Curitiba, 40ºC
Algo como um treinamento militar estratégico de elite para sobrevivermos aos infernos que vêm pela frente. Hot Yoga em 2025 tem um tom diferente. É treinar para fazer yoga na praia de Malibu enquanto Malibu pega fogo. E você ali, na areia, entoando “ohmmmm.” Fim de mundo e você tranquila.
Isso que pensei enquanto caminhava para a aula de hot yoga que ganhei de presente. Fui, ainda, porque meu amigo recebia e-mails avisando que o presente ia vencer. Que inconveniência a tecnologia nos dias de hoje. Pelo menos é perto de casa, um passeio leve a pé. Ah, é, to andando em direção ao fogo – me lembro. Em pleno verão de Curitiba, chovendo. Deveria se chamar inferno yoga. Quem se mete numa sala de 40ºC, úmida, por prazer? Pensei que as fotos no Instagram ou eram de modelos pagos ou que aquilo não era yoga de verdade. Esse julgamento humano que temos dentro de nós de nos sentirmos superiores. A minha yoga em casa no ar condicionado é mais correta (e mais confortável).
Com certeza isso é um dos negócios que vão prosperar conforme a crise climática avançar. Todo mundo vai precisar saber se movimentar nos 40ºC. Suar durante a yoga com o objetivo de imitar o clima da Índia é sacanagem. “Os sábios milenares praticavam os asanas nessa condição!” Até pesquisei. A média de temperatura na Índia só atinge os 40 graus em junho e olhe lá. Indianos só praticam yoga de “verdade” então em uma estação? Me poupe.
Me vejo na metade da jornada e começo a sentir vergonha. E se eu entrar lá e desmaiar no meio? Andar no calor do Rio de Janeiro já é demais para mim, imagina fazer vinyasa enquanto me fritam. Mandei aquela mensagem para minha mãe “me dá forças que vou dar meia volta.” Cheguei no estúdio. Me apresentam o lugar, me mostram onde ficam as bananas (mas já tomei café da manhã) e apontam para A Sala. No meio dos ruídos das outras aulas de funcional e professores gritando, uma porta entreaberta, com meia-luz, dando para olhar só um pedacinho. Rapaz. O inferno saía dali, eu tenho certeza. Por aquela fresta emanava o calor de quinze demônios em fúria. Ou talvez dezesseis. Tirei os sapatos, deitei no meu tapete. Pensei, se é para morrer, vamos morrer deitadas.
A professora começa a aula, pede para fecharmos os olhos. Sigo deitada, em savasana, de olhos fechados — ouvindo as instruções para deixar minha coluna mais ereta. Minha querida, eu estou deitada, como minha coluna pode estar errada? Ela pede para levantarmos o peito. Que pose é essa? Faço yoga há três anos e nunca vi essas modificações na savasana. Entoamos o ohm e ela pede para abrirmos os olhos. Ah tá. Todos os alunos estavam sentados. Primeira vergonha passou, me sinto mais leve para errar no futuro próximo.
Começa a aula. Tomo um gole da minha água gelada como se aquilo fosse congelar o meu interior e me dar forças para a próxima hora de suplício na brasa. As luzes lembram o inferno, inclusive. É tudo laranja, numa luz até que sensual. Mas duvido que a queima das almas tenha tanto cheiro de capim limão. Começa a vinyasa. Aquela repetição toda, levanta, abaixa, cachorro olhando para baixo, para cima, levanta e abaixa, repete.
No fim da segunda vinyasa, pensei: É isso. É aqui que eu vou morrer. Me negando a sair da sala por orgulho e morrendo toda suada. Será que o SAMU me secaria com a toalha daqui mesmo ou levam molhada? Quinta vinyasa. Sexta vinyasa. De repente vejo meu corpo contra a quase inexistente claridade emitida por abajures de chão. Estou completamente reluzente de suor, que nojeira. Abaixo a cabeça para mais uma pose e cai o equivalente a um copo de bar de suor na minha boca. Cara, esse é um gosto que eu não queria conhecer com tanta intimidade. Mas seguimos.
De repente engatamos um flow, repetição, silêncio, todos respirando em conjunto. Ah, até que está palatável agora. Pisquei e estou deitada para os alongamentos no chão. Sem mais suor no olho, no nariz, na boca. Chegou a savasana (a certa agora) final. A professora pede para relaxarmos, deixarmos tudo ir e coloca o item mais valioso do mundo em minhas mãos. Uma máscara de gelo para os olhos. Como pode uma máscara me fazer lacrimejar de felicidade? Ou será que foi a yoga? Acabou a savasana. Vai, levantem para viver a vida e namastê.
Levanto devagar, me espreguiço, retiro minha toalha. Agora eu saía da porta que emanava a ardência do inferno e sou recebida num mundo de verão que parece inverno. A salvação de uma alma resgatada para os céus, purificada. Uma sensação de que o que experimentei foi religioso e meu corpo está limpo (definitivamente não). Tocada pelo vento na saída da porta, zonza pela perda de líquidos e cansadérrima de ficar na brasa tal qual um espetinho, só chego a uma conclusão: vou voltar na semana que vem.