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‘A Colina do Cão’ traz uma Polônia sombria à Netflix

Uma das muitas vantagens que a Netflix proporcionou – e que ainda é sua principal diferença em relação aos demais serviços de streaming – foi abrir para o público um leque diverso de produções para além dos filmes e séries dos Estados Unidos, praticamente a única opção na TV brasileira, mesmo por assinatura. Para quem gosta de séries e filmes de mistério e crime, é uma prazer descobrir diferentes linguagens que não envolvam perseguições com carros e muitos tiros, mesmo quando são violentas. Há uma “escola” francesa de séries policiais (O Bosque, A Louva-a-Deus, Labirinto Verde etc.), uma alemã, uma escandinava e, particularmente notável, uma polonesa, com títulos como Nas Montanhas da Coruja, Silêncio na Floresta e Rojst.

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O mais recente acréscimo a essa boa lista é A Colina do Cão, que estreou no último dia 8. A primeira cena pode nos levar, erroneamente, a pensar de se trata de uma trama sobrenatural, com uma idosa em um elaborado traje de luto a céu aberto nos avisando que aquela é uma história sóbria em que irmão mata irmão. Mas não, nada há de místico ou irreal na história de Mikolaj “Palmito” Glowacki, um adolescente rebelde que entra em desespero ao saber que a namorada foi violentada e morta na floresta em torno da cidadezinha de Zybork, onde vivem. Ao que tudo indica, o assassino foi o próprio irmão dela, deficiente mental.

Passam-se 18 anos e Mikolaj volta para casa com a esposa, a jornalista investigativa Justyna. Ele agora é um escritor de sucesso, e seu livro mais famoso é justamente uma versão ficcional do crime, carregando nas tintas do ambiente opressivo da cidade e do caráter dúbio dos habitantes. Foi sua forma de exorcizar o trauma, mas não lhe rende sorrisos de boas-vindas, a começar pelo pai, Tomasz, cujo aniversário serve de pretexto para a visita.

Mas é apenas um pretexto mesmo. O que o leva de volta para a cidade é um cartão postal enviado do manicômio judiciário por Sebastian, apelidado de Gizmo, o irmão assassino de Daria. “Conte a verdade”, diz a mensagem. Mas há de cara uma mentira com a qual Mikolaj se depara: com um comportamento dócil (fora o crime), uma tendência a catatonia e a mentalidade de uma criança pequena, Gizmo jamais poderia ter escrito e enviado o cartão. Alguém ali está provocando o escritor, que será forçado a ficar mais do que gostaria, especialmente após um assassinato. Ao mesmo tempo em que “vê” Daria em toda parte – não, não é um fantasma.

Uma das coisas que a série nos mostra é que são poucos os problemas realmente específicos de um povo. Gentrificação, racismo (no caso, contra ciganos, mesmo estes sendo ricos), drogas, simbiose entre crime organizado e grandes empreendimentos empresariais, alimentando a (e se alimentando da) corrupção política e policial etc. Com ligeiras variações de contexto, tudo o que acontece na pequena Zybork pode ser visto em qualquer cidade.

Da mesma forma, quase ninguém é linear. O rude Tomasz, que jamais demonstrou amor pelos filhos do primeiro casamento, é ao mesmo tempo líder de um movimento contra a “realocação” de uma comunidade pobre para a construção de um hotel de luxo financiado pela máfia alemã. Muito do tormento de Mikolaj é responsabilidade dele mesmo. Justyna, um dos personagens mais fascinantes e importantes da trama, é obsessiva com a ética de seu trabalho, mas também tem esqueletos no armário – melhor dizendo, na caixa de mensagens.

Com cinco episódios de uma hora de duração, A Colina do Cão tem como pontos mais fortes a trama e a construção dos personagens, embora seja importante destacar a ousadia estética da forma como a noite crime é vista pela ótica peculiar de Gizmo. Vale uma maratona, mas é preciso um alerta para quem não viu os títulos citados anteriormente: os poloneses aparentemente não se preocupam com finais felizes.

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