Central Meio: Trama golpista tem cada vez mais as digitais de Jair Bolsonaro
A Operação Contragolpe, da Polícia Federal, que prendeu um policial federal e quatro militares, sendo um deles um general da reserva, por participar de um plano para assassinar o presidente Lula, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes deixa cada vez mais clara a participação de Jair Bolsonaro na tomada violenta de poder. A editora-chefe do Meio, Flávia Tavares, defende que o relatório divulgado pela PF nesta terça-feira é o mais importante envolvendo a trama golpista que vai das altas patentes militares ao então presidente Jair Bolsonaro. “Esse documento é o mais contundente na descrição do planejamento que vai da sala de Jair Bolsonaro aos atos golpistas de 8 de janeiro”, assevera.
No programa Central Meio desta terça-feira, ela chama a atenção para uma série de momentos encadeados que denotam a construção da trama que levaria ao impedimento da posse de Lula como presidente. Entre eles, estão a reunião em que os generais Braga Netto e Augusto Heleno dizem que as ações deveriam ser realizadas antes das eleições, e um outro encontro na casa de Braga Netto, quando foi decidido que seria iniciado um monitoramento de Alexandre de Moraes. Após o pleito, em pleno momento em que apoiadores de Jair Bolsonaro se alojavam em acampamentos em frente a quartéis, o general Mário Fernandes, ex-número dois da Secretaria-Geral da Presidência, conta que o então presidente “aceitou o nosso assessoramento”. No dia seguinte, deu-se início ao processo de construção da minuta do golpe. “Essa cronologia mostra como todos os movimentos que pareciam ser isolados, eram parte de um mesmo planejamento, que começou em junho de 2022 numa reunião em que Bolsonaro estava presente com os generais Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Mário Fernandes”, conclui.
A jornalista e apresentadora Luiza Silvestrini destaca que o monitoramento da PF começou na casa do general Braga Netto, em novembro de 2022, que incluía a discussão dos gastos das ações golpistas e o plano de executar os políticos eleitos, além do ministro do STF. “Ainda vai ter quem queira negar que isso aconteceu, mas está cada vez mais claro que o Brasil passou muito perto de um golpe de Estado e, desta vez, com uma característica bem específica”, comenta, sobre a violência prevista no intento.
Os fatos novos se misturam aos depoimentos de comandantes do Exército e da Marinha, que afirmaram ter recebido de Bolsonaro um pedido de auxílio em uma tomada violenta de poder. “Nós não estamos falando de uma fantasia, nem de um delírio” ressalta o diretor de redação do Meio, Pedro Doria. “Falamos de um fato: o então presidente Jair Bolsonaro, tendo sido derrotado numa eleição, antes de passar o governo para o presidente eleito, deu ordens para que um grupo de militares fizesse algum tipo de operação que impedisse a democracia brasileira de seguir seu curso. Deu errado”, conclui.
Para Pedro, a prisão do general da reserva Mário Fernandes por envolvimento na trama golpista torna esta terça-feira um “dia histórico” para o Brasil. “Depois de uma longa história, que começa em 1889, de generais botando presidentes na cadeia, hoje temos o momento em que um general vai para a cadeia porque quis impedir que um presidente eleito tomasse posse no cargo que a sociedade brasileira decidiu que lhe era de direito”, destaca.
Ele lembra da história dos sucessivos golpes militares no Brasil, da ordem de Deodoro da Fonseca, de fechar o Congresso Nacional, à tomada de poder em 1964, iniciada por Olímpio Mourão Filho, na destituição de João Goulart. “Tem uma hora que a gente tem de parar com essa palhaçada de general achar que pode entrar no gabinete do presidente da República e dizer: ‘agora o senhor está fora e nós que vamos assumir’”.
O mestre em Relações Internacionais pela PUC-Rio, Tanguy Bagdadi, explica que países com democracias bem consolidadas são sociedades que costumam ter muito clara a diferenciação entre o que é público e o privado. Em nações como o Brasil e seus vizinhos latino-americanos, essa noção acaba se distorcendo, com a crença patrimonialista de que alguns aspectos do que é público tem donos, como entre os militares. “A formação da América Latina é baseada na ideia de que o público tem determinados donos. E os militares sempre se colocaram como os donos dessa parte da vida pública, que é a República”, pondera.