A eleição vai ser com emoção
Olha, eu não sei o que vai acontecer no domingo. E a verdade é que as pesquisas têm sido uma bússola incerta. Em São Paulo, por exemplo, tem gente que diz que Tabata Amaral pode surpreender no último minuto do jogo. Delírio? Calma. Isso é muito difícil de acontecer. Mas não é impossível. Ela está crescendo com aceleração, em algumas pesquisas aparece com dois dígitos. No Rio de Janeiro, em 2018, o candidato Wilson Witzel deu uma arrancada deste tipo na última semana de campanha e se elegeu governador. Improvável, não impossível. Belo Horizonte, por exemplo, deve ser a capital mais difícil de definir o que pode acontecer. É onde as pesquisas estão mais diferentes umas das outras.
Deixa eu pegar dois exemplos de duas pesquisas de qualidade. A Quaest e a Atlas Intel. Em 2022, a Atlas Intel foi quem chegou mais perto de acertar o resultado do primeiro turno das eleições. Mas, olha, vocês lembram do segundo turno? A maioria dos institutos davam uma vitória com alguma folga para Lula. No fim, não foi nada disso. Foi voto a voto, suado, Bolsonaro poderia ter vencido. A Atlas deu relativa folga. A Quaest, não. Deu 52 a 48, bastante próximo do resultado final.
Na pesquisa Quaest divulgada segunda-feira, o prefeito Ricardo Nunes tem 24%, o deputado Guilherme Boulos tem 23% e o influenciador Pablo Marçal, 21%. Empate técnico triplo.
A Atlas também divulgou pesquisa na segunda. Boulos 28, Marçal 24,4 e Nunes 20,1.
É muito diferente.
As duas concordam a respeito de Tabata Amaral. 11.9% na Atlas, 11% na Quaest.
Mas em nenhum lugar do Brasil a diferença é tão grande quanto em Belo Horizonte. A gente já falou sobre isso, mas a coisa ficou mais aguda. Para a Quaest, Tramonte tem 27%, Engler, 21%, e Fuad, 20%.
Pescou a ordem? Tramonte, Engler, Fuad.
E para a Atlas? Engler com 26%; Fuad e Gabriel empatados com 15,8%; Tramonte tem 15,3%.
Tramonte lidera a pesquisa da Quaest com 27 pontos percentuais. E está em quarto na pesquisa da Atlas com 15.3 pontos percentuais. São doze pontos de diferença. E, olha, a mesma coisa acontece com Gabriel Azevedo. Para a Atlas, ele está ali, disputando ponto a ponto, a segunda vaga do segundo turno. Na pesquisa da Quaest? Lá ele tem 5. É um vácuo de dez pontos percentuais.
E estamos falando de duas pesquisas de qualidade. O Nate Silver, que é o mais respeitável analista de pesquisas nos Estados Unidos, dá nota A para a Atlas. É a segunda nota mais alta da escala dele em termos de precisão. Está ali entre as melhores pesquisas na eleição americana e é de uma empresa daqui, brasileira. A Quaest tem se mostrado, desta nova geração, uma das empresas mais sólidas em reputação, uma das mais sérias de lidar. E é isso. A Quaest acertou muito, muito perto o difícil segundo turno de 2022. E a Atlas acertou o primeiro turno.
O que a gente faz quando duas pesquisas de qualidade dão resultados tão díspares? Eu conversei com gente de ambos os institutos. E ambos estão dizendo o mesmo: não sei como eles chegaram a este resultado.
Aqui no Rio de Janeiro, onde eu voto, a diferença entre ambos é bastante mais sutil. Quaest dá Eduardo Paes com 53% e Ramagem com 20%. O prefeito levaria no primeiro turno, mas está apertado. A Atlas? Paes 49% e Ramagem 32,1%. Iria pro segundo turno. Pois é, mesmo quando a diferença é sutil, aponta para dois resultados profundamente distintos. Em um, nós cariocas encerramos no domingo o processo eleitoral, nos deitamos na rede só pra assistir o resto do Brasil. No outro, vamos para a disputa do prefeito contra o delegado bolsonarista no segundo turno.
As duas empresas têm metodologias muito diferentes e vale entender esse processo. Então já falamos sobre isso. Mas o importante é o seguinte: aperta os cintos. Vai ser com emoção. No domingo, a partir das 17h, a gente vai estar no YouTube do Meio, ao vivo, jornalistas e cientistas políticos, analisando os resultados.
Os métodos de colher respostas da Atlas e da Quaest são muito diferentes. O pessoal da Quaest faz pesquisa em domicílio. Ou seja, vai na casa das pessoas, olho no olho, fazer perguntas. Essas residências são escolhidas com base em dados do IBGE e de eleições passadas, usando como critérios sexo, idade, renda familiar e escolaridade.
A Atlas encontra seus entrevistados de uma forma radicalmente distinta. Eles produzem anúncios na web, direcionados a determinados grupos, e pedem para entrevistar as pessoas virtualmente, através de um questionário. Aí, a partir dos dados demográficos coletados pelo anúncio e pelas auto-declarações, distribuem pelo corte populacional através, também, de um algoritmo.
Os institutos tratam esses algoritmos como um segredo bem guardado. É sua alma, de certa forma. É a maneira como compreendem a população brasileira, a de cada cidade, a forma como os eleitores se distribuem. Se acertam esse corte e encontram as pessoas que se encaixam direitinho neste desenho demográfico de quem somos como povo, aí têm uma chance alta de acertar o resultado de uma eleição.
Só que tem um problema aí. O alvo é móvel. A gente olha para as pesquisas mais recentes e tanto Atlas, quanto Quaest, estão dizendo o mesmo sobre Tabata. Ela está crescendo. E elas concordam a respeito do fato de que Tabata chegou aos dois dígitos e segue crescendo. Qual a aceleração? Depende de como está o boca a boca entre os eleitores paulistanos. Tem muita gente enchendo o saco daquele trio no topo e enxergando na deputada do PSB a adulta na sala? É o que muitos estão dizendo. Se isso pega tração, ela pode ganhar muito voto. O suficiente? Mas e se a conversa for outra, for uma de voto útil. De gente de esquerda com medo de dar Nunes contra Marçal no segundo turno? Aí pode ser que eleitores de outros partidos decidam partir para Boulos, e isso interrompa esse crescimento da Tabata.
Em 2022, o que explica a maioria das pesquisas terem visto Lula ganhando com mais folga de Bolsonaro? Felipe Nunes, o cientista político responsável pela Quaest, escreveu um artigo técnico tentando analisar esse problema. Um dos movimentos possíveis em eleições é este, o do voto estratégico, do voto útil. É quando o eleitor não vota no seu candidato favorito, mas sim naquele que prefere entre os candidatos mais viáveis. O que é essa percepção de viabilidade? Muito difícil avaliar. Assim como é difícil bancar que o movimento pelo voto útil vai ocorrer.
O boca a boca da reta final da campanha vem gerando movimentos mais bruscos do eleitorado. Outra perna desse impacto não é do voto útil mas o dos eleitores indecisos, que não ligam muito para política e só prestam atenção no assunto quando precisam tomar uma decisão. Para essa turma, redes sociais e desinfomação digital pesam muito. Até por serem mais alienados, reagem ao que recebem. Isso é uma arma para quem opera bem as redes, como Pablo Marçal. Mas será suficiente?
A gente não tem como saber. O que temos como saber, das pesquisas, é o movimento. Em Belo Horizonte, Gabriel Azevedo cresceu. Cresceu muito ou cresceu pouco? É o mesmo com Tabata em São Paulo. A gente sabe que Eduardo Paes começou lá em cima e foi perdendo, nas últimas semanas, um pouquinho de voto a cada rodada de pesquisas. Bem lentamente. Em câmara lenta. Vai perder tanto que terá de adiar sua vitória para o último domingo de outubro? Talvez. Talvez não.
A gente tem como cravar que, até agora, este início de semana final, Pablo Marçal estancou nos 20% e dali não saiu. Não conseguiu conquistar votos além do piso radicalizado do eleitorado. Mas é agora que aqueles indecisos que não dão a mínima para política estão esticando o pescoço para decidir para onde vão. Aí, o entusiasmo que Pablo tem mas Nunes não tem pode fazer diferença. As redes sociais, a habilidade de Pablo no digital, pode conquistar um porcento a mais. Dois. E isso talvez seja suficiente. Mas a que distância dele está Nunes, qual a vantagem de Boulos e Nunes sobre Pablo?
Isso a gente não sabe e não tem como saber. Duas pesquisas de qualidade, ambas muito diferentes. Um ponto de atenção. A Qaest e o Datafolha estão parecidos. Mas têm, também, metodologias parecidas. Será que é por isso que seus números se aproximam?
O fato, no fim das contas, é o seguinte. Informação se tornou mais rápida. O próprio fluxo da informação. Isto começou a fazer com que os movimentos no arco final de eleições ganhassem mais volume o que, inevitavelmente, provoca desencontro das pesquisas. É por isso que todos os grandes institutos vão soltar pesquisas no sábado, incluindo Quaest e Datafolha. Todo mundo quer ter a chance de tentar captar os últimos fluxos.
Agora, isso não explica por que Quaest e Atlas estão tão diferentes. Isso não faz qualquer sentido. Só pode ser explicado de uma maneira. Ambas trabalham com algoritmos que, no fim das contas, representam uma tese de quem o brasileiro é. Bem, pelo menos uma das duas está errada.
Aperta os cintos. Vai ser com emoção.