Pablo Marçal é esquisito

Receba notícias todo dia no seu e-mail.

Assine agora. É grátis.

Então, tá. Pablo Marçal, né? A gente vai ter que falar dele.

PUBLICIDADE

Pablo Marçal é daquele tipo de personalidade tão esdrúxula que hipnotiza.
Ele me lembra aquele programa que tem na Netflix, o Planeta Bizarro, você já viu? É um seriado que mostra os animais mais exóticos, estrambóticos e disformes da natureza e vai revelando seus atributos, por mais escondidos que eles estejam. Ou melhor, sua funcionalidade no ecossistema. Tem uns que dão até engulho, aflição mesmo. Mas a gente não consegue desgrudar os olhos deles.

No caso de Pablo Marçal, está ficando cada dia mais claro seu papel no bioma da extrema direita. Ele pode até nem querer cumprir esse papel, mas está crescendo nele.

Caso você não seja de São Paulo, onde ele é candidato a prefeito, nem de Goiânia, sua cidade natal e onde construiu sua vida de empresário, pode ser que você não o conheça.

Mas é improvável. Com sua performance construída sob medida pro gosto dos algoritmos e com sua fracassada candidatura à presidência da República em 2022, ele já se tornou uma figura nacional.

Pablo Marçal veste o figurino de tudo que a extrema direita professa hoje. Ele é um amálgama muito mais bem acabado do que qualquer filho de Jair Bolsonaro — e inclusive do que o próprio.

Pablo é homem, jovem, nasceu pobre e ficou rico, declarou quase 170 milhões em bens, é cristão, pai de quatro filhos. Emula aquela imagem da prosperidade construída, merecida, planejada. No seu histórico, além de nascido no Centro-Oeste filho de uma família bastante tradicional da classe média baixa, teve uma vivência num garimpo de Tocantins, ainda criança. Foi atendente de telemarketing. Se formou em Direito e sonhava em ser delegado da Polícia Federal.

Olha só quanta palavra-chave pro bolsonarismo. Calma, que tem mais. Pablo Marçal era um autoproclamado “coach messiânico”. Hoje, diz que é ex-coach e precursor dos “infoprodutos” no Brasil. Na prática, o que isso quer dizer é que ele formula uma gama de cursos para ensinar as pessoas a “prosperarem” e os vende de variadas formas, sempre associando ao nome de Deus.

Ou seja, segue sendo um coach messiânico mesmo. Tanto que hoje uma de suas maiores empreitadas é um “movimento” chamado Quartel-General do Reino — olha aí o linguajar militar pra completar o bingo das senhas bolsonaristas. Mas eu conto mais do movimento ali adiante.
Quando decidiu entrar na política, em 2022, num vídeo sobre sua biografia declarou, ao melhor estilo Kassab convertido, o seguinte: “Não sou de direita, não sou de esquerda. Sou do Alto”.

Bom, se isso era verdade, já mudou. Cá entre nós, hoje, Pablo Marçal é uma expressão tão pura do bolsonarismo, com o software atualizado, que até a família Bolsonaro já está repensando a proximidade com ele, com medo de ele se apropriar do espólio.

Mas e aí? Como lidar com esse personagem político histriônico, agressivo, claramente nocivo? A resposta pode estar na eleição presidencial americana. Fica aqui comigo que te conto mais sobre quem é Pablo Marçal e sobre essa hipótese.

Eu sou a Flávia Tavares, editora do Meio. Se você ainda não conhece tudo que a gente faz, te convido a dar uma vasculhada aqui no nosso canal do YouTube. Você vai ver que tem entrevista, tem opinião e análise, tem informação. Se curtir, dá um passeio pelo nosso site, canalmeio.com.br. Lá, você vai achar nossa newsletter diária e as edições exclusivas para assinantes premium, que pagam só 15 reais por mês. Tem tudo que é formato: nota curta, textão, pergunta e resposta, charge. O Meio traz o jornalismo de qualidade pra quem quer se informar pra valer, sem os filtros das redes sociais, e formar as próprias visões. Assine!

Guilherme Boulos e Ricardo Nunes eram, até pouquíssimo tempo, a cara da polarização nacional na eleição municipal de São Paulo. Boulos, o candidato de Lula; Nunes, o de Bolsonaro. Tabata Amaral buscava se apresentar como terceira via, embora mais próxima do lulismo. Datena, por sua vez, entrava como terceira via à direita. E então Pablo Marçal se apresentou e bagunçou tudo.

Há quem suspeite de que ele nem queira se eleger a nada. Que seja tudo parte de uma estratégia de vendas de seus “infoprodutos”. Eu tenho dúvidas.

A questão é que, querendo ou não, Pablo Marçal mobilizou o bolsonarismo de uma forma que só o próprio Bolsonaro conseguia fazer. Claro que não com a mesma potência. Mas com um imenso potencial.

Tarcísio não tem o mesmo carisma. Michelle é, além de mulher, podada pelo marido. Os filhos do Jair têm uma trajetória política que não entusiasma tanto por não ser novidade, já ter um desgaste, além de vir com a marca de serem “apenas” filhos de Bolsonaro.

Pablo Marçal encarna tantos atributos caros ao bolsonarismo que pode mesmo se habilitar como seu herdeiro.

Seu jeito de provocar os adversários e de tirá-los do sério é pela total falta de decoro, de pudores. Insinua que Boulos é cocainômano e, mesmo punido por isso, vai lá e repete, dobra a aposta. Ofende Tabata por todo ângulo possível de se ofender uma mulher. Em seguida, repete que é um cristão e defensor da família, evidentemente.

Assim como Bolsonaro, tem múltiplas investigações correndo contra si. Tem também uma condenação por furto, por fazer parte de uma quadrilha de phishing, aquela prática de invadir contas bancárias das vítimas pela internet. Chegou a ser preso em 2005.

Embora jure que só foi envolvido na trama por consertar os computadores de um “cara da igreja”, a investigação da Polícia Federal aponta que Pablo era o responsável por operar um programa que captava os emails das vítimas. Ele foi condenado a mais de quatro anos de prisão. Não chegou a cumprir porque, depois de tantos recursos, quando o processo transitou em julgado a pena já estava prescrita.

Um dos casos mais famosos foi aquele de janeiro de 2022, quando ele levou uma turma de pupilos pra um passeio no Pico dos Marins, em São Paulo, e precisou ser resgatado com a galera. Por esse episódio, ele é investigado por tentativa de homicídio.

Em junho deste ano, um funcionário de uma das empresas de Pablo morreu numa corrida de rua. Desde que o coach foi proibido de fazer aventuras ao ar livre sem autorização da polícia, ele mudou o foco dos “desafios” aos funcionários e participantes dos programas para corridas longas.
Fora isso, tem as investigações eleitorais. A que levou o Ministério Público eleitoral a pedir a suspensão de sua candidatura investiga se ele abusa do poder econômico prometendo pagar replicadores de seus conteúdos nas redes sociais.

Pablo também ficou famoso por um vídeo em que aparece narrando como fez o coaching de um piloto de helicóptero em queda. Dá um google aí e se divirta com os memes que saíram disso.

O ponto é que, para seus seguidores, nada disso importa. E nisso ele lembra ainda mais Bolsonaro, né?

E quem são esses seguidores, afinal? Bom, varia bastante. Tem aqueles em busca do coaching clássico, de como fazer amigos, influenciar pessoas e ficar milionário. Esse foi o primeiro público de Pablo. Disso, ele partiu pra parte messiânica do coaching e passou a misturar totalmente com a ideia de prosperidade como presente divino.

Até que ele compreendeu que havia um nicho a ser explorado. A parcela problemática das igrejas evangélicas junta riqueza material com salvação espiritual pelo lado religioso e lucram com isso. Ele enxergou um caminho de condicionar o enriquecimento à redenção pelo lado do coaching. E criou, então, o Quartel-General do Reino.

Eu assisti à uma reunião virtual de Pablo com seus “generais do Reino”, disponível no YouTube e gravada dois anos atrás. Diz ele que são mais de 5 mil só em São Paulo, tá? E há generais em países da África também, exatamente nos moldes das igrejas neopentecostais.

Ao ler comentários de seus generais sobre como pastores de suas igrejas estavam os perseguindo por conta da empreitada, orientava o pessoal a explicar melhor o que o QGR é. “Nosso movimento não é religioso. Parece, porque é uma estratégia do Alto para proliferar a mensagem, patrocinar as pessoas, fazer as pessoas crescerem, tirar as pessoas de bolhas”.

Quem não se convenceu muito disso foi o pastor Silas Malafaia, que tem um vídeo falando sobre os “pseudo-generais” e dizendo que só há uma igreja de Jesus.

A fala de Pablo na live havia começado com o relato do jejum que ele e os sócios vinham fazendo e com a noção da “oração imaginativa”, que faz as pessoas visualizarem o que estão pedindo. E com um dogma da seita: “Pessoas são armas e dinheiro é munição”. Olha aí mais umas palavrinhas-chave da extrema direita.

Em um anúncio de venda de um evento do QGR, a definição é a seguinte: “É um movimento do Reino que tem Jesus como líder e a família como base de tudo. Não tem igreja específica, todos podem participar. Os encontros tem como objetivo troca de experiências, sabedoria e conhecimento para que as pessoas e as famílias prosperem (prosperar não tem ligação com dinheiro, e sim, crescer em todos os caminhos). Cada família é um Quartel General do Reino”.

Foi num desses eventos, em Goiânia, que um vídeo absolutamente grotesco foi gravado. Nele, Pablo faz uma encenação de cura de uma cadeirante. Pede que ela se imagine dançando com Jesus. Depois, por minutos, a faz tentar andar — o que obviamente ela não consegue. Ele, então, pergunta se ela se sente culpada por ser cadeirante. É um show de horror.

Eu estou contando tudo isso pra mostrar como Pablo Marçal não deve ser levado a sério enquanto político no que diz respeito a suas ideias políticas. Agora, enquanto ameaça política, deve, sim. E aqui vale separar as coisas.

Jornalisticamente, notícias sobre um candidato ou uma figura pública que acumula 13 milhões de seguidores só no Instagram tendem a ser dignas de ser noticiadas. Especialmente quando ele sinaliza ser capaz de mobilizar uma parcela significativa da população brasileira.

Então, do ponto de vista jornalístico, é difícil argumentar que a imprensa não deveria dar palco para Pablo Marçal. Olhar para o fenômeno que ele representa ou mesmo apenas informar sobre os processos contra ele e como sua candidatura movimenta a corrida para a prefeitura não é só recomendável, é nosso dever.

Agora, civicamente falando, ou mesmo em se tratando de seus concorrentes eleitorais há formas diferentes de lidar com alguém como Pablo Marçal.
Boulos e Nunes escolheram ignorá-lo nos debates. São líderes nas pesquisas. Boulos até poderia se beneficiar de ir com Pablo para o segundo turno. Pesquisa Atlas indica que o psolista bateria Pablo. Mas seria um risco seguir se oferecendo como sacrifício pras agressões do coach.

Tabata foi ao debate porque, empatada com Pablo e Datena, tende a se beneficiar do confronto direto. Ela mudou sua tática e passou a atacá-lo com as acusações e investigações de que ele é alvo.

Nunes vinha até aqui forçando o abraço de Bolsonaro, que já falou com todas as letras que não o considera o candidato ideal e andava fazendo gracejos pro lado de Pablo. No fim de semana passado, a coisa virou e o ex-presidente começou a se afastar do ex-coach. Em parte, pela pressão que sofre de Valdemar Costa Neto e Ciro Nogueira. Em parte, porque se sentiu ameaçado.

Ignorar Pablo Marçal pode ser uma escolha estratégica de candidatos e adversários. Mas ela pode ser tola se ele realmente seguir crescendo. Seu domínio do uso das redes sociais é instrumental nesse crescimento e nada indica que ele vá recuar. E analisar isso com frieza não é exatamente dar palco pra maluco, porque com o tanto de gente que segue Pablo e compra seus cursos e é general do Reino, honestamente, o palco já está montado faz tempo e ele sabe usá-lo.

Um pouco como Donald Trump, sabe? Também um cara treinado para atrair e usar os holofotes que lhe são direcionados. Pois bem. Joe Biden e os democratas todos antes dele vinham tratando Trump pela ameaça a democracia que ele realmente é. Dando a ele a grandeza do perigo que ele representa.

Até que Tim Walz, novo candidato a vice de Kamala Harris, mudou a narrativa. Começou a apontar o bicho estranho que Trump é, com suas ideias radicais, intrusivas, seu falso nacionalismo, sua subversão de valores familiares embora alegue agir em nome das famílias. “Trump is just weird”, ele decretou. Trump é esquisito. E a coisa colou. De homem poderoso ameaçador o republicano passou a aberração, a ponto fora da curva do que é ser americano.

Não é certo se essa mudança vai funcionar. Até aqui, tudo indica que pode dar certo. Desconfio que daria também para Bolsonaro. E para Pablo. Um cara que mente sem parar em suas redes, que retroalimenta tudo aquilo de que os brasileiros já se cansaram, que agride seus adversários com uma baixeza sem precedentes, que tem um total de zero projetos para a cidade de São Paulo, quiçá para o Brasil. Cá entre nós, Pablo Marçal é esquisito.

Encontrou algum problema no site? Entre em contato.