Braga Netto é só o primeiro
Vamos lá, gente: não é verdade que o general Braga Netto seja o primeiro general preso na história. Não é verdade, nem, que seja o primeiro general quatro estrelas preso. Ele não foi, sequer, o primeiro general preso por ter tentado dar um golpe de Estado que fracassou. A lista é longa de generais no passado. De quatro estrelas e, até, de cinco estrelas. Sim, o Brasil teve generais de cinco estrelas, pois é. Um monte de gente nas redes sociais dizendo isso. É falso.
Mas nada disso quer dizer que Walter Braga Netto não seja um exemplo. Nada disso quer dizer que não exista muito ineditismo na decisão do Supremo. Vou além: o que está acontecendo agora, no Brasil, com a punição dos militares do jeito que ela está acontecendo, é um marco histórico fundamental.
História é importante. História faz com que tenhamos chegado a este ponto, em que um presidente da República cogitou um golpe militar. Faz com que cheguemos ao ponto em que militares cogitaram embarcar no golpe. Em que alguns deles de fato embarcaram. Essa é uma história que envolve prisões. Mas que tipo de prisões? Em que circunstâncias?
Porque, veja, a prisão pode ser uma arma da democracia para sobreviver. Uma prisão pode vir pela lei. Mas pode, também, ser um instrumento de abuso numa briga de facções. Pode, igualmente, ser uma tentativa frustrada de impor poder quando ele está se esvaindo das mãos. E este é um ponto.
Braga Netto foi preso porque o tenente-coronel Mauro Cid, em sua última delação, o acusou de ter pressionado seus pais a dar informações sobre o que ele teria dito à Justiça. Um dos objetivos de prisões preventivas é justamente esse: impedir que um dos réus, um dos investigados, interfira no curso natural da Justiça. Réus não podem combinar a história que vão contar, um réu não pode ameaçar o outro, não pode fazer promessas em troca de mudança de depoimentos, não podem um monte de coisas. A Polícia Federal acusa o general de ter tentado impedir que a investigação soubesse de certos detalhes. Se ele faz isso, há um risco para a Justiça que seja solto.
Como a prisão é preventiva, ele tem direito a uma cela mais confortável. Se fosse uma prisão definitiva, com condenação judicial, a coisa seria diferente. Está tudo limpo, como manda a lei. Bolsonaro, claro, foi ao Twitter. Ao X. “Há mais de 10 dias o ‘Inquérito’ foi concluído pela PF, indiciando 37 pessoas e encaminhado ao MP”, ele reclamou. “Como alguém, hoje, pode ser preso por obstruir investigações já concluídas?”
A resposta para o ex-presidente é simples. Enquanto o julgamento estiver em curso, podem aparecer informações novas. Não é difícil compreender. Se o general quer ficar pressionando outras testemunhas, que poderiam por exemplo voltar atrás em seus depoimentos, então ele atrapalha. Bolsonaro sabe de tudo isso. Claro que sabe. Ocorre que precisa jogar o discurso que os bolsonaristas vão ficar repetindo por aí nas redes.
Bolsonaro, também, precisa passar para Braga Netto que ele está ali. Que eles estão juntos. Sabe por quê? Porque, logo no início da confusão, quando o inquérito começou a ser divulgado, a defesa do ex-presidente sugeriu que os generais teriam agido por conta própria, que ele não sabia de nada. Que tipozinho pusilânime Bolsonaro é, viu? Vou te contar.
Pusilânime é a palavra. Quer dizer covarde, sem nenhum norte moral. Não assume responsabilidade por nada. Larga os soldados pelo caminho.
Braga Netto sabe disso. O que faz tanta gente seguir um sujeito que já mostrou ao longo da vida tanta disposição para meter uma facada pelas costas é algo que me escapa por completo. Mas não tem jeito. O general Augusto Heleno o seguiu, e Braga Netto embarcou. Problema deles. O nosso problema, o da sociedade brasileira, é só um. Que se faça a Justiça. Com tranquilidade.
Bolsonaro está acenando desesperado por Braga Netto porque, neste momento, o general está preso e preso deverá ficar ao longo de 2025. Prisão, mesmo que tenha ar-condicionado, segue sendo prisão. Um dia após o outro no mesmo lugar. Sem poder andar. Sem poder ir. Prisão é um lugar solitário que só. E o general sabe que Bolsonaro, se sentir que as coisas apertam, vai tentar jogar tudo pra cima dele. Então ele precisará tomar uma decisão. Se delata. Se diz algo que a Justiça não sabe. Se preenche as lacunas. Delação funciona assim: quem sabe, fala. Quem falar primeiro tem mais vantagens que quem falar por último. E delação funciona pra cima, não pra baixo. Braga Netto tinha chefia. O ex-presidente. Bolsonaro não tem a quem delatar. Se Braga Netto sentir muito fundo a prisão, a coisa pode piorar para muita gente por aí.
Pois é. Vamos falar de história e de presente. Como foi nossa longa história até chegarmos aqui.
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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
Marechal Hermes da Fonseca. Um marechal a gente não tem mais, mas é o cargo acima dos generais quatro estrelas. Aliás, quando você vai lá no RH do Exército, sempre que um oficial passa à reserva ele sobe de posto um nível. Os generais do alto-comando estão todos registrados como marechais. Braga Netto ganha como marechal seu soldo de reservista.
No dia 5 de julho de 1922, eclodiu a primeira revolta tenentista. Aconteceu simultaneamente em diversos estados do Brasil. A gente lembra essa revolta por causa dos Dezoito do Forte de Copacabana, mas aquilo foi um estrago bastante maior. O Palácio do Catete, que era o antigo Palácio do Planalto aqui no Rio, foi bombardeado. Imagina um golpe militar assim? Um quartel do Exercito, com um canhão gigante, lançando bombas contra o Palácio do presidente da República e contra o Ministério da Guerra. Pois é. Aconteceu. Um século atrás.
Hermes da Fonseca não era só marechal. Ele era o militar mais condecorado da história do Brasil. E era, ainda por cima, ex-presidente da República. Ele era o líder que inspirou a revolta dos tenentes. Naquele caso, o Exército estava dividido. Tinha generais legalistas, que ficaram com o governo, e teve a turma que ficou com Hermes. Ele foi preso. Ficou sete meses preso numa cela de Estado Maior. Recebia visita da mulher, dona Nair de Teffé, que aliás era uma das primeiras feministas brasileiras. Mas ficou preso.
Só que ele não foi preso pela Justiça. Foi preso por ordem do presidente Epitácio Pessoa e foi mantido preso pelo sucessor, Arthur Bernardes, porque o país foi posto em Estado de Sítio para aguentar o tranco da revolta. Então o presidente podia mandar prender quem quisesse. Hermes estava velhinho. Morreu menos de um ano após a prisão, poucos meses depois do habeas corpus.
Em 1955, dois generais foram presos depois de tentarem dar um golpe de Estado. Juarez Távora e Alcides Etchegoyen. Dois quatro estrelas. Foram presos por tentarem dar um golpe. Quem decidiu a prisão? Ordens do marechal, mais um marechal, Henrique Teixeira Lott. Lott deu o contra-golpe, talvez vocês conheçam essa história. Ele impediu que o golpe acontecesse, os golpistas queriam evitar que Juscelino Kubitschek, eleito presidente, tomasse posse. Igualzinho agora com Lula. Um golpe para evitar que o presidente devidamente eleito chegasse à presidência.
Agora, é isso. Foram presos por alguns dias, só. E foram presos por ordens de um militar de posição superior.
Em 1961, foi o Lott que foi preso. A história é até engraçada. Uma turma de militares queria impedir que, após a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart tomasse posse. Lott tentou dar outro contra-golpe, não rolou. Dessa vez, quem resolver o problema foram os políticos, um dos mais brilhantes políticos da história da República. Tancredo de Almeida Neves. Mas ali na confusão, o Exército achou que era o caso de prender Lott. Chegou então um oficialzinho para prendê-lo, o marechal deu uma descompostura no sujeito que marechal só podia ser preso por marechal. Não por isso. Voltaram lá aos militares, eles pediram desculpas e mandaram um marechal prendê-lo. Ficou pouco mais de um mês sem liberdade, alguns dois dias na Fortaleza da Laje, na Baía de Guanabara. É o mesmo lugar em que os inconfidentes de Minas foram presos. Prisão bem inóspita. De pedra e no meio do mar. Úmida que só.
Oficiais foram presos no passado. O que nunca havia acontecido é o que está acontecendo agora. Democracia de verdade funcionando. Percebem? A Polícia Federal fez uma investigação de dois anos. O caso está no Ministério Público que vai oferecer uma denúncia. Aí juízes, um colégio de juízes da mais alta corte do país, vão julgar. Julgarão com base numa lei que nunca tivemos. Uma de defesa da democracia.
Isto é novidade. Militares que tentam se impor à democracia sendo julgados pelo regime democrático. Isso mudou. E isso vale muito.