A literatura brasileira em Frankfurt
Projetado pelo arquiteto alemão Friedrich von Thiersch e concluído em apenas dois anos, entre 1907 e 1909, o Festhalle Frankfurt é um verdadeiro ícone da arquitetura. Com uma imponente cúpula de vidro e aço que se ergue a cerca de 40 metros de altura, o espaço permite a entrada de luz natural em cada um de seus 15 mil metros quadrados. Entre os dias 16 e 20 de outubro, no entanto, o que realmente brilhou ali foi o mercado editorial. O Festhalle sediou a 76ª Feira do Livro de Frankfurt, o maior encontro mundial do setor, que contou com a participação recorde do Brasil.
A delegação nacional incluiu representantes da Câmara Brasileira do Livro (CBL), 28 empresas que participaram por meio da iniciativa Brazilian Publishers e dez editoras que marcaram presença através do programa CreativeSP, promovido pela Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas de São Paulo, em parceria com a InvestSP. Entre as editoras selecionadas está o grupo editorial Aboio, fundado em 2020, que se dedica à publicação de literatura e ficção literária. Em entrevista ao Meio, o fundador da casa, Leopoldo Cavalcante, destacou que o evento atua como uma verdadeira vitrine para a cultura literária brasileira. Confira:
Em contato com diversas editoras do mundo, você percebeu tendências que têm permeado o mercado editorial global?
A Feira de Frankfurt é um programa, basicamente, de compra e venda de direitos. O intuito é colocar o editor para conversar com agentes literários do mundo inteiro. Nós tínhamos um estande onde colocamos nossos livros e havia uma mesinha para receber as pessoas que chegavam. Parou uma galera da Itália, um pessoal do Japão, da Alemanha. Vários países sentavam e conversavam. Também andávamos pela feira. O interesse da Aboio era, exatamente, comprar direitos de livros e tentar vender Brasil.
De uma forma muito abrangente, os mercados nacional e internacional não têm um interesse enorme em literatura ou ficção literária como um produto de venda. O meu seguimento ainda é muito frágil. Eu troquei com muitas editoras e órgãos de fomento literário. Eles acabam olhando para literatura e ficção-literária como aquilo que todo mundo admira, mas tem medo de tocar. E quem faz está aberto a conversar com outras pessoas que fazem. Foi bem legal para mim, que tô atrás de comprar esses direitos. Pude ter diálogos, propor adiantamentos – que é o valor que a gente paga para colocar o livro na praça. Foram valores menores, mas que vamos reverter em royalties de médio prazo contando com a expectativa de que terá um apelo bom no mercado brasileiro.
Mas é aquilo… você vai numa editora francesa super charmosa que todo mundo conhece, senta e vê que ela também tem muito problema porque estão de olho nas categorias mais comerciais, mais pop. A maior tendência, o que mais querem é o Healing Fiction. Além disso, há uma grande procura por literatura infantil ou livros de romance — não no sentido de romance literário, mas coisa de amorzinho mesmo, como Dorama. É mais para esse lado que o mercado editorial mundial segue de forma mercadológica, olhando para preço e venda.
Apesar disso, no Brasil, a gente tem visto um boom de autores de literatura contemporânea, como a Carla Madeira e o Jeferson Tenório. Esse espaço está sendo galgado lá fora?
Depende muito. O Jeferson é um caso à parte. Quando eu estava na China, fui a uma livraria e tinham quatro autores contemporâneos brasileiros traduzidos, ele era um deles. Ainda, eu o encontrei na Suécia publicando pela Tranan, uma editora sueca reconhecida por fazer traduções do mundo inteiro. Mas percebemos que essa abertura é muito pautada na questão de quem está à frente da casa editorial, no profissional que se dá o trabalho de tentar fazer essas coisas. Cada país precisaria ter um cara tipo o Johannes [Holmqvist], o editor da Tranan que é interessado em literatura global e está sempre de olho. Por isso, na Suécia tem bastante brasileiro. Mas na Noruega não tem nada. Na Dinamarca nem se fala. Acaba sendo uma tarefa dos profissionais e também da nossa parte. O editor brasileiro precisa se desdobrar para achar essas pessoas e fazer conexões.
Para além dos livros, em relação a produtos e recursos, o que foi destaque na feira?
Audiobook e Inteligência Artificial foram os dois assuntos mais pautados em Frankfurt. Em audiobook, estão mirando o aumento de vendas ao apostar em um público que já se acostumou com podcast e começa a entrar de cabeça nos livros falados. Ainda é uma alta tímida, mas real, que reverbera inclusive nas iniciativas públicas. Para você ter ideia, neste ano, para se inscrever no Programa de Ação Cultural de São Paulo é obrigatório que as editoras tenham audiobook. Há um apelo para essa questão, ainda mais que envolve acessibilidade.
Já em relação à IA, tem um lugar na literatura muito interessante: a tradução. No dia-a-dia, eu uso bastante a inteligência artificial, sobretudo depois que fui à China. Lá, vi os chineses usando de forma muito criativa e útil para quebrar barreiras. Na China é muito comum ver os exemplares traduzidos para o inglês a partir da IA. Não é um negócio perfeito, nada disso, mas para mostrar ao mundo o que está sendo produzido é uma boa porta de entrada — o que não tira, de forma alguma, a necessidade de um tradutor profissional. A questão da precarização me preocupa. Mas para os primeiros passos, que é onde o Brasil está, nesse lugar de divulgação internacional, a IA pode ser uma forma de mitigar os custos de exportação. Quebrando essa barreira, atingindo mais pessoas, conseguimos inclusive criar mais possibilidades de emprego para essa galera que é profissional da tradução.
Nesse sentido, há algum mercado em especial a ser explorado?
Eu acho que ainda há um buraco, que está começando a ser preenchido, na literatura do leste-asiático. Ela está com muita força. A sul-coreana Han Kang acabou de ganhar o Nobel. A Coreia está com tudo. A China continua uma incógnita, há muita dificuldade de trazer a literatura chinesa para cá principalmente por conta da barreira linguística. O Japão também está com alguns projetos legais. Então esse leste asiático é um lugar que eu olho como um possível norte. Há muitos best-sellers recentes escritos por autores de lá ou que falam sobre o leste-asiático.
E qual a lição que fica para a literatura brasileira diante do mundo?
O Brasil, principalmente no segmento da alta literatura, tem muita caminhada a fazer. Nós temos um longo trabalho de base para criar interesse e fortalecer nossas formas de divulgação. Isso nem teria que ser um problema porque a nossa qualidade literária está muito alta. Não devemos muita coisa à maior parte dos países. O principal é a necessidade de um projeto governamental de incentivo, algo que vemos em vários países. O nosso não tem sequer uma segurança orçamentária. Não há nenhum interesse de construção de imagem do país no exterior. De toda forma, é um caminho possível. E não estamos retrocedendo em nada. Apesar das dificuldades do Brasil, a gente consegue fazer um trabalho bem feito, produzindo bem e, agora, focando na divulgação para achar mais público e levar o trabalho adiante.