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Trump pode cair?

Vamos juntar umas peças? Donald Trump é presidente americano faz, hoje, 51 dias. Ele pegou uma economia direitinha. A bolsa estava em alta, o índice Nasdaq atingindo um nível recorde, desemprego baixo. A inflação não era alta, mas era resiliente, principalmente em alimentos, e isso tem muito a ver com a derrota de Joe Biden. Não era uma situação muito distinta da que Lula enfrenta aqui. Inflação resiliente, desemprego baixo. É uma combinação bastante difícil. Bem, lá nos Estados Unidos a coisa piorou muito neste último mês e meio. A inflação está ali pelo mesmo nível, com tendência de subir, e a bolsa tomou um tombo na segunda-feira. Um tombo feio. Não bastasse isso, tem uma coisa que não estava no mapa de ninguém em janeiro: tem risco de recessão nos Estados Unidos. Quer dizer, três trimestres seguidos de queda do PIB. Um risco repentino, tá?

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O pessoal por aqui fica reclamando que o mercado não gosta do Lula, que o mercado reage à toa às falas do Lula. Pois é. Trump vai ser cada vez mais um desafio para muita gente. Quer ver um exemplo bobo? A quantidade de influenciador de direita que tinha bandeirinha da Ucrânia no nome das redes, lá nos Estados Unidos um pouco, aqui no Brasil muito, e que está discretamente tirando. É engraçado, gente. Vá.

Mas o que está pegando aqui? Por que um sujeito como James Carville, duas semanas atrás, sugeriu aos democratas que parassem de atacar Trump, sentassem na cadeira, e simplesmente esperassem que ele metesse os pés pelas mãos e desmontasse por conta própria. Carville é o estrategista eleitoral que cunhou a frase de maior efeito político da década de 1990: é a economia, estúpido. O cara é brilhante mas é bom levar suas previsões com cautela. Carville previu que Kamala Harris seria presidente americana, por exemplo. Ele erra e acerta com uma tal inconstância que não dá para tratar dele como bússola. E, ainda assim, ele tem um ponto. Porque a coisa mais importante de compreender sobre Donald Trump é o quanto antiamericano ele é.

Vamos falar da economia, por exemplo. E, nessa, vamos pegar as previsões de outro cara, Mohamed El-Erian, presidente do Queen’s College de Cambridge, na Inglaterra. Esse não tem nada de impreciso como o Carville. El-Erian é tido com um daqueles sujeitos que acerta a respeito dos fluxos de dinheiro do mundo. E o que ele está dizendo? Ora, que em janeiro os operadores de mercado trabalhavam com uma série de premissas. As ações na bolsa americana e o valor do dólar cresceriam mais do que a média global, que os títulos da dívida americana, do Tesouro, subiriam com maior certeza do que os outros. Sabe o que aconteceu com todas essas premissas? Viraram de cabeça pra baixo.

Por quê? Porque Donald Trump tem cabeça mercantilista. Quer dizer, aquela coisa pré-capitalista. A cabeça econômica liberal parte de alguns conceitos básicos. Um deles, o mais importante de todos, é que riqueza se cria. Quanto mais comércio existe entre as nações, maior riqueza é gerada. Quanto maior a liberdade que as nações têm de compreender qual a demanda do mundo, de se entregar a produzir aquele negócio, e se engajar no grande mercado mundial, melhor para todo mundo. No fim, todo mundo enriquece. Você pode não acreditar nisso e tudo bem. Mas é nisso que liberal acredita. E não é nisso que Trump acredita. Muito do princípio no qual Trump se baseia, de que o mundo se aproveita da generosidade americana e ele precisa ser durão, impor tarifas, essa ideia de que os Estados Unidos são explorados, tem isso por trás. Uma convicção de que, em todo negócio, há um vencedor e um perdedor. Então, se a balança comercial americana é negativa, então os americanos estão perdendo. Trump é iliberal. É mercantilista. Sua cabeça treinada pelo mercado imobiliário novaiorquino construiu um homem de negócios primitivo que entende economia com a cabeça de século 17. Não é que Trump não tenha lido Milton Friedman. Trump não leu sequer David Ricardo.

E este é o ponto que Mohamed El-Erian está fazendo. A expectativa era de que a economia americana ia aquecer. Agora a expectativa é de que os preços de produtos dentro dos Estados Unidos vão aumentar porque importação ficou mais cara, a inflação vai piorar, o comércio vai diminuir, o dólar vai desvalorizar. Tem gente que diz que o objetivo de Trump é esse mesmo, desvalorizar o dólar para deixar a moeda chinesa menos competitiva. Talvez até seja. Mas a consequência qual é? Ora, moeda desvalorizada é inflação. Talvez Donald Trump até goste daquela frase de Dilma Rousseff, gasto é vida. Talvez. Vá saber.

O fato é este. Estamos assistindo o governo americano mais não-americano da história recente. Um governo que não acredita naquilo que direcionou o país pelo menos nos últimos cem anos. E olha que a gente ainda nem falou de Elon Musk. Vamos?

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

No sábado, o Guilherme Werneck escreveu a capa da edição especial do Meio para assinantes. Ele usou um formato diferente. Chamou três grandes especialistas. A Izabella Kalil, antropóloga, e possivelmente uma das pessoas que melhor compreende esse Brasil periférico. O Vinicius do Valle, cientista político, um dos criadores do Observatório Evangélico. E o Renato Meirelles, fundador do Instituto Locomotiva, criador do DataFavela, um daqueles sujeitos que sabe o que este pedaço do Brasil pensa. Aí o Gui fez menos uma entrevista e mais um botou os três para conversarem sobre estes homens. O que pensam, o que sentem, quais seus valores. A gente fala pouco demais deles que, em São Paulo, votaram em peso no Pablo Marçal. A gente precisa entender esses caras. Vale muito ler. É só assinar o Meio. Vai. Baratinho. Um chope por mês.

E este? Este é o Ponto de Partida.

Um dos exemplos mais interessantes desse abalo econômico está diretamente ligado a Elon Musk, o homem responsável por demissões de funcionários públicos. As ações da Tesla caíram mais de 15%. Isso é uma violência. O preço de mercado da companhia caiu 45% desde dezembro. O problema, aí, não é só da economia. A Tesla está vendendo menos carros. Suas vendas caíram 71% na Alemanha, 45% na França. A análise do banco UBS é de que essa queda vai persistir nesse ano. Só que isso não é normal. A venda de carros elétricos aumentou quase 15% no ano de 2024 em todo o mundo. A venda de carros Tesla diminuiu 2%.

O problema é político, não tem nada a ver com produto. Não é à toa que tem um bando de gente colando aquele adesivo “comprei esse carro antes de o Elon enlouquecer” para botar nos seus Teslas. A empresa cresceu com uma massa de subsídios do estado da Califórnia e do governo americano e tornou sexy a ideia de carro elétrico. As pessoas achavam que carros elétricos eram feios, pouco potentes e ineficientes. Musk criou uma rede de abastecimento nos Estados Unidos e na Europa, fez carros bonitos que vão de zero a não sei o quê em segundos, e como duram as baterias. Elon Musk é o sujeito responsável por criar o mercado para carros elétricos. Agora Toyota faz, BMW faz, Volkswagen, GM, Mercedes, Ford, todo mundo. Para não falar dos chineses, como a BYD, que está explodindo em todo o mundo. Este mercado está expandindo. Musk o criou sozinho. Por que, com a vantagem que tem de ter começado, está diminuindo?

Donald Trump, ontem, publicou nas suas redes que a esquerda malvada está boicotando Musk e que ele próprio vai, pessoalmente, comprar um Tesla. Quer incentiva os bons americanos a fazerem o mesmo. Tudo muito bacana, só tem um problema. Quem compra carro elétrico é aquele tipo de gente que, sabe, quer evitar jogar carbono na atmosfera porque acredita que o mundo está vivendo uma crise climática gravíssima. Estes não são os eleitores trumpistas. São os outros eleitores. É justamente a turma que tem vergonha de dirigir um carro feito pelo bilionário aloprado que está ajudando Trump a desmontar o Estado americano. A desmontar, cá entre nós, a democracia americana.

Musk não está bem. Ele tem pouco mais de 12% das ações da Tesla, isso é um bocado, mas está vendendo papeis. Está vendendo na baixa. Não tem escolha porque, conforme o valor de mercado da companhia diminui, ele precisa apresentar para os bancos com quem tomou dinheiro emprestado para comprar o Twitter outros colaterais. Ele precisa botar grana viva na mão deles. Então ele vai vendendo, vai vendendo. E essa é uma empresa com capital aberto, com conselho de acionistas, e vai abrindo ali a possibilidade de uma revolta. Vai ter uma gente dizendo “você está prejudicando a empresa mais do que ajudando”. Se isso acontecer, Musk pode ser demitido do comando da empresa que ergueu.

E, olha, James Carville não está errado, sabe? Não quer dizer que sua previsão vai dar certo. Mas se Trump de fato meter os Estados Unidos numa recessão ainda no primeiro ano de mandato ao mesmo passo que corta os parcos recursos da teia de apoio social, isso vai dar problema. Sua popularidade já começou a cair.

É certo que Trump não termina o mandato? Não, não tem nada de garantido nisso. Tem muito tempo pela frente. Mas ele está se esforçando para ser defenestrado desde o dia zero como nenhum presidente fez no tempo recente. A gente falou de economia, né? Não falamos de prisões ilegais, não falamos de um ataque à pesquisa que é o coração da indústria tecnológica americana, não falamos de ameaças de rompimento com países amigos, e só arranhamos o tema do desmonte do Estado. Deixa eu contar um segredo: funcionários públicos fazem falta, principalmente quando deixam de existir. Todo mundo precisa de funcionário público uma hora ou outra. Sim, não é só esquerda que sabe disso. Nós liberais também sabemos. Quem é que não sabe?

Donald Trump não tem medo de usar seu poder. Não tem medo de cara feia. Arrogância demais é tiro no pé.

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