Marçal e Musk te acham um idiota. Você é?

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Na origem do termo, ser idiota era ser alienado, desligado do coletivo e da vida pública e política. É nisso que se baseia a tal economia da atenção de Pablo Marçal e o lamaçal em que Elon Musk transformou o Twitter: na ideia de que não percebemos seus métodos, não nos importamos com os outros nem com a política, só com o ódio que eles têm a destilar. Vai caber a nós provar que não somos os idiotas que eles pensam que somos.

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No Roda Viva, pressionado pela jornalista Malu Gaspar, Pablo Marçal fugiu de novo da resposta sobre por que declarou que tem que se comportar como um idiota para conquistar o eleitor, que gosta mesmo é disso, de idiotices. Na véspera, ele já havia escapado de responder sobre isso a Josias de Souza, no tenebroso debate com os candidatos a prefeito de São Paulo.

É bastante curioso assistir a esse recuo dele, esse medo de admitir o que está gravado, pra quem quiser ouvir. Marçal disse a Igor 3k, apresentador do podcast Flow, que “no processo eleitoral, me perdoe, você tem que ser um idiota. Infelizmente, a nossa mentalidade gosta disso. E, por ser um povo que gosta disso, eu preciso produzir isso. Preciso ter um comportamento que chame a atenção. Não é uma parada que eu me divirto”.

Nas eleições de 2022, eu escrevi numa Edição de Sábado do Meio sobre o fenômeno do Flow, um podcast em que o anfitrião deixa os políticos tão à vontade que arranca declarações jocosas, surpreendentes, íntimas. Os convidados não veem Igor como jornalista — e ele de fato não é e nem finge ser — e, por isso, meio que se desarmam e admitem uma série de coisas que talvez não confessassem para um repórter.

Foi nesse espírito de bate-papo de mesa de bar que Marçal declarou que produz um comportamento de idiota para chamar a atenção. Que é essa a mentalidade do povo. E que ele não se diverte fazendo isso. Bem, cá entre nós, o fato de você ser capaz de produzir um comportamento idiota não exclui a possibilidade de você mesmo ser um grande idiota — ao contrário. Mas, ainda que seja um efeito artificial, não me parece que ele não esteja se divertindo nem um pouco. Ninguém conseguiria ser tão talentoso em produzir idiotices sem tirar algum prazer nisso.

Nas mal-ajambradas respostas que Pablo tentou formular a Malu e Josias, sempre de forma agressiva, ele buscou justificar sua frase com o argumento da economia da atenção. E aqui, sim, ele tem um know-how, um expertise que passam longe da estupidez para funcionar. Pablo compreende essa economia da atenção e a explora eleitoralmente, obrigando todos os seus adversários a descer a seu nível. Pablo é o que Carlos Bolsonaro e André Janones apenas sonharam em ser nesse aspecto.

E não se trata de atrair essa atenção com idiotices. Esse termo soa quase infantil para qualificar o que realmente captura a atenção nas redes. Mas, como eu vou te explicar logo mais, ele faz mais sentido do que parece, até. A questão é que o que mobiliza atenção é o negativo. O agressivo. O imoral. O surreal. O indecoroso. Tudo aquilo que permeia todas as redes, mas que havia inundado o Twitter — é Twitter que chama — de forma irremediável desde que Elon Musk comprou a empresa.

E agora? Como é que a política vai sair dessa enrascada? Dessa armadilha de só se conseguir chamar a atenção dos eleitores pelo lado do obsceno, do indefensável? É essa a encruzilhada em que estamos.

Se você procurar a origem do termo idiota vai encontrar nos dicionários e em reportagens a explicação de que a palavra vem do grego idiōtēs. O povo grego valorizava fundamentalmente o engajamento cívico das pessoas. Então, o insulto era para diferenciar o cidadão comum daqueles que tinham algum cargo público ou alguma participação na vida política. Mais do que isso até, um idiota era aquele ser que só pensava em si, nunca no coletivo. Basicamente, um idiota era um alienado.

É nisso que Pablo Marçal aposta todas as suas fichas. Na certeza de que seus eleitores abdicam de compreender a política para escolher alguém que fale a língua do ultraje das redes sociais. Do individualismo. Do benefício próprio.
Quando ele traduz suas “idiotices” para a economia da atenção das redes, ele está descrevendo claramente o que os algoritmos priorizam em suas entregas. Falar de propostas, com qualquer sobriedade, ou mesmo fazer memes mais engraçadinhos não são eficientes na economia da atenção política. Mentir que o adversário é cocainômano, ou que a adversária é culpada pelo suicídio do pai, isso sim chama a atenção.

Faz tempo que quem estuda internet explica que o que mobiliza é a emoção. Ela pode ser positiva também. Claro que um bom meme de gatinho tem seu poder. Mas, aparentemente, não no contexto da disputa eleitoral. E não quando um dos candidatos opta pelas negativas pra engajar. Porque as negativas, dizem os especialistas, tendem a prevalecer. Rir junto é uma delícia. Indignar-se junto é mais poderoso, mais contagioso. É muito difícil combater o engajamento pelo choque, pela ofensa, pela raiva e pelo medo com algo leve, sutil, otimista, amoroso.

A fórmula que Pablo Marçal encontrou para vender seus cursos de coaching estimulava a ambição a partir da frustração financeira das pessoas, da inconformidade com o “sistema”. Muitíssimo espertamente, ele salpicou seu tom messiânico por cima, porque isso empresta um ar aspiracional, nobre, cristão a tudo isso. Uma emoção positiva. E é claro que as pessoas aflitas para crescer economicamente, num mercado hostil e diferente de tudo que elas conheciam, se seduziram com essas ideias.

Na política, Pablo foi muito além. Nem por um segundo fingiu ter um sentimento positivo envolvido. Chegou de voadora mesmo. Foi violento desde o começo. Reduziu a política de São Paulo a uma grande batalha de ofensas e mentiras que escandaliza até figuras como José Luiz Datena, um dos papas do jornalismo policialesco do país. Imagina você ser tão agressivo, tão cruel a ponto de deixar o Datena horrorizado?

A cartilha de Marçal não é inovadora. Só está com todos os updates em dia. A gente tende a esquecer, mas Jair Bolsonaro passou a existir no mundo com esse método. Ia a programas de TV e fazia discursos na Câmara de um jeito chocante pra chamar a atenção. Tinha em seu gabinete em Brasília memes impressos colados na parede — ninguém me contou, eu vi. Bolsonaro era um meme de si mesmo.

Na campanha presidencial, falou em metralhar adversários e coisas do tipo. Na Presidência, levou essa escola a outro patamar, com seus papos no cercadinho. Pablo Marçal não é inovador, não é um gênio do marketing, nada disso.
Ele é tão somente o bolsonarismo nativo digital. Alguém que entendeu a tal economia da atenção tal qual Bolsonaro, mas já cresceu inserido nela, nunca foi analógico.

E Elon Musk, o que tem com isso? Bom, ambos são tipos distintos de libertários afins à extrema direita. Musk está determinado a usar a economia da atenção com o que ela tem de pior, o ódio e a violência, para avançar sua agenda globalmente, tratando países como o Brasil e suas leis como uma subclasse de democracia. Pablo pode até querer ser presidente, mas está mais interessado mesmo em prosperar, em vender mais curso e fazer avançar sua seita, o Quartel General do Reino.

O que Pablo e Musk têm em comum é a certeza de que somos idiotas. Alienados politicamente, despreocupados com o coletivo, alheios a seus métodos. E aí?

A saída dessa armadilha está na política de verdade, na disposição em sair da lógica dos algoritmos. Vai depender de cada um de nós provar que não somos idiotas.

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