Quero conversar com bolsonaristas
Se você acha que o ex-presidente Jair Bolsonaro está sendo perseguido, que de alguma forma é injustiçado, quero conversar com você. Se você acredita que a libertação do presidente Lula foi um absurdo, se considera que vivemos uma ditadura do Supremo, acho que é importante conversarmos. Veja, não quero enganar você. Nós discordamos a respeito desses temas. Mas não, eu não sou uma pessoa de esquerda. Sou um liberal. Um liberal progressista, sim, mas certamente Lula está muito, muito distante de ser meu presidente ideal. Não sou social democrata, muito menos socialista. O que estou pedindo a vocês é só dez, doze minutos do seu tempo.
Mesmo que a gente discorde, é importante conversarmos. Meu objetivo não é te convencer de absolutamente nada. Não quero que você mude de opinião. O objetivo é outro. É que você compreenda como gente como eu lê o que aconteceu no Brasil desde 2013. Uma das dificuldades que nós temos tido, todos nós do Brasil, é que paramos de compreender o que o outro lado pensa. Às vezes, pior, a gente age como se só houvesse dois tipos de brasileiros. Bolsonaristas ou lulistas. E vocês sabem muito be que não é assim. Somos todos brasileiros. Vivemos no mesmo país. Precisamos conviver e, olha, nós queremos conviver. Queremos torcer juntos na Copa, fazer festa juntos no Carnaval. Curtir praia no verão. Queremos juntos que esse país seja o melhor possível para todo mundo que vive aqui. Queremos conseguir resolver o problema da segurança que nos angustia a todos, botar de pé novamente a economia. Precisamos conseguir fazer escolas públicas boas. A gente ainda não conseguiu isso. Temos trabalho pela frente e a falta de conversa entre os dois lados está impedindo que o trabalho avance. Faz quase dez anos que só brigamos. A gente sabia discordar e conviver. Não conseguimos mais isso.
Talvez seja surpresa para vocês, mas considero que o governo do presidente Lula, principalmente o segundo governo dele, foi muito corrupto. Se desviou dinheiro que não acaba mais, lá. Considero que o governo da presidente Dilma foi muito incompetente. Ao ponto de quebrar a economia. Foi menos corrupto, tá? Uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra. E, ainda assim, votei em Lula para presidente da República contra Jair Bolsonaro. Por quê? Foi um voto pragmático. Eu sou liberal. É como entendo o mundo. E o regime do liberalismo é a democracia. Bolsonaro não acredita em democracia e, para nós jornalistas, estava bastante óbvio que ele estava se organizando para dar um golpe militar. Eu preferia ver Lula eleito e ter certeza de que poderia votar de novo para presidente em 2026, em 30, do que correr o risco de viver numa ditadura. Até porque, numa ditadura, eu ia ser um jornalista que discorda muito daquele governo. E isso iria querer dizer que eu provavelmente teria de fugir pro exílio. Eu não quero viver fora do Brasil. Esse é o meu país.
Claro que nós não sabíamos que o plano ia tão longe quanto descobrimos na semana passada. Que ia ao ponto de querer matar gente. Matar Lula, matar Alckmin, matar Alexandre de Moraes. Que tipo de gente faz esse tipo de plano? Talvez você tenha dúvidas se isso é verdade. Mas a Polícia Federal tem muitas provas. Sei que vocês estão lendo e ouvindo coisas diferentes por aí. Então o que quero contar pra vocês é como vejo quatro assuntos: um, a descondenação de Lula. Dois, o Supremo Tribunal Federal. Três, a integridade da eleição de 2022. E, por último, o que a polícia aprendeu sobre a tentativa de golpe militar.
Antes de falar da descondenação, é importante eu te explicar como um liberal democrata pensa. A gente parte do princípio de que o mundo é complicado, um país tem gente demais com opiniões diferentes e temos todos de conviver. É por isso que temos leis e, acima das leis, a Constituição. Todos somos iguais perante as leis. Todos temos direito a um julgamento justo. Os procuradores do Ministério Público, em Curitiba, descobriram um plano de desvio de dinheiro de dentro da Petrobras gigante, em 2014. É o que nós chamamos de Lava Jato.
Não é verdade que a Lava Jato foi toda para o lixo. Foram desviados 42 bilhões reais da Petrobras. Esse número é oficial. Foi comprovado pela Lava Jato. É uma imensidão. 71 pessoas foram presas. Não é gente pequena. Donos de empresas poderosíssimas. Diretores da Petrobras. Há políticos do PT, do PP, do PMDB e do Solidariedade que foram condenados à prisão. Mas provar que uma pessoa está diretamente ligada a um crime é coisa séria. Você precisa mostrar que o dinheiro saiu de um bolso e foi parar no outro. Precisa fazer toda uma cadeia de documentos, de depoimentos. E o julgamento precisa ser justo.
A verdade é que Sergio Moro jogou fora a Lava Jato. A responsabilidade é dele. Juiz não pode ter lado. Ele não pode ajudar os advogados que acusam e ser contra os advogados que defendem. Ele tem de ouvir com honestidade e disposição os dois lados. Porque é o certo. É o ético. Isso não tem nada a ver com gostar do acusado ou não suportar o acusado. Tem a ver com um senso fundamental de Justiça. Hoje sabemos que Sergio Moro era um juiz que tinha lado. Ficou óbvio com o vazamento das mensagens dele com os procuradores. Moro queria prender Lula, queria ajudar a eleger Bolsonaro, para depois virar ministro do Supremo. Isso também é corrupção, corrupção moral. Isso é botar suas ideias e sua ambição à frente da Justiça.
E, vejam, Lula ficou preso dois anos. Ficar preso dois anos não é pouco. Imagina ficar dois anos sem liberdade? Seu julgamento foi anulado por uma série de razões técnicas. Mas, em última análise, era o certo a fazer porque o julgamento não foi justo. Isso não tem nada a ver com ele ser culpado ou não. Tem, de novo, a ver com o fato de que nenhum brasileiro deve ser julgado por alguém que queira previamente condená-lo. Nem eu, nem você, nem o Lula.
Nesse sistema que nós chamamos democracia, o objetivo é que a lei seja igualzinha para todo mundo. Mas precisa ter um critério. Quer dizer, alguém tem que tomar a última decisão. O Rui Barbosa, que é o grande pai da democracia brasileira, usava essa expressão: “Alguém tem de errar por último.” Em toda democracia é assim e esse último erro é de uma Corte Constitucional. É o nosso Supremo Tribunal Federal aqui, a Suprema Corte nos Estados Unidos, toda democracia tem uma. Os ministros são indicados pelo presidente da vez, então todo presidente bota uns dois, às vezes três. E vai compondo. O Senado aprova quem o presidente indica. Ou reprova. Quem é aprovado entra na Corte.
A gente pode não gostar das decisões do Supremo. A gente pode discordar das decisões do Supremo. Mas alguém tem de dar a última palavra. Em democracias, é assim. Sabe, algumas pessoas não se conformam quando um presidente quer fazer alguma coisa e aí o Supremo chega e diz que não pode. Todos os presidentes passaram por isso. Todos. É que, nas democracias, as coisas são feitas mesmo para que ninguém tenha poder demais. Que ninguém concentre nas próprias mãos todo o poder. Então o presidente é eleito e pode muito, mas o Congresso Nacional pode fazer seu impeachment. Pode, literalmente, tirar quem preside do Palácio do Planalto. Aconteceu com Collor e com Dilma. Não aconteceu nem com Lula, nem com Bolsonaro. E o Supremo pode dizer que algumas coisas o presidente não pode fazer, quando a Constituição não deixa. Quem decide? O Supremo. Isso não é ditadura. É assim porque a Constituição afirma que quem decide onde estão os limites das quatro linhas é o Supremo.
Aí chegamos à eleição de 2022. Não houve nenhuma mudança importante de tecnologia das urnas eletrônicas. Fernando Henrique se elegeu com essas urnas, Lula se elegeu duas vezes, Dilma com Temer e aí Jair Bolsonaro, em 2018. A eleição foi muito apertada, em vinte e dois. Poderia ter dado um ou outro. Deu Lula. Sim, eu sei que tem um monte de teorias pra dizer que tinha problema, mas a verdade é que se a gente joga sempre o mesmo jogo, com as mesmas regras, tem uma hora que a gente tem de topar as regras do jogo e aceitar quando perde. Vê a Venezuela, agora. Nicolas Maduro perdeu a eleição na urna eletrônica. Aí o que fez? Sumiu com os boletins de urna, que as urnas imprimem, e proibiu que os analistas internacionais examinassem o resultado. Roubou a coisa. E a gente sabe que ele roubou porque ele teve de sumir com tudo. Aqui no Brasil foi o contrário. Todos os observadores internacionais agiram livremente e temos todos os boletins de urna. Assim como foi em todas as eleições passadas. Quando a gente perde, a gente tem a dignidade de dizer: perdemos. Daqui a quatro anos, voltamos.
Vê os Estados Unidos? Donald Trump venceu a eleição. Dentro das regras do jogo. O que fizeram os políticos do Partido Democrata? Disseram parabéns pela vitória e foram lamber as feridas.
Sabe, tem três características do Bolsonaro que acho que são um problema grande. Gigante. A primeira é que ele é corrupto. Muito corrupto. Bolsonaro é, pessoalmente, mais rico do que Lula. Tem casas que não acaba mais, ele e os filhos, casas maravilhosas. Casas de milhões pagas em dinheiro vivo. Gente? Pau que bate em Chico, bate em Francisco, né? Mas tudo bem. Político corrupto, no Brasil, tem aos montes.
Bolsonaro é covarde. Ele usa as pessoas. Uma das coisas que a Polícia Federal descobriu, nesses generais e coronéis que planejaram o golpe de Estado, é que eles manipulavam as pessoas para cometerem os crimes por eles. Ficavam incentivando as pessoas a ficar na porta dos quartéis, incentivando caminhoneiros a forçar a barra das leis, pilharam um bando de gente pra invadir o Congresso, o Palácio, o Supremo. Botavam todo mundo pra fazer o trabalho sujo. Mas Bolsonaro? Bolsonaro fugiu pros Estados Unidos pra deixar que fizessem tudo por ele. Se desse errado, ele estava longe. Se desse certo, ele voltava. Começou a parecer que alguém podia emitir um mandado de prisão? Fugiu pra embaixada da Hungria. Bolsonaro, presidente, culpava todo mundo e nunca assumia ele próprio uma responsabilidade. Vocês vão ver como vai ser esse julgamento. Ele vai empurrar todo mundo pros leões tentando escapar. Presta atenção. Nunca é com ele. Ele sempre foge das suas responsabilidades. Ele usa as pessoas. Que tipo de gente faz isso?
A Polícia Federal tem documentos. Tem gravações de áudio. Um dos depoimentos é do general Freire Gomes. Bolsonarista, tá? Comandante do Exército Brasileiro. Ele falou para o Bolsonaro, dentro do Palácio do Alvorada: se o senhor insistir com essa ideia de golpe, vou ter de dar voz de prisão para o senhor. Porque era a obrigação dele como comandante do Exército cumprir mais a Constituição do seguir ordem do presidente. Freire Gomes não queria aquele resultado da eleição. Mas perdeu, perdeu. Fica pra próxima. Esse é o pacto sagrado. A gente explica pras pessoas, os outros candidatos explicam as suas ideias de Brasil, e no final quem convencer mais gente leva. Às vezes um ganha, às vezes ganha o outro.
A Polícia tem as mensagens que falam da combinação de matar pessoas, tem o rastreamento dos telefones celulares de agentes do Exército fazendo campanha, tem os áudios de militares explicando como manipulavam a turma na frente dos quartéis. Não é investigação com um monte de suposições. Agora vai ter um julgamento.
Trair a democracia é trair nosso acordo de que todos vamos ser iguais. De que todos temos a chance de ganhar mas que isso quer dizer que às vezes também perdemos. Trair a democracia é abrir mão de tentar fazer um país que possa ser bom para todo mundo. Trair a democracia é desistir de conversar. A gente não precisa concordar. Mas precisamos parar de ter raiva uns dos outros. Precisamos topar as regras do jogo. Reclamar em voz alta, sim. Mas quando o último juiz decide, está decidido. Quando o conjunto de todo o povo vota, está votado.