Belo retrato de uma ‘carreira do mal’
Em setembro de 2022, o quinteto novaiorquino Blue Öyster Cult (Spotify), uma lenda do rock pesado dos EUA, botou em prática um projeto adoravelmente maroto para comemorar os 50 anos de seu disco de estreia. Três shows seguidos com diferentes repertórios, cada um tendo como base um de seus três primeiros álbuns: Blue Öyster Cult (1972), Tyranny And Mutation (1973) e Secret Treaties (1974). Adorável porque, bem, eram shows do BÖC, ponto. E maroto porque, com canções diferentes em cada apresentação, não foram poucos os fãs que assistiram aos três shows, todos com ingressos esgotados.
Para coroar, os fundadores remanescentes – o vocalista e guitarrista base Eric Bloom e o guitarrista solo e vocalista Donald “Buck Dharma” Roeser – convidaram o baterista original (e também vocalista) Albert Bouchard a subir ao palco nas três noites para cantar as canções que interpretava nos ditos álbuns. O público amou, o artistas ficaram felizes, mas por que estender um pouco mais a celebração (e os lucros)?
Em outubro do ano passado chegou às plataformas e lojas 50th Anniversary Live – First Night, íntegra do primeiro show. Second Night saiu em agosto deste ano, e, nesta sexta-feira, a trilogia foi completada com Third Night, marcando também o cinquentenário do terceiro álbum. São duas horas e 16 minutos de um rock ao mesmo tempo pesado (para os anos 1970, claro) e muito sofisticado, tanto nos arranjos quanto nas letras.
Como foi dito, traz Secret Treaties na íntegra, o que significa pérolas como Subhuman, Dominace and Submission, Astronomy e Career of Evil, esta com letra da poeta e cantora Patti Smith, um dos nomes seminais da cena punk de Nova York e, durante algum tempo, casada com Allen Lanier (1943-2013), tecladista original do BÖC. O resto do repertório é formado por clássicos posteriores da banda, como Burning For You, Godzilla, Black Blade, Joan Crawford e, claro, (Don’t Fear) The Reaper, maior sucesso comercial do BÖC e faixa obrigatória na programação de qualquer rádio de rock clássico. Há espaço até para material recente, como Tainted Blood, cantada pelo jovem (em comparação com o resto da banda) tecladista e guitarrista Richie Castellano. Danny Miranda (baixo) e Jules Radino (bateria) completam a atual formação.
O álbum só não é irrepreensível por dois detalhes. O primeiro que a voz de Bloom já não é a mesma, soa mais aguda, mais frágil, bem perceptível em Subhuman, que já exigia muito dele cinco décadas atrás. O segundo é que, pela proposta da trilogia, ficaram de fora deste registro canções obrigatórias presentes nos dois primeiros álbuns, em particular (Then Came) The Last Days of May, uma das melhores interpretações de Buck Dharma tanto no vocal quanto na guitarra. Aliás, a performance do veterano guitarrista é um dos pontos altos de Third Night. Os 77 anos não pesam sobre seus dedos, como se nota no instrumental Buck’s Boogie. Sua voz, sempre mais contida também sofreu menos com o tempo. Enfim, um trabalho obrigatório para os fãs de hard rock e rock clássico.
Mas que não se pense nisso como um canto do cisne. Bloom e Buck desmentiram os boatos de uma despedida, já têm shows marcados nos EUA e na Europa para quase todo o ano que vêm e se declaram “na estrada para sempre”.