PF só investigará esquema envolvendo Gusttavo Lima se ministro da Justiça mandar
Uma investigação local, com alcance nacional ou até internacional. Na investigação sobre o esquema de lavagem de dinheiro proveniente de apostas ilegais, a Justiça de Pernambuco tem vivido dias comparáveis aos da Lava Jato, a força-tarefa de Curitiba, que se projetou na investigação das suspeitas de desvio de recursos da Petrobras e que, entre vários feitos, catapultou politicamente o juiz Sergio Moro (hoje senador), e prendeu o presidente Lula. E, na repetição desse contexto, cresce no ambiente interno da Polícia Federal a discussão sobre a competência ou a capacidade da polícia pernambucana de conduzir esse inquérito, em todas as suas fases, sem retrocessos ou prejuízos para a investigação.
A polícia e a Justiça do estado mexeram com gente grande. O decreto de prisão do cantor Gusttavo Lima, que foi revogado antes que ele, fora do país, pudesse ser alcançado escancarou o alto poder econômico e político dos investigados. No início do mês, quando sócios do sertanejo na casa da apostas — José André Neto, proprietário da Vai de Bet, e sua esposa, Aislla Sabrina Rocha — tiveram a prisão decretada, Lima ostentava uma festa, em um superiate, navegando pela Grécia. E tinha a companhia do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques.
O episódio demonstra a enorme condição de influenciar politicamente. Antes de a prisão ser decretada, o cantor saiu do Rock in Rio direto para os Estados Unidos e, já com o nome difundido na lista da Interpol, manteve-se com a família em sua mansão em Miami, recém-adquirida por R$ 60 milhões. Agora, com o habeas corpus concedido, ele retorna ao Brasil para sua agenda de shows. Na operação anterior, a polícia de Pernambuco havia prendido a influenciadora Deolane Bezerra, uma das celebridades que apoiaram a campanha de Lula.
A preocupação de autoridades da PF é que a força pernambucana repita procedimentos precipitados, atabalhoados ou exagerados da Lava Jato e que podem resultar em anulação de provas, também como ocorreu com a operação de Curitiba. Tudo começou com a apreensão pela polícia de Pernambuco de um saco com R$ 180 mil em uma banca do jogo do bicho em 2022. Aí, a polícia encontrou papéis do filho de um bicheiro que demonstravam que ele estava investindo em apostas online. A rigor, a competência para se investigar jogos de azar, é da polícia estadual. Mas a PF pode entrar no caso, considerando o alcance das apostas online, que se espalham por todo o território nacional.
Além disso, há suspeita de que a lavagem de dinheiro investigada tenha ocorrido de forma atípica, ou seja, com a aquecimento dos recursos obtidos de forma ilícita em nome de terceiros. Investigar esse tipo de crime requer “seguir o caminho do dinheiro” e, em momentos que ele é carregado em sacos, maletas ou malas, outras formas de investigação devem entrar em cena. Esse aprendizado a Polícia Federal tem de sobra.
Em conversa com o Meio pelo telefone, o diretor da Polícia Federal, delegado Andei Rodrigues, evitou falar sobre as investigações, alegando que o inquérito está somente nas mãos da Polícia Civil pernambucana. Também disse que ainda não tem previsão de entrada da PF no caso. Agentes da corporação, no entanto, já enxergam algumas precipitações por parte da polícia estadual nos pedidos de prisão, o que pode levar a investigação ao descrédito. Fontes da PF argumentam que o próprio vaivém das prisões concedidas e depois revogadas pode ser consequência de precipitação diante de uma grande investigação.
“Quando se decreta uma prisão, o tempo de investigação passa a ser de 10 dias a partir desse decreto. Tem que ser o último passo e precisa ser muito bem fundamentado. As vezes, é mais fácil convencer um juiz local sobre a prisão, só que também é mais fácil a decisão dele ser derrubada por um desembargador, no próprio estado, ou mesmo nas instâncias superiores”, disse, em reservado, um delegado da PF.
A PF só entrará no caso se houver um pedido do Ministério da Justiça e isso ainda não ocorreu. Outro ponto que poderia justificar uma possível entrada dos agentes federais no caso seria o envolvimento de autoridades.
Cálculo político
Ontem, o governador de Goiás confirmou que viajou com os investigados, que estava com Gusttavo Lima, que é seu amigo, no iate de luxo. Caiado também voltou para o Brasil no avião do cantor. Ele ainda contou que, enquanto estava no iate, foi avisado pelo secretário de Segurança da investigação sobre o casal, sócios do cantor, e pediu que eles deixassem o iate. Esse pedido teria contado com o endosso de Gusttavo Lima. Depois que o casal deixou o iate, todos continuaram navegando pelas ilhas gregas.
“Avisei a ele (José André Neto) que meu secretário me informou sobre a decretação da prisão dele e da esposa. Diante disso, disse: ‘Vocês não têm como ficar aqui’. Assim que terminei, eles desceram e continuamos nossa viagem por mais quatro dias”, relatou Caiado, à coluna de Bela Megale, no Globo. A conversa que aconteceu na manhã de 4 de setembro, um dia após a festa.
“O cálculo político feito por Caiado denota um ponto que pode complicar para ele. Ele soube da investigação por meio de seu secretário, ou seja, em um contexto político. Pediu que eles se afastassem, mas continuou na companhia do sócio deles, o cantor. Com o pedido, pode ter contribuído para evitar a prisão do casal. São coisas que precisam ser explicadas e que a polícia pernambucana não tem como fazer. Ele obstruiu a Justiça? Ele incorreu em crime de responsabilidade?”, questionou o delegado federal, em conversa com o Meio.