A eleição mais emocionante não é mais SP
Tem uma nova pesquisa na praça, e mudou a capital com a eleição mais emocionante do país. Sai São Paulo, entra Belo Horizonte. Mas o noticiário não fica só nessa, não é? E é preciso falar de Tallis Gomes, um dos fundadores da EasyTaxi, que era CEO do G4 Educação, teve de deixar o comando da empresa enquanto foi expulso do conselho de administração da Hope. Se parece um pot-pourri do noticiário, não é. Tudo isso tem a ver com o mesmo assunto.
Vamos começar com as duas pesquisas Atlas Inteligência que saíram hoje, de São Paulo e Belo Horizonte. Margem de erro é dois pontos percentuais, okay? Vamos começar com a maior cidade do país.
Dez dias atrás, em 11 de setembro, Guilherme Boulos tinha 28%. Na pesquisa de hoje tem 28,3%.
Pablo Marçal tinha 24%. Caiu para 20,9. Ou seja, caiu mais do que a margem de erro.
Ricardo Nunes tinha 20%. Subiu para 20,9%. O mesmo número que Marçal.
Tive uma aula, hoje, sobre essas pesquisas, com um cara que entende do bordado. Porque ler pesquisa é uma arte, não é? A orientação que a gente dá aqui no Meio é a seguinte: levamos a sério cinco pesquisas. Por quê? Porque têm histórico. Porque conhecemos os estatísticos e os cientistas políticos responsáveis por elas. São esta, a Atlas. Mais a Quaest, a Ideia BigData, o Datafolha e o Ipec, antigo Ibope. Não quer dizer que as outras sejam ruins. É só que falta informação para que dê confiança. Ainda assim, pega essas cinco pesquisas e elas têm diferenças entre elas. Isso tem a ver com a metodologia.
O que devemos esperar de uma pesquisa? Não é que ela preveja o resultado de uma eleição. É que ela faça um retrato dos movimentos de preferência do eleitorado durante a campanha eleitoral. E que faça, claro, uma estimativa, sempre com alguma imprecisão, das preferências deste eleitorado. A metodologia traz sempre distorções. Qualquer metodologia traz. Então temos de incorporar essas distorções.
A Atlas, por exemplo, é uma pesquisa feita toda pela internet, que faz convites abertos à participação dos eleitores. Aí seleciona quem responde às perguntas, distribui pelos grupos demográficos conforme o censo do IBGE, bate com o perfil do eleitorado dos pleitos recentes, e modela com um algoritmo a conta final. Olha, os resultados da Atlas, nas eleições recentes, têm sido muito próximos do resultado das eleições. Mais do que as outras. Então é importante levar a sério.
Mas há uma distorção importante que este modelo impõe. Como o eleitor escolhe responder à pesquisa, é natural que os eleitores mais engajados participem. Então candidatos que mobilizam afetivamente os eleitores tendem a aparecer melhor do que os candidatos que mobilizam menos os eleitores. Como sabemos diferenciar um do outro? É a diferença entre os votos espontâneos e os votos estimulados. Porque o pesquisador faz essa pergunta sempre, né? Em quem você vai votar? Quando o eleitor já sabe na lata, é espontâneo. Quando ele não sabe, mas escolhe um nome sugerido, é porque ele já tem uma tendência, mas não firmou ainda. Se a diferença entre um e outro é pequena, aquele candidato engaja muito. Se a diferença é grande, o candidato tem voto. Só não engaja muito.
Em São Paulo, Boulos e Marçal são candidatos que engajam muito. Ricardo Nunes, nhé, nem tanto. Então isso quer dizer o quê? Que Boulos e Marçal podem estar um pouco superestimados e Nunes corre o risco de estar subestimado nesta pesquisa em particular. Ou seja, Quaest, Datafolha e agora Atlas mostraram Marçal tendo não só seu voo interrompido como uma pequena queda. Está congelado ali naqueles 20% do qual não sai. Empatado com Nunes. Só que, nessa pesquisa, é Marçal que pode estar superestimado e é Nunes que pode estar subestimado.
Três pesquisas, números diferentes, mas o mesmo desenho. Marçal empacou. A eleição está rapidamente se aproximando. A não ser que algo muito diferente ocorra, deu ruim pra ele.
Já em Belo Horizonte, tudo mudou. E muito. A última pesquisa Atlas havia sido feito em agosto. Bruno Engler, o candidato bolsonarista, estava em primeiro com 29%. Caiu para 25.2.
Em segundo, indo pro segundo turno com ele, estava Rogério Correia, do PT. Candidato apoiado pelo presidente Lula. Tinha 17%. Caiu para 10. Despencou. Neste quadro, está muito fora do jogo.
Mas o jogo todo confundiu muito na segunda posição. Vários candidatos que tinham ou 9 ou 8% dispararam.
Em segundo está o apresentador de programa policial, o Datena mineiro, Mauro Tramonte. Com 15%. Colado nele, Gabriel Azevedo, presidente da Câmara Municipal. O candidato liberal. Com 14.4%.
Colada no Gabriel está Duda Salabert, do PSOL, deputada federal. E grudado em Duda, o prefeito Fuad Noman, com 13.5%.
É um bolo só. Dois candidatos de direita, um liberal e uma candidata de esquerda, todos misturados. É muito difícil um cenário com dois candidatos de direita no segundo turno. Não é impossível, mas é muito, muito difícil. O eleitorado em geral faz voto útil. Então possivelmente Gabriel e Duda estão mais próximos do segundo turno.
O pior é que não é só isso. Essa pesquisa do Atlas está muito, muito, muito diferente do Datafolha que saiu na semana passada. Duas pesquisas de qualidade dizendo coisas radicalmente diferentes. Neste exato momento, o eleitor belorizontino está sem bússola. Tudo pode acontecer. E há cinco políticos que têm chances reais de chegar à prefeitura. Os paulistanos que me perdoem, a eleição mais chacoalhante dentre as capitais brasileiras, hoje, fica em Minas Gerais.
Aqui no Rio a gente só dorme.
Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.
Marçal contra Datena. Musk contra Morais. Lira contra Lula. Quer ficar por dentro das tretas e disputas da política nacional? Quem assina o Meio Premium não tem problema para conversar sobre política ou qualquer tema da atualidade, pois além da newsletter diária ainda recebe nossa edição especial de sábado, com artigos aprofundados sobre assuntos do momento e o Meio Político, às quartas. Assine o Meio Premium. Apenas R$ 15 mensais. Siga o link na descrição do programa.
E este aqui? Este é o Ponto de Partida.
Em Belo Horizonte, tudo aberto. Em São Paulo a coisa parece estar se definindo. Guilherme Boulos e Ricardo Nunes no segundo turno. Este é o desenho hoje. Mas é um bocado interessante o derretimento de Pablo Marçal, ainda mais neste nível aí. Nos 20%. Eu não sei se vocês lembram, mas antes da facada, em 2018, Jair Bolsonaro tinha 18%. Essa média aí, por volta do um quinto da população, é importante.
Uma pesquisa do Datafolha pediu, em 2023, que as pessoas se pusessem numa escala de 1 a 5. Um, muito ligadas a Bolsonaro. Cinco, muito ligadas a Lula. E que cada um se distribuísse. 25% se declaram bolsonaristas puros. Um no grid. Marcos Coimbra, do Vox Populi, põe em 15% a base bolsonarista sólida. Um estudo do cientista político Lucio Rennó, da Universidade de Brasília, enxerga uma base sólida, bolsonarista, que vem se mantendo sustentável, em 20% da população. Este é o número que mais aparece. 15% é o menor número que já vi, 25 o maior. Um quinto é a base sólida. Corresponde àqueles 18% que Bolsonaro tinha antes da facada, aos 20% que Marçal amealhou. E, sim, é verdade que São Paulo não é o Brasil todo. Mas é uma cidade muito misturada, dá para fazer um corte meio irregular.
Pablo Marçal está batendo no teto reacionário. E não está conseguindo rompê-lo. E o que Tallis Gomes tem a ver com a história? Bem, são outros dois representantes deste reacionarismo brasileiro. Ambos têm muito de Marçal.
Tallis achou por bem ir no Instagram dizer o seguinte: “Deus me livre de mulher CEO. Salvas raras exceções, essa mulher vai passar por um processo de masculinização que, invariavelmente, vai colocar meu lar em 4º plano, eu em 3º plano e meus filhos em 2º plano.” Não parou aí. “Na média, esse não é o melhor uso da energia feminina. A mulher tem o monopólio do poder de construir um lar e ser base de uma família – um homem jamais seria capaz de fazer isso. Pra quê fazer a vida dessa mulher pior dessa forma?”
Tem um bando de gente tentando consertar para o cara. Dizendo que ele não estava falando no sentido geral, apenas no que prefere para sua mulher. Aquela com quem é casado. Não tem como salvar. Ele é muito claro. Acha que “energia feminina”, seja lá o que isso quer dizer, serve melhor para construir um lar. Parece que homem não sabe construir um lar. E que mulheres executivas se masculinizam.
O que é o conservador? Aquele que compreende que sociedades mudam, mas que prefere que as mudanças sejam muito ponderadas, que venham muito devagar, sempre feitas com muita cautela. O reacionário é quem reage às mudanças. Quer não apenas contê-las como quer voltar para trás. A Revolução Sexual foi nos anos sessenta. Faz sessenta anos, gente. Essa turma red pill, a turma das trad wives, as mulheres tradicionais, eles querem voltar aos valores dos anos cinquenta. A estrutura familiar padrão dos anos cinquenta. Esse troço não existe mais, vamos ser claros, há setenta anos. Isto é reacionarismo por definição. E tem tudo a ver com Marçal, casado com uma trad wife assumida.
Tem um bando de gente assim, um universo de influenciadores nessa chave aí. O fato de que Tallis Gomes foi expulso do conselho da Hope e teve de renunciar ao comando de sua empresa é mostra de que pode até fazer sucesso nos 20% de reacionários, mas para aí. É um pacote de valores olhados com estranheza por todo o resto. No mínimo com estranheza. Por um bom naco dos brasileiros, com repulsa.
Mas vinte por cento do Brasil está nesse reacionarismo aí. É bom não confundir com fascismo, tá? Há fascistas, mas são um subgrupo. Nem confundir com golpismo. Nem todo esse universo é golpista. Tem, sim, muita gente que adoraria uma intervenção militar. Mas não é todo mundo. O que agrupa essa turma toda é o reacionarismo. É a vontade de voltar para valores do passado, para uma sociedade hierarquizada na qual cada qual tem o seu papel. É um pouco tentar criar um mundo de faz de conta no qual gênero e sexualidade são um simples marcar da caixinha M ou da caixinha F, do azul e do rosa, do homem que manda, e da mulher que é a rainha do lar. Do homem que trabalha e traz dinheiro, da mulher que reza e cuida dos filhos. A marca fundamental é esta. O desejo de fazer com que o mundo volte prum passado que, em verdade, é um passado imaginado. Porque gênero e sexualidade nunca foram simples. A gente, ou pelo menos alguns de nós, só paramos de fingir que são.