Meio

Tem quem comemore, tem quem chore e tem quem conspire.

É, estou falando das mortes de dois empresários, Mike Lynch e Stephen Chamberlain. Os dois, dentro de dois dias, morreram em situações acidentais. Não só eles, também o advogado de defesa e uma das testemunhas do processo.

Stephen saiu para correr no sábado de manhã e foi atropelado. Mike estava com sua família e amigos, comemorando sua inocência, num iate atingido por uma tempestade na Itália na madrugada de segunda.

Mike e Stephen eram colegas na Autonomy, vendida para a HP em 2011. Mike cofundador, Stephen diretor financeiro.

O problema é que essa venda, de leves e nada impressionantes US$11 bilhões, fez a HP acusar a Autonomy de fraude contábil.

Lynch e Chamberlain morreram após serem inocentados no processo em junho. A viagem de Lynch, no iate, era para comemorar sua inocência. Ele, com 59 anos, mais sua família, amigos e membros da sua defesa.

Hoje a Curadoria é sobre esses dois rapazes, um deles ex-bilionário, a tecnologia que eles criaram nos anos 90 e o processo que eles foram inocentados. E já adianto que nos escritórios da Autonomy o clima devia ser ótimo, considerando que na recepção tinha um tanque de piranhas e salas de reuniões com nome de vilões do James Bond.

Quem não ama um bilionário brincalhão? Em Meio a piranhas e agentes, eu sou Bruna Buffara e esse é o canal Meio.

Tem quem chore porque a história é trágica mesmo, no iate Bayesian eram 22 a bordo, 15 sobreviveram e a filha de Mike, de 18 anos, segue desaparecida.

O magnata estava desaparecido e o corpo foi achado ontem de manhã. O iate foi atingido por uma tempestade e afundou às 5 da manhã de segunda na Sicília.

A previsão do tempo no dia tinha alertado para potenciais ventos fortes, com tempestades em toda a zona sul da Itália no domingo. Choveu mais de 100mm em menos de quatro horas. O Bayesian, que estava ancorado, virou. O iate tem 3 andares e um mastro de 75 metros. O segundo maior mastro do mundo.

Outros barcos na costa também relataram problemas para se manterem seguros.

Já o Stephen Chamberlain, que era diretor financeiro da Autonomy, foi atropelado sábado e chegou a ir para o hospital.

Óbvio que nas redes o tom é outro. O tom é de que a tradição de sacrificar bilionários para Poseidon se manteve esse ano.

Sério, 755 mil curtidas (essa piada acontece desde que o submarino da OceanGate implodiu no oceano).

Stephen e Lynch, juntos, foram acusados de 15 crimes. Um de conspiração e 14 de fraude contábil. Foram inocentados de todas.

A denúncia era de que os dois teriam inflado o valor da Autonomy antes de vender para a HP. Nisso, a HP teria perdido mais de 8 bilhões de dólares. Foram denunciados por fraude.

No Reino Unido esse foi um dos julgamentos civis mais longos da história, que finalizou em 2022 – com uma vitória da HP.

O juiz disse que os danos eram menores do que os 5 bilhões que a empresa pedia, mas Lynch foi extraditado para os Estados Unidos para enfrentar acusações criminais, onde negou qualquer irregularidade.

Tá, mas… Quem eles eram!? Bilionário do que? O que fazia a Autonomy?

Cara, Lynch era tido como o Bill Gates britânico. Como uma estrela. Quando a HP o demitiu teve até coluna de opinião que perdiam uma estrela. Ele foi conselheiro da BBC como diretor não-executivo, conselheiro do Primeiro Ministro David Cameron sobre o desenvolvimento da Inteligência Artificial em 2011.

Sua tese de doutorado é tida como uma das mais lidas na biblioteca de Cambridge.

Mas ele não parecia ser uma pessoa adorável não.

Desde 2008 já tinham relatos de que a gerência da empresa era perversa.

Além do tanque de piranhas na recepção, salas de reunião com nomes de vilões do James Bond. Uma vez quando o confrontaram sobre a cultura corporativa da Autonomy, ele respondeu que esse não é o lugar para você se você não ama seu trabalho e quer trabalhar das 9 às 5.

Parece um ambiente saudável, né? Por isso, deve ter quem comemore.

Ex-funcionários denunciavam Lynch por ter um comportamento nocivo, de humilhação a bullying.

Tem até histórias de um executivo do marketing teria tido que pegar bituca de cigarro do chão e outro que teria sido forçado a comprar roupas de baixo para um dos chefes do financeiro.

O software da empresa extraia informações desestruturadas de ligações de telefone, e-mail ou vídeo. Eles reconheciam palavras, basicamente.

É, depois de anos lutando na Justiça, Mike Lynch viajou para celebrar sua inocência.
Mike morreu, seu advogado de defesa que estava junto, morreu. O presidente do conselho de administração do banco Morgan Stanley International, que testemunhou a favor de Lynch, também morreu.

A guarda costeira italiana segue investigando o acidente.

Mike e Stephen tiveram sorte ao serem inocentados de todas as acusações. Se condenados, poderiam ter ficado 25 anos presos.

E eles provavelmente achavam que seriam condenados, afinal o CFO da empresa Sushovan Hussain, também acusado de fraude, foi considerado culpado – pelo mesmo juiz.

Depois de 11 semanas, foram inocentados.

Dois meses depois, com dois dias de distância, os dois inocentados, parte da equipe de defesa e uma testemunha estão entre os mortos. Por isso, tem quem conspire.

O naufrágio levou 16 minutos para acontecer. O diretor do grupo Italian Sea, fabricante do iate, culpou a tripulação e disse que o capitão deveria ter feito outro rumo de ações. Ele compara o acidente com o outro barco, ancorado a 350 metros de distância, construído em 1957 que brilhantemente conseguiu triunfar na tempestade.

O capitão desse barco, Karsten Borner, reportou que ligou o motor e manobrou para evitar uma colisão com o Bayesian e que, logo depois, perdeu o iate de vista.

Ele quem resgatou os 15 sobreviventes.

Mas as investigações ainda não terminaram. Ainda, Constantino disse que conferindo as imagens das câmeras de segurança, teria tempo para retirar todos do barco e dentro de botes salva vidas.

Mas se é para entrarmos em detalhes, de acordo com a ISG, quando a quilha do barco está levantada, o Bayesian pode suportar uma inclinação de até 73 graus; quando a quilha está abaixada, ele pode inclinar até 88 graus — uma posição quase plana com o mastro na água — sem virar.

Claro, essa é a visão do fabricante do iate, é também claro que ele vai defender o seu ganha pão – vamos lá.

Conspiração ou não, tudo isso foi uma baita coincidência.