Dino abriu caminho para governo recuperar no STF parte da execução do orçamento
Assim que terminou o almoço de mais de três horas oferecido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, aos representantes dos três Poderes, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o advogado-geral da União, Jorge Messias, foram direto para o gabinete do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto. O relato sobre a reunião incluiu a notícia de que o Executivo tem agora a chance de recuperar o controle de parte dos recursos orçamentários para ações que levam a marca do governo, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que é gerido por Costa, entre outros.
Isso porque entre as decisões tomadas está a de que as chamadas emendas de comissão terão que ser destinadas a “projetos de interesse nacional ou regional, definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo”. Outra notícia: o governo havia conseguido limitar o crescimento das emendas à receita corrente líquida e, com isso, impedir que as destinações feitas pelos parlamentares cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias. Um interlocutor do Planalto avaliou logo após a reunião que “qualquer avanço para conseguir dar mais transparência e melhor aplicação do recurso público não é vitória de governo, é de todos”. Mas também admitiu em reservado: “O resultado está em linha com a expectativa do governo antes da reunião”.
Preparação no Planalto
Antes de ir para o encontro, Costa e Messias se reuniram no Palácio do Planalto com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que, por ser desafeto de Lira, foi retirado da negociação por decisão de Lula, que preferiu não melindrar a relação com o presidente da Câmara. Mandar Padilha ao encontro seria, para o Executivo, desperdiçar uma janela de oportunidade para tentar ter um pouco mais de controle na execução do orçamento.
Costa e Messias foram para o encontro com as seguintes intenções: a primeira era chegar sem fazer propostas. A estratégia era primeiro ouvir dos ministros do STF o que seria possível executar. Na manga, os dois ministros levaram a disposição do governo de pagar o que já foi empenhado, mesmo nas formas suspensas pela decisão de Dino. Com isso, o governo conseguiria demonstrar que está disposto a desarmar os ânimos, considerando que os municípios já contam com a liberação dos recursos empenhados e prometidos pelos políticos. Agora, esse pagamento terá que ser acertado entre Legislativo e Executivo.
Outra proposta levada pelos ministros de Lula, mas com um entusiasmo menor, era de tentar dividir os recursos bloqueados em dois tipos de emendas: metade iria para as individuais, que têm o pagamento obrigatório mas são identificáveis tanto na origem, quanto no destino. Outra metade iria para programas do governo, como de infraestrutura, por exemplo, o PAC. Mesmo o Planalto estava cético sobre a aceitação desse modelo. Isso porque, muitos deputados e senadores avaliam que levar recursos com a marca do governo para seus estados e municípios não rendiam para eles dividendos políticos.
Todas essas definições terão agora 10 dias para serem estabelecidas, em uma reunião a ser marcada entre os dois Poderes. E, apesar de Barroso ter se esforçado para demonstrar que a reunião era um basta dado às duas casas legislativas pelo conjunto dos ministros da Corte, o fato é que foram as decisões do ministro Flávio Dino de suspender os repasses das emendas obrigatórias, entre elas as emendas PIX, que fizeram com que o governo entrasse na reunião com vantagem nunca experimentada antes pelo Planalto na relação com o Congresso. A chance de destinar recursos para os programas governamentais inaugura para o Palácio um ambiente diverso daquele que funcionava com a lógica do orçamento secreto. Além disso, o limite das despesas protege o governo que é obrigado a cumprir o teto de gastos. “Os deputados e senadores não têm essa obrigação”, disse ao Meio uma fonte do STF.
‘Volta ao curso’
Dino tomou suas decisões com base no que era orçamento antes do governo de Jair Bolsonaro. Em nome da governabilidade, o ex-presidente acabou terceirizando a execução do orçamento para o Congresso que extrapolou suas competências. O ministro levou em consideração que emendas de comissão estavam sendo usadas como emendas individuais, sem qualquer vinculação com políticas tocadas pelas pastas do governo. Um interlocutor do ministro avaliou que o acordo construído faz com que o “rio do orçamento comece a voltar para o curso”. O acordo ainda coloca nas mãos de Dino a tarefa de avaliar a conclusão a ser tirada da reunião que terá que ocorrer entre o governo e os congressistas. Dino, nesse caso, terá que avaliar de novo se as regras acordadas pelos dois Poderes atendem ao acordo firmado e não ferem os princípios constitucionais, ou seja, se não ferem as decisões tomadas por ele anteriormente e corroboradas pelos demais ministros.
Barroso, após o encontro, avaliou que dois critérios fundamentais foram sanados no almoço: a transparência na destinação das verbas e a possibilidade de se rastrear o caminho dos recursos. Ele, porém, procurou limitar a influência do STF às questões constitucionais. O primeiro é o critério da transparência, o outro da rastreabilidade. “O Supremo não participa de negociação política”, disse, referindo-se aos parâmetros de distribuição que terão que ser definidos pelo Congresso e pelo Executivo. “As questões políticas são decididas pelo Congresso e pelo Legislativo. As nossas preocupações eram de natureza constitucional, como a transparência, a rastreabilidade e a correção desses recursos. Quanto a isso eu acho que nós construímos um acordo satisfatório”, afirmou Barroso. Falta agora, na opinião de Barroso, resolver outro problema que está somente nas mãos do Legislativo e do Governo: a “fragmentação orçamentária”, ou seja, a destinação de recursos sem planejamento e sem estarem ligadas a uma política estruturante.
Apesar de ter que voltar para os trilhos constitucionais, o acordo também permitiu que o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, também pudesse sair do almoço contando que atribuições dos congressistas foram resguardadas. Isso porque as emendas PIX seguem sendo impositivas, o que era desejo dos parlamentares. Deputados e senadores temiam que a modalidade fosse extinta. Tanto que após a decisão de Dino, na semana passada, Pacheco se colocou na posição de tentar uma forma de dar mais transparência ao mecanismo que transferia recursos diretamente para as prefeituras sem a indicação de quem havia destinado e para quais ações. “Casos de malversação de dinheiro público, de desvios de recurso, de mau emprego de recursos podem se dar com orçamento próprio de município, de estado, da União, com emendas parlamentares”, reconheceu. “Há uma série de possibilidades de que isso aconteça e isso tem que ser coibido e reconhecido como exceções que devem ser combatidas pelos órgãos de controle. Mas não inviabilizar a execução orçamentária partindo do pressuposto de que tudo está errado”, disse.
Agora, o STF espera ganhar ainda mais. Um produto esperado desse almoço é justamente a reversão da rejeição da Medida Provisória 1238, que destina recursos para o Judiciário e Ministério Público. Outra reversão esperada é que não avance na Câmara a proposta que limita decisões monocráticas de ministro da Corte. Já aprovada no Senado, essa proposta foi destravada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, na semana passada, assim que os ministros do STF corroboraram as decisões de Dino de restringir a execução das emendas. Lira, que tinha esse trunfo na manga, mandou a PEC para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Agora, no STF, a espera é que esse rio também volte para o leito.