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Os principais pontos da denúncia da PGR contra Bolsonaro

“A responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recai sobre organização criminosa liderada por Jair Messias Bolsonaro, baseada em projeto autoritário de poder.” Esse é um dos fragmentos iniciais da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 18. Logo nos primeiros trechos do documento de 272 páginas, cunha-se o ex-presidente como a peça central, a liderança que orquestrou o projeto de implodir a democracia brasileira. Pelas ações encadeadas que culminaram no rompante, e pela tentativa em si, Bolsonaro é acusado de cinco crimes: golpe de Estado, liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito, dano qualificado à União e deterioração de patrimônio tombado. Caso condenado, sua pena pode ultrapassar 30 anos de prisão.

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Mas não está sozinho. Outras 33 pessoas são apontadas como operadores do complô, cujo objetivo era garantir que o então chefe do Executivo permanecesse no Poder — ou retornasse a ele “pela força, ameaçada ou exercida” — contrariando a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definida nas urnas. “Aqui se relatam fatos protagonizados por um Presidente da República que forma com outros personagens civis e militares organização criminosa estruturada para impedir que o resultado da vontade popular expressa nas eleições presidenciais de 2022 fosse cumprida, implicando a continuidade no Poder sem o assentimento regular do sufrágio universal”, segue o material. Nele, de maneira cronológica e detalhada, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, esclarece os passos que estruturaram a tentativa golpista. Tudo começou antes mesmo das eleições presidenciais, e as investidas não cessaram nem com a posse de Lula, segundo o PGR. Entenda a denúncia: 

Como a denúncia foi estruturada? 

Para otimizar o andamento dos processos, Gonet separou os 34 denunciados em cinco núcleos de atuação e, consequentemente, fatiou as acusações em cinco peças. Bolsonaro integra o núcleo central, cujo julgamento deve ocorrer primeiro. Confira quem está em cada grupo:

Alto escalão
No alto escalão estão os mentores e líderes de toda a trama. São eles:
Jair Messias Bolsonaro;
Alexandre Ramagem;
Almir Garnier Santos;
Anderson Gustavo Torres;
Augusto Heleno Ribeiro Pereira;
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira;
Mauro César Barbosa Cid;
Walter Souza Braga Netto.

Coordenação de ações elaboradas pela organização:
Nesta categoria, estão os integrantes que organizavam as ordens recebidas pelo alto escalão, cada qual com sua função:
Silvinei Vasques, coordenação do emprego das forças policiais;
Fernando de Sousa Oliveira, coordenação do emprego das forças policiais;
Marília Ferreira de Alencar; coordenação do emprego das forças policiais;
Filipe Martins, apresentou o projeto de decreto que implementaria o golpe no país;
Marcelo Costa Câmara, coordenação de monitoramento e neutralização de autoridades.
Mário Fernandes, coordenação de monitoramento e neutralização de autoridades. 

Operações estratégicas de desinformação:
Entre os responsáveis pela propagação de fake news e ataques virtuais estão:
Ailton Gonçalves Moraes Barros;
Ângelo Martins Denicoli;
Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho;
Reginaldo Vieira de Abreu;
Carlos César Moretzsohn Rocha;
Giancarlo Gomes Rodrigues;
Marcelo Araújo Bormevet;
Guilherme Marques de Almeida.

Braço operacional:
Aqueles que conduziam e executavam ações coercitivas, táticas e de campo:
Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira;
Hélio Ferreira Lima;
Rafael Martins de Oliveira;
Rodrigo Bezerra de Azevedo;
Wladimir Matos Soares;
Bernardo Romão;
Cleverson Ney Magalhães;
Fabrício Moreira de Bastos;
Márcio Nunes de Resende Júnior;
Nilton Diniz Rodrigues;
Sérgio Cavaliere;
Ronald Ferreira de Araújo Júnior. 

Entenda a cronologia apresentada pelo documento:

2021, o golpismo ergue a voz
Antes mesmo de 2021, conforme registrou Gonet, Bolsonaro já atacava o sistema eleitoral e os demais Poderes. Porém, foi no ano anterior às eleições que o tom golpista se intensificou, incorporando em seus discursos a possibilidade de romper com o Estado Democrático de Direito. Segundo a acusação, “a escalada ganhou um impulso mais notável” com a tentativa de anular as condenações de Lula, tornando-o elegível novamente. Em 22 de março de 2021, “pouco depois de Lula superar a causa de inelegibilidade” e no dia seguinte ao aniversário de 66 anos de Bolsonaro, seu grupo de apoio “que formara o núcleo da organização criminosa” começou a considerar afrontar abertamente o Supremo. Com a crescente popularidade do petista e sua virtual candidatura, o plano era manter Bolsonaro sentado à cadeira presidencial a qualquer custo.

Inicialmente, o planejamento envolvia espalhar a ideia de fraude eleitoral, baseada na falácia de insegurança das urnas eletrônicas, deslegitimando uma possível vitória de Lula e abrindo caminho para depor o governo eleito. Além disso, a estratégia previa desobedecer decisões judiciais contrárias ao Executivo, incluindo a prisão de agentes públicos que cumprissem ordens judiciais. A PGR detalha que, “o termo inicial dos atos executórios pôde ser identificado, uma vez que a organização criminosa documentou seu projeto de retenção do poder. Durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens revelando a ruptura da ordem democrática”. Ainda assim, as bravatas de Bolsonaro eram esporádicas, o plano ensaiava deixar o papel.

Mas, em 29 de julho de 2021, o Brasil assistiu à “live bomba” do presidente, prometendo apresentar provas de fraudes eleitorais. Ali, despejou mentiras e colocou em curso o propósito de não aceitar o resultado das urnas. “A partir de então, os pronunciamentos públicos passaram a progredir em agressividade, com ataques diretos aos poderes constituídos, a inculcar sentimento de indignação e revolta nos seus apoiadores e com o propósito de tornar aceitável e até esperável o recurso à força contra um resultado eleitoral em que o seu adversário político mais consistente triunfasse.” Em 10 de agosto, a Câmara puxou o debate para dentro da Casa, analisou a mudança na votação e decidiu manter o sistema eletrônico, por 229 votos contrários à alteração e 218 favoráveis, bem abaixo dos 308 necessários. Mas o governo não se contentaria com a decisão legislativa.

No mês seguinte, Jair Bolsonaro desceu de helicóptero na Avenida Paulista, em São Paulo, nos festejos cívicos do 7 de setembro e foi ovacionado quando, no microfone, disparou que não mais obedeceria as ordens do STF. Não se tratava de “um mero arroubo impensado e inconsequente”. “Já então, o grupo ao redor do Presidente houvera até mesmo traçado estratégia de atuação em prol do seu líder, incluindo plano de fuga do país, se porventura lhe faltasse o apoio armado com que contava”. À medida que o pleito se aproximava, a ordem era ampliar os ataques às urnas.

2022, o pré-eleitoral
Em julho do ano eleitoral é convocada uma reunião ministerial. A ordem aos membros do governo não é outra, senão: ampliar o ataque às urnas e a difusão de desinformação sobre Lula. Na reunião, registrada em vídeo encontrado no computador do tenente-coronel Mauro Cid, é citado o “uso da força” como alternativa para impedir que o petista subisse a rampa do Palácio do Planalto. Em resposta, o ex-ministro general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência diz, em alto e bom som: “o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”. Para Gonet, a fala deixa explícito o teor golpista do encontro.

Sabendo que, para que a ruptura institucional se concretizasse, o Brasil precisaria de apoio da comunidade internacional, Bolsonaro partiu para o desafio de dar contornos legítimos ao golpe, segundo a PGR. Convocou para o mesmo mês a reunião com embaixadores e representantes diplomáticos para desacreditar as urnas eletrônicas. A comunidade internacional não o levou a sério, parecia “um lance eleitoreiro”. Embora, “a partir da trama desvendada no inquérito policial”, tenha se mostrado “um passo a mais na execução do plano de solapar o resultado previsto e temido do sufrágio a acontecer logo adiante”.

2022, o pleito
Já no segundo turno das eleições presidenciais, quem entra em ação é a Polícia Rodoviária Federal (PRF) sob o comando de Silvinei Vasques. As investigações indicam que órgãos de segurança do Ministério da Justiça foram ilegalmente mobilizados para mapear os locais onde Lula obteria maior apoio eleitoral. Nestas localizações, a PRF deflagrou operações visando dificultar o acesso dos eleitores às zonas eleitorais. A ação acabou esvaziada por Moraes, ministro do STF e então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e a eleição seguiu seu curso. Naquele 30 de outubro, às 19h57, Lula foi eleito presidente pela terceira vez com 48,43% dos votos totais, contra 43,2%. Mas a tentativa golpista estava longe de terminar.

O pós-eleição
“As eleições haviam sido irrepreensíveis, do ponto de vista da sua realização técnica. Apesar disso, a acusação de fraude persistia. Esta era a forma de manter a militância do Presidente da República animada, pedindo intervenção militar, em famigerados acampamentos montados em frente a quartéis do Exército em várias capitais do país. O que se pedia – diga-se – nada mais era do que um golpe militar.” A denúncia continua ponderando que as ações que se seguiriam seriam ainda mais graves. De um lado, integrantes do plano golpista alimentavam a narrativa de fraude, insuflando a população. Do outro, articulavam.

Em novembro, oficiais do Exército, auxiliares de Comandantes de Regiões e de setores estratégicos, que tinham em comum o vínculo com os kids pretos, se uniram para debater meios de convencer a alta cúpula do Exército a aderir ao golpe em curso. A peça da PGR demonstra o envolvimento de Bolsonaro com o grupo: “a denúncia reporta num dos seus capítulos que o general que comandava o batalhão de kids pretos, chegou a assumir, perante o Presidente, que, se este assinasse ato formal de rebeldia contra a ordem constitucional, ele o apoiaria, a significar que estaria disposto posicionar o Exército em modo apto para consumar o golpe. Foram concebidas minutas de atos de formalização de quebra da ordem constitucional.” E a reação do presidente? “À época chegou a apresentar uma delas (minutas), em que se cogitava a prisão de dois ministros do Supremo Tribunal Federal e do Presidente do Senado Federal. Mais adiante, numa revisão, concentrou a providência na pessoa do Ministro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.”

Sobre o “Punhal Verde e Amarelo”, Gonet esclarece que Bolsonaro tinha ciência do projeto arquitetado para assassinar o recém-eleito presidente, seu vice Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes: “o plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República (Jair Bolsonaro), que a ele anuiu”. As ações deveriam ser executadas em 15 de dezembro, os preparativos estavam completos, mas os operadores o realizaram por não terem conseguido, “na última hora”, cooptar o Comandante do Exército. “A frustração dominou os integrantes da organização criminosa que, entretanto, não desistiram da tomada violenta do poder. […]. A última esperança da organização estava na manifestação de 8 de janeiro. Os seus membros trocavam mensagens, apontando que ainda aguardavam uma boa notícia.”

8 de janeiro
A denúncia da PGR aponta a possível conexão de Bolsonaro com os atos de 8 de janeiro. De acordo com a acusação, Mário Fernandes, que era chefe substituto da Secretária-geral da Presidência, atuou como intermediário entre o governo e os apoiadores do ex-mandatário, e fotos encontradas em seu celular confirmam sua presença em acampamentos em frente ao quartel-general do Exército em diversas ocasiões. Além disso, o documento revela que Bolsonaro recebeu uma mensagem de Maurício Pazini Brandão, major-brigadeiro da Aeronáutica, que falava sobre um plano envolvendo contribuições da equipe do ex-presidente e mencionava o alto grau de motivação da “tropa”. A denúncia também destaca que o clima de instabilidade pós-eleitoral foi resultado de um esforço contínuo para incitar a intervenção militar e espalhar a falsa narrativa sobre as urnas eletrônicas. De acordo com Mauro Cid, Bolsonaro incentivava a população a acreditar em um possível golpe, e por isso não tomou medidas para desmobilizar os manifestantes que permaneciam acampados em frente aos quartéis, com apoio dos comandantes das Forças Armadas. Respaldado pelo clima golpista que permeava o governo, dias antes do fatídico 8 de janeiro, o próprio Cid fomentou a esperança de um interlocutor. Em 26 de dezembro, questionado “se vai ser mesmo feito o churrasco”, ele afirmou que a carne estaria “no ponto de honra!” e que “nada está acabado ainda da nossa parte”. Em delação, revelou que a expressão “churrasco” era codinome utilizado para o golpe de Estado. Até o momento, 284 pessoas já foram condenadas pelo STF por envolvimento nos atos.

Quais são os próximos passos?
Com a denúncia formalizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro, o caso agora segue para o Supremo Tribunal Federal (STF). O relator, ministro Alexandre de Moraes, abrirá um prazo de 15 dias para que a defesa dos acusados apresente suas respostas e possíveis questionamentos. Se houver contestações, a PGR terá mais cinco dias para se manifestar sobre as objeções. Após esse período, Moraes fará uma análise detalhada dos argumentos e, se o caso estiver pronto, encaminhará para julgamento na Primeira Turma do STF, onde os ministros decidirão se transformam os denunciados em réus. Caso a denúncia seja aceita, o processo seguirá com a coleta de provas e depoimentos, e será nesse momento que as defesas poderão solicitar investigações complementares. Somente após a fase de instrução, quando todas as provas forem reunidas, o relator poderá preparar seu voto e levar o caso a julgamento, mas ainda não há data certa de quando isso ocorrerá. Segundo analistas, a previsão é que se alongue para o segundo semestre.

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