Morre o ex-ministro Delfim Netto
Morreu na madrugada desta segunda-feira, aos 96 anos, o economista Antônio Delfim Netto, que foi ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento, tornando-se uma das figuras civis mais influentes durante a ditadura militar. Além da passagem pela Esplanada, foi deputado federal, embaixador, professor, conselheiro de políticos à direita e à esquerda, e autor de dez livros e centenas de artigos. Ele estava internado desde o dia 5 em São Paulo, mas a causa da morte não foi divulgada.
Delfim Netto nasceu em São Paulo em 1928 e integrou a terceira turma de estudantes de Economia da USP, formando-se em 1951. Começou a se destacar em 1959 como membro da equipe do setor de planejamento do governo paulista e, após o golpe de 1964, integrou o Conselho Consultivo de Planejamento (Consplan) do governo Castelo Branco. Tornou-se ministro da Fazenda em 1967, já no governo Costa e Silva, e permaneceu no cargo até 1974, sob Emílio Médici. Em 1968, foi um dos signatários entusiasmados do AI-5, que deu início à fase mais dura da ditadura militar.
Durante sua longa gestão na Fazenda, comandou o chamado Milagre Brasileiro, um período marcado por intenso crescimento do PIB, da produção industrial e da infraestrutura. Com a oposição sob pesada repressão política, a imprensa sob censura e a popularidade do governo em alta, as críticas ao modelo foram abafadas. Mas o “milagre” não resistiu ao choque do petróleo de 1973 e ao crescente endividamento público, jogando o país em uma crise econômica severa.
Delfim foi escanteado do governo em março de 1974, com a chegada ao Planalto do general Ernesto Geisel, que não lhe era simpático. Em fevereiro do ano seguinte, assumiu o cargo de embaixador do Brasil em Paris, onde permaneceu por três anos. Com a substituição de Geisel por João Figueiredo, último dos generais-presidentes, voltou à Esplanada em março de 1979 com o inusitado cargo de ministro da Agricultura. Jô Soares satirizou-o com o quadro do “Dr. Sardinha”, um economista que assumia uma cooperativa agrícola sem saber diferenciar uma cebola de uma melancia. “Meu negócio são números”, era o bordão do personagem.
A passagem pela pasta foi curta. Em agosto, substituiu Mario Henrique Simonsen como ministro do Planejamento, impondo-se ao colega da Fazenda, Ernane Galvêas, e se tornando comandante de fato da economia. Permaneceu no cargo até o fim do governo Figueiredo, em março de 1985, e, no ano seguinte, elegeu-se deputado federal constituinte pelo PDS paulista. Foi uma das figuras mais influentes do Congresso até deixar a carreira parlamentar, em 2007.
Fora da vida política direta, foi conselheiro próximo do presidente Lula em seu segundo mandato (2007-2010), chegando a ser especulado para a presidência do BNDES ou mesmo um ministério, o que sempre desmentiu. Também aconselhou Dilma Rousseff, embora com menos frequência, e Michel Temer. (com g1 e Zero Hora)
Frasista polêmico
“Nós não temos competência para acabar com o Brasil. O Brasil vai sobreviver a todas as bobagens que nós fizermos”. Além de economista respeitado, Delfim Netto era um frasista célebre, muitas vezes politicamente incorreto: “A empregada doméstica, infelizmente, não existe mais, ela desapareceu. Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter”, afirmou. Também defendia a assinatura no AI-5, fechou o Congresso, estabeleceu a censura e iniciou o período mais sombrio da ditadura militar. “Eu voltaria a assinar o AI-5. Eu tenho dito isso sempre. Aquilo era um processo revolucionário, vocês têm que ler jornais daquele momento. As pessoas não conhecem história, ficam julgando o passado, como se fosse o presente. Naquele instante foi correto, só que você não conhece o futuro”. (Metrópoles)
Reações
Autoridades de todas as linhas políticas lamentaram a morte de Delfim Netto. Em nota, o Ministério da Fazenda declarou que ele foi “um referencial em diferentes fases da história do país” e “fomentou debates essenciais sobre a condução da política econômica brasileira”. Já o presidente Lula lembrou ter sido um crítico do ex-ministro ao longo de 30 anos, mas que os dois se aproximaram em 2006 e que Delfim participou da elaboração de políticas econômicas no período. O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), lembrou que Delfim foi o mais jovem ministro da Fazenda na História brasileira, assumindo a pasta aos 38 anos. (CNN Brasil)
Elio Gaspari: “Delfim Netto foi o ministro da Fazenda mais poderoso da história republicana. Ao contrário de Paulo Guedes, que acumulou ministérios, Delfim apenas espalhava seus quadros no tabuleiro do poder. Voltou ao ministério durante o governo do general João Baptista Figueiredo (1979-1985). Seu retorno ao comando da economia foi recebido com festas. Fracassou.” (Folha)
Míriam Leitão: “Na ditadura, Delfim foi parte da linha dura, tanto que na reunião em que foi assinado o AI-5 ele chegou a pedir medidas mais duras. Na democracia, a sua característica passou a ser a capacidade de conversar com qualquer campo político sem nenhuma radicalização ideológica”. (Globo)