Brasil pode ter ‘recessão técnica’ em 2025, afirmam especialistas
Dia 27 de novembro de 2024. Um pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), já estava anunciado. Após semanas de debates internos e reuniões, ele finalmente apresentaria à nação um pacote fiscal para conter as despesas do governo federal para tentar atingir o objetivo de zerar o déficit fiscal primário, quando as receitas e despesas estão equilibradas, sem considerar o pagamento de juros da dívida pública.
No entanto, durante a tarde, apurações jornalísticas davam conta de que além do corte de gastos, seria anunciada também a proposta de isentar o pagamento de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. Foi o suficiente para o dólar chegar a R$ 5,91 naquele dia e fechar em 2024 em R$ 6,18.
“Historicamente, sempre vivemos períodos de problema fiscal, sempre teve um grande problema em equalizar despesas com receitas. Mas o mercado hoje tem uma preocupação muito maior, porque antes o mundo tinha juros que rodavam a zero e você possuía, no Brasil, um diferencial que era uma taxa de juros atrativa, então muitas vezes esse risco fiscal era compensado pelo fato do mundo todo rodar em juros zero. Só que agora você tem um mundo que tem oferecido bons retornos”, afirma Alex Martins, analista-chefe do TC, ao explicar a crise de confiança do mercado financeiro com o governo. Hoje, por exemplo, a renda fixa americana oferece retorno entre 4,25% e 4,50% ao ano em dólar, o que fortalece ainda mais a moeda americana frente a moedas emergentes como o real.
Além disso, Martins pontua que a alta do dólar e dos juros, com a desconfiança fiscal, já tem efeitos práticos na vida das pessoas. E, para ele, o maior impacto é para quem buscar um empréstimo. Isso porque os financiamentos não tomam como base necessariamente a taxa básica de juros, a Selic, definida pelo Banco Central (BC), mas a curva de juros. “Hoje você tem um BC que provavelmente tem a intenção de encerrar a Selic perto de 14,5% ou até abaixo de 15%, mas uma curva de juros que precifica 16%”, completa. Na próxima quarta-feira (29), a autarquia monetária anuncia a nova taxa de juros. Em dezembro, os juros foram aumentados em 100 pontos-base para 12,25% e foram prometidos mais dois aumentos de mesma magnitude, o que levaria a Selic para 13,25% em janeiro e 14,25% em março.
Inclusive, para Alex Martins, os juros elevados podem levar o país a uma desaceleração mais forte do que a esperada e eventualmente até mesmo a uma recessão técnica, quando o Produto Interno Bruto (PIB) recua por dois trimestres consecutivos. Essa tese é reforçada pelo economista André Perfeito, mas ele complementa que os juros altos viriam em momento de alta alavancagem, isto é, com pessoas e empresas dependendo de dívidas para pagar contas ou investir e uma mudança no cenário macroeconômico pode afetar negativamente. “Vai ter uma desaceleração econômica e mais forte ainda. Vai ser menos de 2,5% [o crescimento econômico], deve ser 1% o PIB deste ano, na minha opinião”.
Por isso, Perfeito acredita que Gabriel Galípolo, novo presidente do Banco Central, indicado pelo presidente Lula, não fará grandes alterações na Política Monetária brasileira e que vai “seguir com o manual embaixo do braço. Fazer o que o Campus Neto [ex-presidente do BC] fazia”. Já Leandro Torelli, coordenador do curso de Teoria e Análise Econômica da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), ainda considera incerta a postura do novo banqueiro central. “Se olharmos para o Galípolo acadêmico, aquele que publicou livros com o economista heterodoxo Luiz Gonzaga Belluzzo, podemos esperar uma atuação mais desenvolvimentista. Entretanto, se olharmos para a sua atuação no Copom, observamos certo alinhamento com a condução da política monetária de Campos Neto, focada exclusivamente numa leitura monetarista de controle da inflação. Se eu tivesse que apostar, acredito que poderemos ver uma atuação mais equilibrada entre esses dois caminhos”.
Sobre o patamar atual da atividade econômica, Torelli aponta um crescimento surpreendente do PIB, com margens acima de 3%, mas que a manutenção desse crescimento depende de muitos fatores externos e internos. Da porta para dentro, um aspecto importante, para ele, seria a retomada de investimentos em infraestrutura e políticas sociais. “Mas o constrangimento fiscal, ainda mais com os juros nas alturas, é um empecilho importante”, diz. O professor afirma que taxa de desocupação, próxima dos 6%, é um dado excelente, mas que pode provocar dois movimentos: o do mecanismo salários-preços pressionar a inflação e de haver um acirramento do conflito distributivo, que “na história econômica brasileira, é sempre uma questão política decisiva”. Assim, segundo o professor, a sustentabilidade dessa curva ascendente da economia depende também de aspectos políticos.
Falando em política, na última semana, um aspecto entrou de vez na discussão do governo – e em grande medida já fazia parte da insatisfação da sociedade – sobre a inflação dos alimentos. A inflação geral, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ficou em 4,83%, acima do teto da meta de 4,5%. Mas no grupo de Alimentos e Bebidas, a subida foi de 7,69%. Por isso, a percepção de bem-estar e prosperidade da população fica comprometida. Ministros e o presidente Lula já discutem medidas para mitigar essa alta, em meio a noção, justamente, de desaceleração da economia, o que pode afetar os indicadores de emprego e piorar ainda mais o poder de compra da população.