Está aberto o caminho para a Câmara dos Deputados cassar o mandato de Glauber Braga, do PSOL do Rio. Em abril de 2024, ele expulsou do próprio prédio da Câmara um rapaz chamado Gabriel Costenaro, integrante do MBL, que o estava provocando. Sabe aquele tipo bem MBL, de ligar uma câmera e ficar atiçando, atiçando, atiçando até arrancar uma reação? Pois foi uma circunstância assim. O Conselho de Ética aprovou o pedido de cassação por 13 votos a 5. Braga, que está em greve de fome, pode recorrer à Comissão de Constituição e Justiça. Se vencer, o processo morre. Se não, vai ao plenário da Câmara. Pelo menos 257 deputados precisam votar a favor para que a cassação aconteça.

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Essa é uma história com incontáveis camadas que a gente precisa ser capaz de analisar. Mas vamos começar pela primeira: o que Glauber fez é absurdo. Um deputado não expulsa um cidadão da Câmara. Não se faz isso. É uma traição à ideia do que é uma democracia, do que é um Parlamento. É importante a gente começar do básico.

Não chamamos o Parlamento de a Casa do Povo à toa. Sabe, a ideia por trás dos três poderes não é artificial. Ela tem uma lógica. Existe uma estrutura responsável pela administração das coisas públicas. É o Poder Executivo. Outra cuida de avaliar quando tem disputa se leis foram desobedecidas ou não. É o Judiciário. Afinal, se temos um regime baseado no conceito de que todos somos iguais perante as leis, haverá disputas. E aí tem outro poder. É aquele que vai além de fazer as leis. É o que abre suas salas para as diversas correntes de opinião que circulam na sociedade. A cada quatro anos, nós elegemos representantes que defenderão nosso ponto de vista. Se existe um lugar, nas democracias, em que os modos de ver presentes no povo são representados é lá.

Compreender isso, que o lugar de discutir sobre nossas divergências é a Câmara dos Deputados, está entre os conceitos mais básicos que há para a gente entender sobre como se organizam politicamente democracias. Sabe por quê? Porque, em democracias, é dado que a gente vai discordar. A gente precisa ritualizar essa discordância. Precisamos organizar o debate, a conversa, a maneira como nos resolvemos discordamos. E a maneira é o Parlamento.

É por isso que o que Glauber Braga fez é absurdo. O que ele fez foi trair a essência do que é ser parlamentar. No momento em que ele expulsou aos socos e pontapés um cidadão brasileiro de dentro do Congresso Nacional, o que ele mostrou em essência é a recusa a ouvir. Se você é parlamentar, seu trabalho é ouvir e ter capacidade de diálogo. É não se irritar. É estar preparado para conversas muito difíceis e, às vezes, muito duras. Seu trabalho é conversar, é conversar, é conversar. Se você não tem o temperamento necessário para aguentar esse tranco, você não tem o que é necessário para ser parlamentar.

Ah, mas o sujeito provocou. É verdade. Ah, mas o sujeito xingou a mãe. Também é verdade. Olha, esse aqui não é o mundo da várzea nem é o mundo da quinta série. Dá perfeitamente para ouvir xingamento à mãe e ignorar. Estamos entre adultos, né? É só provocação barata. Ah, mas o cara é do MBL. Os caras do MBL só fazem isso, ficar provocando as pessoas até vir uma reação. Eles querem puxar a briga. Querem a situação que gere o vídeo. Essa meninada do MBL quer apanhar, gravar em vídeo e faturar um dinheiro mostrando no YouTube. Vivem de cliques. Isso também é verdade. O MBL é um subproduto da infantilização da política. São homens feitos que se portam como adolescentes, como comediantes daqueles subprogramas de pegadinha. Eles não são sérios e vivem de tirar dinheiro de rapazes do interior e da garotada que fica operando mesa de banco de investimento na Faria Lima. Enquanto isso, ficam brincando de hominho.

O problema é que, ao invés de simplesmente ignorá-los, Glauber Braga foi brincar de hominho. Quem não tem a sustentação emocional para se portar como parlamentar não deve ser parlamentar.

Então tudo isso resolve a questão de Glauber Braga? Não. Nada disso resolve. Porque a Câmara dos Deputados não pretende cassá-lo por nenhuma destas razões. Porque a Câmara jamais cassou um único deputado por não saber se comportar como parlamentar. Porque o problema de Glauber Braga não é ter expulsado a tapas um cidadão. O problema dele é que o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira, não gosta de suas críticas.

E as críticas de Glauber Braga estão corretas. Ou seja, ele periga ser cassado pelo que fez certo, não pelo que fez errado. Aí é difícil, né?

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

Carla Zambelli sacou uma arma contra um cidadão por motivo absolutamente fútil. Ou ela, ou um de seus seguranças, deu tiro para o ar. No vídeo não fica claro. Ela é tão inepta com uma arma na mão que saiu correndo pelos Jardins, em São Paulo, com uma pistola na mão e tropeçou. Imagina o perigo. É a mesma coisa que expulsar um cidadão do Parlamento? Não, não é. É diferente. Mas é, igualmente, completamente incompatível com o trabalho parlamentar. Se a Câmara sequer cogita cassar Zambelli, tem muito de hipocrisia neste processo contra Braga. Claro que tem.

Quando o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, deu ordens para que a Câmara divulgasse os nomes de qual deputado havia requisitado que verba, ele estava apenas cumprindo a Constituição. Veja, deputados podem pedir recursos para onde for. Mas eles precisam se responsabilizar por isso. Dino deu ordem, Arthur Lira, presidente da Câmara, proibiu que estes nomes fossem divulgados. Glauber Braga foi possivelmente o primeiro parlamentar a denunciar esta manobra. Está corretíssimo. Ele prestou depoimento à Polícia Federal sobre esta denúncia.

E é por coisas deste tipo que Lira não gosta dele. A esquerda afirma que o problema de Braga é Lira. É bastante plausível. O relator do projeto, o deputado Paulo Magalhães, foi escolhido por Lira. É sobrinho do velho Antonio Carlos Magalhães.

Agora, o governo Lula está preocupado. É que a suplente de Braga é Heloísa Helena, ex-candidata à presidência pelo PSOL, hoje na Rede. Heloísa é bem de esquerda e sabe dar uma movimentada no Congresso. Ela é daquelas parlamentares que sabem aparecer. Glauber Braga não cria problemas para o governo. Heloísa Helena vai criar. Ela não é o tipo de deputada de esquerda que vai entrar e estará na base do governo sempre. Para o Planalto, ela é um problema. Glauber não é. E controlar a base já é um troço para lá de difícil.

Então, durante o fim de semana, começaram as peregrinações. Foi lá visitar o deputado a ministra Gleisi Hoffman e outros colegas seus da Esplanada, além de estar começando uma movimentação no Supremo. A Corte pode, sim, derrubar uma cassação, se ela houver. No fim das contas, é Arthur Lira medindo forças.

Só que aí como fica esse jogo? Se a Câmara cassa um deputado e o STF derruba a cassação, é ruim. Se o Congresso aprova uma anistia aos golpistas, que é inconstitucional, e o STF derruba porque ela é inconstitucional, o problema vai se enroscando. Vai virando um poder peitando o outro, um poder trucando o outro. E estamos num período de presidência da República fraca.

A crise institucional está rondando o Brasil. E cada situaçãozinha dessas vai fazendo tudo ficar um pouco pior a cada dia. Em tempos normais, num país como o Brasil, seria trabalho do presidente costurar até encontrar um novo arranjo institucional em que os três Poderes se reorganizem, seus limites balanceados. Lula não está dando conta da função. Isso é um problema. E não é que a solução seja elementar, porque não é. É trabalho gigante, mesmo.

Até lá, estamos assim e não vai mudar. Glauber Braga, que não entende o que é ser parlamentar, periga se tornar vítima duma turma que não está nem aí para o Parlamento, para a Casa do Povo, para a República.

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