Lula, Bolsonaro e Tarcísio se enfrentam no domingo
Eleições municipais costumavam ser uma espécie de plebiscito do governo federal corrente. Mas Lula optou por se engajar o mínimo possível na disputa, dedicando-se um pouco mais somente a São Paulo. Se Ricardo Nunes for bem, a vitória vai ser mais de Tarcísio de Freitas do que de Jair Bolsonaro. Domingo vai ser emocionante. Domingo, dia 6 de outubro, é dia de eleição municipal. Cá entre nós, é também meu aniversário, viu? Aceito as boas vibrações aqui nos comentários. Mas, voltando ao que interessa, é aquele dia que eu, particularmente, adoro. Desde a primeira vez que votei, eu sempre acordei empolgada em dia de eleição, sempre exerci esse dever e esse direito cheia de alegria. Vocês também são assim?
Eleição municipal sempre teve um papel meio de plebiscito do governo federal corrente: se o presidente está indo bem, é comum que ele e seu partido façam vários prefeitos e prefeitas. Se vai mal, sofre derrotas importantes. A última eleição municipal mudou um pouco isso, foi muito peculiar. O ano era 2020, estávamos no auge da pandemia. Teve gente que nem saiu de casa com medo de se expor. E, sem trocadilho, é evidente que a disputa estava contaminada pela visão que cada espectro político tinha da crise sanitária.
Pra se ter uma noção do quão particular foi aquela eleição, em São Paulo, Bruno Covas se reelegeu em primeiro turno, tendo Ricardo Nunes como vice e derrotando Guilherme Boulos. Quando se olha pra coligação que elegeu Covas, alguém desavisado pode achar que era uma chapa bolsonarista — não só por ter Nunes na vice, mas por ter partidos como PL, PSC e DEM. Só que quem ergueu o braço de Bruno Covas no dia da vitória foi o então governador João Doria, àquela altura já em guerra aberta contra Jair Bolsonaro.
Isso quer dizer que Bolsonaro foi derrotado em 2020? Não exatamente. No segundo turno das eleições municipais, o PT venceu apenas 4 das 15 disputas de que participava. E, pela primeira vez desde 1985, não ganhou nenhuma capital. Naquele momento, Lula, o principal cabo eleitoral do PT e também a maior causa da rejeição ao partido, já estava solto havia mais de um ano. Na eleição anterior, em 2016, a presidente Dilma Rousseff havia sofrido um impeachment, a Lava Jato ainda gozava de imenso prestígio e poder e o PT também se viu enfraquecido. É por isso que não se sabe muito o que esperar no ciclo deste ano. A confiança no termômetro que as pesquisas costumavam representar anda abalada. O envolvimento dos principais padrinhos está diferente. Tudo pode acontecer.
Jornalisticamente, isso torna o domingo especialmente emocionante, digamos assim. É por isso que eu quero aproveitar pra te convidar a acompanhar a live do Meio aqui no nosso canal do YouTube, a partir das 17h. Eu, Pedro Doria, Christian Lynch e Mariliz Pereira Jorge vamos acompanhar a apuração, analisar os possíveis cenários, receber convidados, vai ser muito legal. A Luciana Lima também vai participar, lá de Brasília. Se inscreve aqui, fica de olho nos nossos avisos e não perca! Ah, e se quiser ajudar a financiar nosso jornalismo, assine o Meio! Neste mês, a gente completa oito anos e está cheio de novidades pra quem é premium.
Dando uma olhada nas redes sociais do presidente Lula no último mês, me chamou a atenção o fato de que ele praticamente não falou de eleições. Mencionou duas vezes a candidata Dandara, de Uberlândia, e fez um vídeo protocolar pedindo votos para os vereadores do PT, sem citar nomes, só falando da importância de eleger quadros também no Legislativo. No sábado, Lula se comprometeu a participar da caminhada de Boulos na Avenida Paulista. E, basicamente, é a isso que se estende o empenho do presidente nas campanhas de seus correligionários ou aliados.
Há algumas razões que a gente pode levantar pra isso. Primeiro, a agenda presidencial é mesmo intensa e ficou ainda mais conturbada com a crise dos incêndios e queimadas. Lula também esteve em Nova York, na Assembleia-Geral da ONU, e teve nas mãos o caso Silvio Almeida pra lidar.
Ainda assim, pra um presidente da República que tem a máquina e os bons resultados da economia nas mãos, parece estranha a escolha de se manter tão discreto. Em casos como a disputa de Goiânia, em que a petista Adriana Accorsi tem chances reais de se eleger, justifica-se: a rejeição a Lula no Centro-Oeste é grande e sua presença poderia, na verdade, atrapalhar a candidata. Mas e em Porto Alegre, onde a deputada Maria do Rosário precisa muito de uma ajudinha pra levar a disputa contra Sebastião Mello para o segundo turno? Rosário está empatada tecnicamente com Juliana Brizola, do PDT. E a cidade passou pela catástrofe da enchente, que poderia influenciar negativamente nas chances de Mello e em que o governo federal teve papel decisivo. Por que Lula está ausente?
E em Fortaleza, onde Evandro Leitão, do PT, está empatado com André Fernandes, do PL? Ou em Natal, onde a petista Natália Bonavides está embolada com candidatos do União Brasil e do PSD e o apoio do presidente poderia levá-la ao segundo turno? Ou ainda em Teresina, em que Fábio Novo, do PT, está empatado com Silvio Mendes, do União Brasil? São três cidades do Nordeste — a presença de Lula teria potencial de fazer diferença.
Experiente como é, certamente ele fez esse cálculo. A gente só não sabe a que resultado ele chegou, mas aparentemente preferiu apostar todas as suas fichas em uma cesta só, a de São Paulo — e ainda assim timidamente. Até aqui, a presença de Lula se limitou a dois comícios com Boulos e a uma gravação na casa do candidato do PSOL, em agosto. Ah, ele também recebeu Boulos em Brasília pra fazer um vídeo. É pouco, não? Dentro do PT, segundo apurou a nossa repórter Luciana Lima pra uma edição premium do Meio, há a percepção que o baixo engajamento de Lula passa pelo fato de que não há nada que ele possa fazer, especialmente nas pequenas e médias cidades, pra competir com o efeito do dinheiro despejado pelas emendas parlamentares por ali. Os deputados e senadores que direcionam recursos pra seus redutos têm muito mais chance de fazer seus prefeitos do que o presidente teria.
Talvez Lula esteja guardando seu cartucho pro segundo turno em algumas praças — afinal, além da agenda cheia, tem uma questão mesmo de energia, né? Só que em alguns lugares isso pode ser tarde. É um baita risco, principalmente se considerando que as pessoas tendem a decidir seus votos nesta última semana e, em geral, a guerra nas redes sociais está perdida pra direita. Ou seja, aqueles petistas que estão ali de olho no segundo turno, mas com o terceiro colocado da direita na cola podem ser surpreendidos. O PT teve de fazer uma frente ampla pra eleger Lula e é evidente que isso se reflete agora. Em duas capitais, são aliados de Lula e não petistas que têm chances reais de levar no primeiro turno: João Campos, do PSB, em Recife, e Eduardo Paes, do PSD, no Rio. Mas notem que esses são aliados que têm seu próprio capital político. Eles não se elegem por causa de Lula.
Uma outra possibilidade é a de que Lula esteja querendo adiar o plebiscito sobre seu governo para quando tiver resultados mais vistosos, mais concretos — ou seja, levar mesmo pra 2026, não antecipar esse desgaste. O risco é de ver uma onda de direita tomar as cidades e essa máquina desequilibrar o jogo ali na frente. É aqui que entra o jogo jogado por Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas neste momento. Inelegível, Bolsonaro é um cabo eleitoral menos forte do que se esperava, o que não quer dizer que seja fraco. O bolsonarismo só está maior que o próprio Bolsonaro, que não tem cargos a oferecer em 2026, por exemplo. A força do bolsonarismo está aí. Só está em busca de alguém com tinta na caneta pra apoiar.
Bolsonaro decidiu colocar suas fichas em Alexandre Ramagem, no Rio, seu reduto, para tentar ao menos levar a eleição de lá para o segundo turno e não amargar um fracasso tão grande. Eis que surge Tarcísio de Freitas. Como governador de São Paulo, claro, sua zona de influência se limita à eleição na capital e no interior do estado. Acontece que, conforme Bolsonaro optou por agir discretamente no apoio a Ricardo Nunes e até ensaiou brevemente um apoio a Pablo Marçal, se a vitória de Nunes vier ela vai ser bem mais de Tarcísio que de Bolsonaro. E isso cacifa o governador a ser o herdeiro do bolsonarismo mais do que antes. Principalmente se o marçalismo sair realmente menor, apequenado, como um fogo de palha de um tipo de direita que não se sustenta.
Tarcísio e Nunes passariam a ter nas mãos esse trunfo de ter organizado uma direita higienizada. Eles são burocráticos o suficiente para fazer colar a noção de que são “moderados”, por mais que estejam ao lado de Bolsonaro no palanque em que o ex-presidente segue com discurso golpista e extremo. Mas ao emular uma direita conservadora clássica, de discurso de costumes e segurança pública duros e confortável para as elites econômicas que não assumiram o reacionarismo caricatural de Bolsonaro escancaradamente, Tarcísio e Nunes tornam tudo mais palatável.
Uma vitória de Tarcísio em São Paulo coloca Lula numa missão bem mais difícil em 2026. Domingo vai ser emocionante.