Não foi isso, não, né seu Pablo Marçal?

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O que aconteceu nesse fim de semana, na campanha pra prefeitura de São Paulo, foi bastante surpreendente. O Tribunal Regional Eleitoral mandou suspender temporariamente os perfis oficiais do candidato Pablo Marçal de várias plataformas. Na lista Instagram, X, TikTok, YouTube e Discord. Mas vejam só. Presta atenção aqui: mandou suspender temporariamente os perfis oficiais. Apenas os perfis oficiais. Nada mais do que os perfis oficiais. Pablo Marçal não foi banido das redes sociais. Pablo pode abrir outros perfis à vontade.

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O que aconteceu ali é completamente diferente das muitas ordens, dadas pelo ministro Alexandre de Moraes, de suspender das redes vários bolsonaristas. Porque esta ordem veio recheada de explicações. Por que suspendeu, que comportamento espera que mude, que lei foi violada.

Mas aposto que você não havia compreendido isso, não é? Aposto que você, mesmo que não seja paulistano, foi bombardeado durante o fim de semana por pelo menos um vídeo de Marçal falando que estava sendo censurado. Que estava abrindo perfis novos nas redes mas o sistema estava tentando calar sua voz.

Por que esta decisão?

Vamos lá: Pablo usa uma técnica manjada de marketing digital. Ele dá muitas entrevistas, participa de debates, faz comícios. Essas coisas precisam ir pras redes sociais na forma de cortes. Trechos curtos, de trinta segundos, um minuto se tanto, com uma lacrada, a cara estupefata de um adversário. Um flagrante, sabe? Um momento de impacto. Na maior parte das campanhas, nas campanhas normais, quem faz isso é a turma do marketing. O Pablo não faz desse jeito. O que ele faz é um concurso contínuo. Um concurso que não para nunca.

Funciona assim. Vocês lembram do Discord? Foi uma das redes onde ele tinha perfil que foi suspenso. As pessoas conhecem as outras, mas só geek mesmo, rato de internet, conhece o Discord. É um sistema de fóruns, descentralizado. Quase 500 milhões de usuários registrados. É o tamanho do X, só que é mais para garotada, principalmente para gamers. Boa parte das conversas sobre videogame, na internet, aquelas de alto nível, acontecem no Discord.

É neste ambiente de conversas que o Pablo tem um canal e, nele, promove esse concurso de cortes. Ele paga prêmios em dinheiro para quem tem mais sucesso. Ou seja, para quem faz cortes que viralizam. Centenas de pessoas participam desses concursos. Então se tem um debate na televisão, tem um monte de garotos olhando o que acontece e produzindo os vídeos curtinhos. Botam uns efeitos, umas palavras, dão uns closes. Cada um com sua criatividade. Assim, são jogados nas redes, por inúmeros perfis, uma avalanche de cortes. E esse é um jogo de números grandes.

O ponto é o seguinte. Cada rede tem seus algoritmos particulares, com suas manhas, e ninguém sabe ao certo o que vai viralizar. Claro, quem faz isso muito tem suas intuições. Gente como o Pablo, que se diz especialista em marketing digital, conhece alguns truques, sim. Mas esse troço não é infalível. Sim, tem um monte de vídeos na rede revelando os truques de Pablo Marçal. Mas o maior truque está nesse jogo de grandes números. Nesses concursos. Se uma equipe de marketing produz três ou quatro cortes de um debate, talvez um deles viralize. Se a garotada do concurso produz cem cortes, a chance de uns três viralizarem é muito maior. Quanto mais vídeos você faz, muito maior a chance de algum dar certo. E o melhor, pro Pablo, é que ele só precisa pagar os que dão certo. Os que dão errado, danou-se. A pessoa pessoa trabalhou de graça, azar o dela.

Pablo Marçal viraliza muito mais do que os outros candidatos porque joga, nas redes, uma quantidade muito maior de vídeos do que todos os outros. Consegue fazer isso porque tem um exército cortando para ele de graça. Sim, ele paga alguns. Mas a maioria está trabalhando de graça porque é um concurso, afinal. E o cara é coach, né? Segundo declarou ao TRE de São Paulo, tem 170 milhões de reais no banco. Ganhou tudo isso vendendo curso online. Isso faz dele, certamente, o maior especialista em marketing digital do mundo, o maior vendedor de cursos online do mundo, o maior escalador de montanhas com grupo no meio da chuva do mundo e, claro, o maior coach, vá, pelo menos do Brasil, né?

Convencer gente a trabalhar de graça a gente sabe que ele consegue. Vamos deixar bem claro isso aqui: estamos falando de um cara que já foi preso por fraude na internet. Já foi preso por isso. Mas não deixem que eu me perca do ponto principal, aqui. O que foi, exatamente, que o juiz Antonio Maria Patiño Zorz decidiu? Por que esta decisão é muito diferente das decisões que o ministro Alexandre de Moraes vem tomando?

O problema é o seguinte: campanha eleitoral é cheia de regras. Se você contrata alguém para um serviço, precisa pagar oficialmente e documentar este gasto como de campanha. Então o juiz explicou sua decisão desta forma:

“Tal conduta não seria um impulsionamento feito de forma lícita e tampouco à contratação regular de pessoas para campanha/pré-campanha.”

Ou seja: o que o Pablo Marçal fez é ilegal. O concurso é ilegal. Se ele documentasse tudo, talvez fosse diferente. Mas, essa é a avaliação do juiz Patiño Zorz, ele turbinou os perfis oficiais com um anabolizante e pagou pelo serviço por fora. O nome é caixa dois.

Pois é, nenhum dos jornais explicou a coisa direito e aí o cara fica falando que está sendo censurado. Não está. A lei eleitoral tem um motivo de ser assim. É garantir a partidade de armas, garantir que ninguém está com uma vantagem indevida.

E, nessa, o juiz escreveu mais. No fim. Em negrito para deixar bastante claro:

“Destaco que não se está, nesta decisão, a se tolher a criação de perfis para propaganda eleitoral do candidato requerido, mas apenas suspender aqueles que buscaram a monetização dos ‘cortes’ meio de terceiros interessados.”

Ou seja, aquilo que o Pablo fez durante o fim de semana, que é criar perfis novos em todas as redes, foi autorizado pelo juiz eleitoral. Autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Precisa repetir? O que ele fez, ele fez porque a Justiça claramente disse que ele estava no direito de fazer. Porque ele não está banido das redes. Não foi censurado.

Agora, tem uma outra conversa que a gente pode e deve ter. A decisão do juiz é boa? Não, não é. O juiz está partindo do princípio que vai reequilibrar o jogo se tirar de Pablo os perfis que ele criou e vem turbinando faz anos. Não parece que funciona, tá?

Nos últimos anos, muitos pesquisadores vêm estudando, em todo o mundo, os efeitos do que a gente costuma chamar de deplatforming. É a palavra em inclês para esse ato de tirar as plataformas de um político. Quando acontece com políticos desse tipo, como o Pablo, o Bolsonaro, Donald Trump, ele sempre respondem dizendo que estão sendo censurados. Atacados pelo sistema. Cada um tem um nome diferente pra coisa, tá? O Trump chama de Deep State, o Estado profundo. O Pablo chama de o sistema. Não importa, é essa ideia de que há uma máquina ideológica feita para impedir que os salvadores da pátria cheguem ao poder.

É fundamental, para estes políticos, convencerem seus eleitores de que esse sistema existe. Quando há uma ação desse tipo, o resultado é que a história se confirma. Em geral, uma ação dessas de retirar perfis do ar provoca uma mobilização maior da militância. Aquelas pessoas que apenas simpatizam com o cara, passam a prestar maior atenção. Se ligam mais no que veem como ameaça. Às vezes há aumento da radicalização.

Os estudos são muito recentes, mas é isso que vem sendo observado. Tem um exemplo claro que é o próprio Trump. Ele foi suspenso do Facebook, do Instagram e do Twitter após o ataque ao Capitólio. Esteve mais de três anos fora das plataformas. O conteúdo do Trump sumiu das três redes? Não, está lá, firme e forte. Popular como no tempo do auge. Trump se tornou um candidato com menos chance de ser reeleito presidente? Não, não mudou rigorosamente nada. As chances dos democratas aumentaram com a saída de Joe Biden, claro, mas que ninguém se engane. As chances de Kamala Harris e de Donald Trump, na eleição deste ano, são parelhas. Ambos têm chances bem equivalentes.

O ponto é o seguinte: não foi uma decisão de censura. Não foi uma decisão em segredo, embora a Justiça Eleitoral tenha feito um trabalho muito ruim de explicar a decisão. E, olha, nós da imprensa não ajudamos muito. Mas quem lê a decisão pública do juiz compreende que é uma decisão muito transparente. Explica onde está o crime, qual a lei violada, por que o juiz escolheu esta pena e deixa claríssimo que as redes continuam abertas ao candidato Pablo Marçal.

Agora, se vocês querem uma dica. Tem uma candidata enfrentando o cara de frente. Ele é um novo Bolsonaro. Se eleito prefeito de São Paulo, tem chances fortes de chegar à presidência. Eu, se fosse vocês, dava um pulo nos perfis de Tabata Amaral para ver os vídeos que ela está produzindo sobre Pablo. Tem fio para tirar dessa meada. Sabe aqueles 170 milhões vendendo curso online? O dinheiro, a fortuna pessoal dele, é oficial. É o que ele declarou à Justiça Eleitoral.

Como foi feita, hein?

 

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