Galãs que não beijam de língua
Se você anda maratonando filmes natalinos de comédias-românticas mamão com açúcar, você deve ter reparado um sumiço. Depois dos 90 minutos de espera, construção de romance, tensão entre protagonistas, incerteza sobre o amor, onde estão os beijos molhados saborosos da conquista? A cena de agarração gloriosa após o casal, finalmente, estar junto?
Os galãs pararam de dar beijos apaixonados. Agora, bastam selinhos de um “verdade ou desafio.” As cenas com calor humano no meio de um cenário de inverno frio natalino se foram. A malemolência se foi.
A Netflix investiu — investir é uma palavra forte — num filme natalino com duas figuras da cultura pop: Lindsay Lohan e Ian Harding, Nosso Segredinho. Lohan está em filmes de Natal desde Meninas Malvadas (ah, elas cantam Jingle Bell Rock) e Ian Harding é conhecido de adolescentes que acompanharam Pretty Little Liars (2010). O drama lançado em 2010 envolvia um mistério em torno do assassinato de Alison DiLaurentis, uma menina de 15 anos. Ian Harding interpretava Ezra, um professor num romance proibido com uma aluna do último ano do Ensino Médio, a Aria — interpretada por Lucy Hale. O plot tem suas problemáticas, mas a série, para adolescentes e estrelando eles, era recheada de cenas apaixonadas amplamente replicadas pelo Tumblr. Beijos escondidos, cenas com insinuação de sexo mostrando Ian sem camisa e Lucy apenas de sutiã. A série também tinha personagens que aparentemente só podiam aparecer sem camisa na tela. Outro detalhe importante, a paixão não era reservada a heterossexuais, beijos lésbicos e agarração nervosa também tinham seu delicioso tempo de tela. O que fazia com que mais adolescentes comentassem e postassem o assunto pela internet. Por mais que o plot deixasse a desejar, o sentimento adolescente era muito bem representado. O desejo, as descobertas, o drama das redes sociais — que estavam no comecinho naquele ano.
Agora, em 2024, Ian Harding estrela o filme da Netflix como galã. Nosso Segredinho conta a trama de Avery e Logan, que se conhecem desde pequenos e se separam ao longo da vida. A história não importa muito. O que importa é que Harding, conhecido pelo papel de professor sexy em 2010, não tira a camisa no seu filme natalino. Os protagonistas abraçam mais o inverno e suas roupas pesadas do que eles mesmos. O casal, depois da longa espera, troca apenas um selinho ao final do filme. Um selinho. Do casal principal. Por que nos tornamos tão caretas 14 anos depois? Será que Perdidos na Noite levaria o Oscar de melhor filme hoje?
O que nos leva a outro filme, No Ritmo do Natal, que tenta ousar na narrativa ao tentar recriar um Magic Mike de Natal. Com outro galã conhecido de adolescentes, Chad Michael Murray, de One Tree Hill, interpretando o faz-tudo Luke. Mas falta coreografia, falta roteiro e falta sensualidade. A culpa não é dos protagonistas. São homens trincados, com direito a galã 60+, tirando a camisa e dançando com ferramentas ao som de músicas natalinas — mas o sexy acaba aí. No romance entre Luke e Ashley (Britt Robertson), o casal tem só duas cenas de beijo e nenhuma de sexo. O único beijo mais acalentado é quando Luke está sem camisa por ter terminado seu show de dança. Não tem nem implicação de cena sexual.
Se o problema é secura, então Um Amor Feito de Neve, um filme sobre um boneco de neve que vira um homem musculoso, deveria resolver o problema. Dustin Milligan interpreta Jack Snowman, que vêm a vida sem querer por conta de uma viúva deprimida. Olha, essa trama que trata de tragédia e luto, até vale a pena. Kathy Barrett, interpretada por Lacey Chabert, de Meninas Malvadas, tem uma jornada passando pela perda do marido, o luto, a dificuldade de aceitar um novo amor até abraçar seu boneco de neve vivo. Esse é o que mais perdoa por não ter cena de sexo — a classificação indicativa é 10 anos. Mas isso não impediu Jack de correr nu nas suas primeiras cenas e da cidade comentar sobre o seu corpo. O curioso é que Magic Mike natalino tem uma classificação de 12 anos. Mas esse também só tem um beijinho e não é de derreter de paixão.
O problema não está só em filmes temáticos, o problema é do cinema todo, de filmes adultos a comédias. Não só por Hollywood, mas pela Índia, Nova Zelândia e Reino Unido. As produções que seguem firmes e fortes com cenas de sexo severas são as europeias. Os adolescentes, aparentemente, não querem mais tantas cenas de sexo. Os filmes estão 40% menos sexuais segundo a Economist, e 63% dos adolescentes dizem que preferem histórias que foquem em amizade, enquanto 62% diz que conteúdo sexual não é necessário para uma história.
Scorsese que me perdoe, nem todo filme é cinema, mas os filmes não tão bons também refletem o que uma sociedade sente e deseja. No momento… parece que estamos numa falta global de desejo, explícito e subjetivo. De qualquer jeito, se você gosta de se aventurar na temática natalina com filmes invernais e cheios de neve, que nos fazem agradecer pelo verão, essas são sugestões divertidas dos lançamentos do ano. Mas agora você já sabe o que esperar — e o que não vai ter.