Tarcisio está forte para o Planalto
Tarcisio de Freitas, o governador paulista, acordou essa segunda-feira fora do PL sem jamais ter entrado no partido. Ele havia prometido tanto a Jair Bolsonaro quanto a Valdemar da Costa Neto que ingressaria na legenda logo depois das eleições. Anunciou que desistiu, que seguirá no Republicanos. Pois é: Tarcisio botou um pé pra fora da barca bolsonarista.
É, eu sei. Já tem um monte de gente aí do outro lado da câmera começando o rebate. Como alguém pode ousar dizer que Tarcisio não é bolsonarista? Foi ministro, foi candidato ao governo apoiado, subiu no palanque junto, esteve em trio elétrico da Paulista, foi isso, foi aquilo, e tudo é verdade.
Também é verdade que Tarcisio antes foi diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) no governo Dilma Rousseff. Também é verdade que, no dia seguinte ao 8 de janeiro, estava lá com Lula na caminhada simbólica do Planalto ao Supremo. Tarcisio de Freitas é, sobretudo, um oportunista. Muitos políticos o são. Onde há potencial de poder, lá está Tarcisio.
Ele, no momento, está com um pé na barca de Gilberto Kassab e, o outro, na de Bolsonaro. Esta eleição municipal deixou duas informações. Kassab, quando faz um acordo, não trai. Kassab vence eleições. Bolsonaro, quando faz acordo, trai na primeira oportunidade. Bolsonaro não venceu as eleições importantes em que apostou. E, olha, não foi só Tarcisio que entendeu essa mensagem. Tudo quanto é político de direita, no Brasil, a entendeu.
O ponto é o seguinte: a gente tem uma missão que é compreender o lugar de Tarcisio. Compreender que tipo de político é Tarcisio. E isso é importante por duas razões. Ali ao lado de Gilberto Kassab, ele é um dos grandes vencedores dessas eleições municipais. Ontem, o governador paulista sinalizou que não quer ficar mais próximo de Bolsonaro do que já é. Isso pode querer dizer que, num futuro próximo, queira construir um distanciamento. Ele pode. Deixa eu falar uma coisa com clareza, aqui, para quem não entendeu. Desde o domingo, Tarcisio de Freitas é maior do que Jair Bolsonaro na política brasileira. Isso não quer dizer que ele possa ou que vá se afastar do ex-presidente. Mas o jogo mudou de dimensão.
Enquanto isso, é hora de vermos cair outra ficha. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou um tombo quando estava sentado num banquinho, cortando as unhas do pé. Bateu com a nuca e foi encontrado pela primeira dama. Estava desorientado. Lula tem 79 anos, completou ontem. É o presidente mais velho a jamais governar o país. Sim. Desde o primeiro militar golpista, o marechal Deodoro da Fonseca, ele é o mais velho. E Lula não tem herdeiros políticos, em grande parte por responsabilidade sua.
É comum com grandes líderes políticos, tá? Muitos não formam herdeiros. Não gostam de se imaginar substituídos. Mas fato é que, tendo tomado um tombo de um banquinho, precisou ficar sob observação durante uma semana. É super-normal com a idade. Mas como estará Lula, candidato à presidência, aos 81? Vejam, Joe Biden estava bastante inteiro quando se elegeu, em 2020. Até que, de repente, não estava mais. Biden segue com capacidade de raciocínio, mas a parte verbal declinou um bocado. A parte motora, também. Não estou dizendo que vai acontecer com Lula. Mas, olha, países não deviam ser governados por pessoas tão idosas. Não é uma questão cognitiva. Nem todo mundo tem declínio cognitivo quando envelhece. Mas a energia baixa. Qualquer um que conheça Lula como líder a tempo o suficiente sabe que ele não está mais com a energia de um garoto. Ele diz isso, e tem mesmo de dizer.
É claro que a esquerda não quer ter essa conversa. Mas vem cá: Guilherme Boulos perdeu por vinte pontos de diferença. Gastou muito mais dinheiro do que havia gastado na disputa pela prefeitura quatro anos atrás e continuou com o mesmo tamanho. Boulos é a mostra de que a esquerda não foi capaz de se renovar. Não tem outro candidato ou candidata. Enquanto isso, intelectuais importantes da esquerda estão dizendo que a turma precisa é se radicalizar mais. Tudo certo. O eleitor de Classe C, que compõe a massa brasileira, metade do país, é conservador. Se tornou conservador. Achar que um discurso de esquerda radicalizado vai trazer esses votos é muita vontade de viver num universo paralelo.
Não importa, cada um com seu cada qual. O ponto é esse: Lula precisa ser o candidato para a esquerda ter um candidato forte. E Tarcisio parece que virá com força. Antes de brigarem comigo, não esqueçam do seguinte: Tarcisio, se for candidato a presidente, não precisa convencer ninguém de esquerda de que ele não é mais bolsonarista. Ele só precisa convencer aquela turma que votou em Lula e não é de esquerda.
O que é ser de direita no Brasil? O que é ser bolsonarista? Essas duas perguntas não são irrelevantes nem suas resposta são óbvias. Um dos poucos acordos que há a respeito do conceito de fascismo é que, mais do que uma ideologia, o fascismo é um estilo de fazer política. O bolsonarismo também é.
Vamos lá: primeiro, o bolsonarismo veste uniforme. É a camisa da seleção brasileira, é a bandeira do Brasil amarrada, é um aspecto tribal. É para um reconhecer o outro em manifestação. O trumpismo tem a mesma coisa, com o boné MAGA.
O bolsonarismo é também estridente. Ele berra, está sempre fazendo denúncias muito graves, é absolutamente obcecado com sexualidade. Grita pedofilia, grita trans, grita. O bolsonarismo grita. É moralista. De novo, com Trump é igual. O bolsonarismo não governa e não legisla. Faz pose, faz live, faz post, mas não trabalha. Quem estava atento sabe que Bolsonaro não tinha qualquer política pública. Seu trabalho foi mais impedir o Estado de funcionar do que guiá-lo em alguma direção específica.
Agora, principalmente, o bolsonarismo é, também, militarista, e nisso ele é mais distinto do trumpismo, até porque nos Estados Unidos as Forças Armadas são democráticas, não são golpistas. Aqui elas se dividem. E aí está a marca maior do bolsonarismo. Ele é golpista.
E o que é a direita? A direita paulista? Como é o típico governo de direita paulista? Logo no início da atividade sindical em São Paulo, na época em que a influência dos anarquistas italianos era forte, Washington Luiz se fez valer da brutalidade policial. Um slogan dele? “Questão social, pra mim, é caso de polícia.” Mais tarde, em campanha para a presidência, ele se tornou conhecido pelo slogan “governar é construir estradas”.
No Estado Novo, Getúlio botou no governo do estado Adhemar de Barros, o cara que essencialmente inaugurou a corrupção em larga escala estando no governo. Mas fazia muita obra. Esse ficou conhecido pelo slogan “rouba mas faz”.
Olha, de Washington e Adhemar para cá, não tem nada de novo na direita paulista. Ela funciona num campo binário-populista. Segurança pública se resolve com brutalidade policial e, do outro lado, faz-se obra. Muita obra. Principalmente da metade pro final do mandato. E, quando ocorre de o político ganhar fama de que rouba muito, a resposta é rouba, mas faz. Pega quem vocês quiserem aí. Antonio Fleury Filho, Orestes Quércia, Paulo Maluf. Carandiru, Rota. Essa é a lógica com a qual opera um político de direita no estado de São Paulo faz mais de um século.
Se não houvesse Bolsonaro, se jamais tivesse havido Bolsonaro, e ainda assim Tarcisio chegasse ao governo de São Paulo, ninguém teria dificuldade de dizer. É um político de direita normal.
Existem políticos com estilo bolsonarista, sim. Nikolas Ferreira é um. Pablo Marçal, evidentemente, é outro. Não é o caso de Tarcisio.
A questão aqui é a seguinte: Lula está se fragilizando pela idade. Nós não sabemos se episódios como o da queda vão se tornar comuns ou se foi só um acidente inusitado que não se repetirá. Não sabemos o quanto a idade o afetará nos próximos dois anos. Para a esquerda, o melhor é que, ao menos até 2026, ele pareça o melhor possível.
Enquanto isso, Tarcisio vai trabalhar. A Justiça deve ajudá-lo muito. Por um lado, Pablo Marçal deverá ser tornado inelegível por conta do episódio do laudo falso. Por outro, Bolsonaro periga ser preso. Para o governador de São Paulo, as duas são ótimas notícias. Limpam o caminho para ele. Se ele segue a linha de Kassab, pode convencer gente o suficiente de que é um cara normal de direita. Porque, como governador, ele atua como um político normal de direita.
De novo. Eu sei, perfeitamente, que a esquerda acha que ele e Bolsonaro são a mesma coisa, o mesmo movimento, o mesmo grupo, a mesma política, tudo igual. O problema disso é que não é do voto de esquerda que Tarcisio de Freitas depende.
A eleição presidencial começou a ser desenhada. Lula tem vantagem, mas a vantagem é muito estreita. O jogo vai ser difícil.