E Marçal caiu?

Receba notícias todo dia no seu e-mail.

Assine agora. É grátis.

Talvez, apenas talvez, Pablo Marçal errou na dose da própria fórmula e empacou. Hoje, dos três embolados na disputa pelo segundo turno paulistano, é o com menos chances de chegar lá.

PUBLICIDADE

Saiu uma nova pesquisa da Quaest para várias prefeituras. Rio e São Paulo, Belo Horizonte e Recife. No Recife, o prefeito João Campos conta com 77% da preferência do eleitorado. No Rio, o prefeito Eduardo Paes caiu sete pontos percentuais em relação à sondagem anterior. E, ainda assim, conta com 57% da preferência. Vai ganhar também com folga no Primeiro Turno. Em Belô a coisa está enrolada entre três candidatos de direita, um deles o prefeito. Mas a gente tem falado muito é de São Paulo. E isso tem motivo, tá? Todo mundo entendeu que Marçal é um personagem no qual devemos prestar atenção.

Por quê? Por alguns motivos. O primeiro e o mais importante é que, desde o susto que foi a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, Marçal é o primeiro a inovar na comunicação digital. Isso é uma coisa incrível. A inovação em comunicação digital nunca vem da esquerda, nunca vem do centro. É sempre da direita, e da direita populista.

O resultado é que a candidatura de Pablo não tocou apenas em São Paulo. Por conta da natureza do digital, porque os algoritmos das redes não guardam fronteiras, eleitores em todo o Brasil se sentiram atraídos pela figura. Tem história pipocando de gente por toda parte perguntando como votar em Marçal, sem ter entendido de todo que ele era candidato apenas em São Paulo, capital. Porque aí vem o segundo ponto. Carisma. Essa palavra muito usada, porém pouco compreendida. A gente precisa falar sobre carisma, uma qualidade que Pablo Marçal carrega. Ele traz um misto de técnica de comunicação com carisma com evidente eficácia.

Mas eficácia para atingir a quem? Esta era a pergunta na cabeça de todos nós. Porque primeiro você alcança um núcleo inicial de eleitores, aí vai ampliando seu círculo em ondas novas sucessivas. Em 2018, por exemplo, Bolsonaro empacou por um bom tempo nessa faixa aí dos 20%. Parecia que não ia ultrapassá-la. Aí veio a facada e ele começou a galgar novas e novas posições, até vencer a eleição.

No domingo, Marçal tentou transformar a cadeirada que tomou de José Luiz Datena num momento assim. De um grande drama, uma grande agressão. Ao que tudo indica, não deu certo. Nos grupos de foco que assistiram a tudo ao vivo, a reação de homens das classes C e D já havia sido negativa. Algo na linha “ele provocou, levou, lá no bairro é assim que funciona”. Ou seja, menos no núcleo duro do seu eleitorado, homens jovens nas classes C e D, a coisa bateu torta. Aí, nos dias seguintes, os trackings, as pesquisas diárias com pouca precisão mas que dão uma noção de movimento pra cima ou pra baixo, sugeriam que Marçal ou havia empacado ou começado a cair.

Pois hoje saiu a Quaest. Ricardo Nunes lidera no mesmo lugar em que estava na semana passada. Tem 24%. Em segundo, colado, está Guilherme Boulos, com 23%. Semana passada tinha 21%. E Pablo Marçal inclinou pra baixo. Está com 20%. Tinha 23%.

O primeiro ponto a entender é o seguinte: todos oscilaram dentro da margem de erro. Na margem de erro, estão os três em empate técnico. Ainda assim, essa pesquisa tem um monte de informação.

Marçal contra Datena. Musk contra Morais. Lira contra Lula. Quer ficar por dentro das tretas e disputas da política nacional? Quem assina o Meio Premium não tem problema para conversar sobre política ou qualquer tema da atualidade, pois além da newsletter diária ainda recebe nossa edição especial de sábado, com artigos aprofundados sobre assuntos do momento e o Meio Político, às quartas. Assine o Meio Premium. Apenas R$ 15 mensais. Siga o link na descrição do programa.

A Quaest é importante porque 80% dos questionários foram respondidos na segunda e na terça-feira. Ou seja, a maioria das pessoas que deram pitaco na pesquisa falaram depois da cadeirada. Essa margem de erro média é de três pontos percentuais. Isto quer dizer que, no limite acima, esses vinte pontos do Marçal podem perfeitamente ser 23. E, no limite abaixo, os 24 do Nunes podem perfeitamente ser 21. Então é por isso que dizemos que estão tecnicamente empatados.

Só que, nessa casa aí dos 20 a 25%, as chances de o erro se aproximar no limite são menores. Funciona assim. Quanto menos pontos tem um candidato, menores as chances de o percentual dele estar muito errado. Quanto mais ele se aproxima ali dos cinquenta pontos, maiores as chances de o erro se aproximar de três pontos percentuais. No fim das contas, isso quer dizer o seguinte: é bastante provável que Marçal tenha parado de crescer e tenha tido, realmente, uma pequena queda. Assim como é bastante provável que José Luiz Datena tenha mesmo subido de 8 para dez por cento.

Até porque esta é a informação que temos também dos trackings. Eles todos identificaram que Marçal parou de crescer ou até recuou. São sinais demais apontando para o seguinte fato: a cadeirada foi muito diferente da facada. A cadeirada teve um efeito contra Marçal. As pessoas não são bobas. Elas entenderam perfeitamente qual é a do Pablo. Ele fica provocando. Ele fica atiçando. Quando pega na frente alguém que tem esse comportamento meio de machinho que precisa defender a própria honra, como é o caso dum apresentador de programa desses de bater cassetete na mesa, aí dá nisso.

Mas o ponto fundamental, aqui, é que temos o primeiro sinal de duas coisas. O primeiro, que Marçal pode ter batido em seu teto. O segundo, que sua estratégia tem grande sucesso em alcançar aquela parcela radicalizada do eleitorado, mas não passa disso.

E, aí, a gente precisa falar destes eleitores. O homem de classe média baixa. Ele é conservador, porque a classe média baixa é conservadora. Mas esses camaradas não são anti-esquerda apenas porque são conservadores. Eles também são anti-esquerda porque um pedaço grande da esquerda é anti-eles. Esse sujeito com educação média, em geral evangélico mas nem sempre, tem uma visão de como a sociedade funciona que é bem tradicionalista. Ele não é necessariamente um agressor de mulheres, mas ele tem uma visão sobre o papel do homem e papel da mulher na sociedade que é muito diferente da que progressistas bem educados têm. E isso quer dizer, também, que ele compreende seu papel como o de provedor. Ele precisa trazer dinheiro para casa todo dia. E, no mundo dos apps, das redes, isso quer dizer uma quantidade abissal de trabalho. Não é que ele reclame. Ele acredita em esforço pessoal. Ele acredita muito em esforço pessoal.

O discurso de Marçal, de empreendedorismo, de valor do esforço pessoal para construir a própria vida, de família tradicional, se encaixa como uma luva na visão de vida que esses caras têm. Um pedaço mais tradicional da esquerda os vê como alienados no sentido marxista da palavra. Ou seja, pessoas que não têm consciência de classe, que votam contra os seus próprios interesses. A esquerda mais identitária vê um ogro machista, um estuprador em potencial. Ambos os jeitos de ver esse corte de uns 20% da sociedade urbana brasileira têm um resultado imediato: jogá-los todos no colo da direita populista. Em geral, essa direita populista é também radical.

Este não é um ponto irrelevante. Este, aliás, é um ponto fundamental para compreender o que estamos vivendo em vários lugares do mundo. Há um profundo desencontro de valores entre as parcelas mais educadas e as menos educadas da população. Em outros tempos, esse modelo mais tradicional de organização da sociedade era aceito por uma quantidade maior de pessoas. Hoje o contraste está dado. Mas a reação da turma mais educada vem sendo olhar de cima pra baixo para essa turma. E isso gera uma ruptura, gera ressentimento. Sempre que a gente traz ressentimento para dentro da política, o resultado é radicalização, principalmente à direita.

A matéria prima com a qual os Bolsonaros, os Trumps, os Marçals da vida trabalham é ressentimento.

É preciso construir mais espaço para mulheres na sociedade. É fundamental. A violência contra mulheres, principalmente contra mulheres jovens, principalmente contra meninas, é imensa e opressiva no Brasil. Só que estamos encarando este problema do jeito errado. Estamos encarando ele de um jeito que não resolve o problema, pelo contrário, acirra o conflito que leva a não resolvermos o problema.

A gente precisa reiniciar o diálogo e existe um caminho para falar de direitos das mulheres com pessoas conservadoras. É pelos valores morais, pelos valores da família, pela proteção de suas mulheres e suas filhas. Só que, para chegar lá, precisamos ter a capacidade de diálogo. Precisamos ter respeito por quem tem valores muito distintos dos nossos. Esta é a base da democracia. Aprender a discordar. Será que somos capazes?

Que ninguém se iluda. Enquanto não formos capazes de conversar com o núcleo duro da direita radical, a direita radical seguirá ali. De pé. Talvez Pablo Marçal não consiga construir uma base nela e decolar. Mas, enquanto essa turma tiver este tamanho, um quinto de uma grande cidade como São Paulo, um quinto da população brasileira, ali na frente vem um Marçal mais esperto. Usa as mesmas técnicas mas consegue atrair mais gente em volta.

Não é só técnica de comunicação digital que democratas precisam aprender. É também conversa básica que está nos faltando.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.