Lula vai pagar pela Venezuela

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É bom a esquerda começar a se preparar, porque a história da Venezuela vai sobrar pra Lula. Isso vai ter custo eleitoral em 2026. Vem cá, vamos conversar.

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Ontem à noite, María Oropeza, uma das coordenadoras de campanha da oposição na Venezuela, teve sua casa invadida por meganhas do regime. Eles forçaram o portão, entraram, levaram-na presa. María fez o que tem de ser feito nessas horas. Transmitiu ao vivo pelo Instagram. Sabia que não ia impedir a prisão, mas fica público um registro de quem a levou para que não desapareça. É fundamental começar a ficar atento a desaparecidos.

Nós não sabemos quantos já foram presos. Estima-se mais de mil e a promessa do ditador, Nicolás Maduro, é de que tem duas penitenciárias onde botar quem questiona a eleição. A ditadura venezuelana está fechando. Já era um regime autocrático faz algum tempo, mas se disfarçava de democracia. Já não havia mais imprensa livre, os principais nomes da oposição estavam proibidos de competir em eleições, mas a Venezuela fingia ser democrata. Fazia o discurso de que era democrata.

Quando o Conselho Nacional Eleitoral anunciou que o ditador Nicolás Maduro estava eleito após a contagem de 80% dos votos, não deu qualquer detalhe. Até agora não temos sequer uma versão oficial de quanto ficou a contagem de 100% dos votos. Nem essa mentira eles contam. Diplomaram Maduro presidente eleito no dia seguinte, às pressas, sem sequer dizer quantos votos ele teve. Não custa ressaltar: nem um número mentiroso de quanto cada candidato teve, sabemos.

A oposição tem 79% dos boletins de urna, devidamente assinados pelos presidentes de cada sessão eleitoral. Difícil produzir uma coisa dessas falsificada no dia seguinte à eleição. Estes boletins da oposição foram tabulados pela Associated Press, pelo jornal britânico The Guardian, e por um grupo de estatísticos. Todos dão vitória com folga para Edmundo Gonzáles, ao menos na soma desses quase 80% dos votos. Especialistas em fraude eleitoral da Universidade de Michigan analisaram os boletins. Concluíram que têm 99% de chances de serem verdadeiros. Em cientifiquês quer dizer que são verdadeiros. O CNE diz ter entregados os boletins à Justiça da Venezuela. Diz. Mas ninguém viu.

Hoje, como anunciou em primeira mão a newsletter do Meio, foi publicada uma carta assinada por cientistas políticos como Steven Levitsky, Larry Diamond, Francis Fukuyama, incluindo os brasileiros Maria Hermínia Tavares e Mathias Spektor. Dentre os signatários estão os principais estudiosos do processo que o Diamond batizou de “decaimento democrático”. A crise das democracias.

Passamos os quatro anos do governo Jair Bolsonaro citando Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky. Discutindo avidamente o risco de perdermos a democracia brasileira. Passamos quatro anos, coletivamente, usando como argumento para alertar que a democracia daqui estava a perigo, justamente, o trabalho feito por Levitsky e por Diamond. Agora, um pedaço grande da esquerda quer ignorá-los. Agora viraram representantes do imperialismo americano.

O jornalista Jamil Chade descobriu que Lula convidou o presidente americano Joe Biden para um evento, em Nova York, em setembro. É no período de abertura do ano na Organização das Nações Unidas. O objetivo é alertar para o risco que a extrema direita oferece para democracias. Ela oferece mesmo risco. Oferece lá nos Estados Unidos, e aqui no Brasil. Mas o que dizemos quando o risco oferecido à democracia vem da esquerda, como ocorre na Venezuela ou na Nicarágua? Lula vai seguir ignorando o problema?

Quando o Conselho Nacional Eleitoral anunciou que o ditador Nicolás Maduro estava eleito sem qualquer detalhe, escondendo os boletins de urna e inventando desculpas mirabolantes como a de que Elon Musk teria atacado o sistema de votação venezuelano, um sistema que não tem qualquer conexão com a internet para justamente evitar ataques, o regime venezuelano fez mais do que mentir. A mentira patente, a mentira óbvia, a mentira que sequer se disfarça é algo pior. Como a mentira é óbvia, como a fraude é óbvia, como o golpe de Estado é óbvio, a Venezuela parou de fingir que é uma democracia. Entrou na fase da ditadura escancarada.

A gente já viveu isso. Vivemos isso duas vezes no século 20. Por isso, temos na nossa história lições sobre momentos assim.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

Estamos no ano dois da corrida da inteligência artificial. É uma tecnologia que vai mudar radicalmente o mundo, assim como aconteceu com a internet. Só que a internet demorou vinte anos. IA vai mudar em dez. Estamos no ano dois, pois é.

Por isso publicamos o Meio Perspectiva: IA 2024, disponível para download para assinantes premium. A gente conta o que está em jogo nessa corrida. Olhamos para as forças que impulsionam o desenvolvimento da inteligência artificial e o que podemos esperar de evolução nos próximos anos. Explicamos também os conceitos que definem as IAs generativas e como elas irão afetar o mundo do trabalho, além de trazer um guia das principais ferramentas disponíveis hoje, dos chatbots às aplicações de geração de imagens, áudio e vídeo.

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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

O jornalista Elio Gaspari batizou os dois primeiros volumes de seus livros sobre a nossa ditadura militar de A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada. São bons nomes. Entre 1964 e 68, a ditadura brasileira fingia ser democrática, se diza uma democracia. A imprensa era razoavelmente livre, a censura às artes era discreta, parlamentares eram cassados mas ninguém saía sendo preso à toa. Em dezembro de 1968, com o Ato Institucional de número 5, tudo mudou. A ditadura fechou, as prisões a rodo começaram, com elas a tortura se tornou prática cotidiana. E vieram os desaparecimentos.

Com Getúlio Vargas foi igual. Entre 1930 e 37, havia relativa liberdade, até uma Assembleia Constituinte se realizou. Aí Getúlio foi apertando a coisa, apertando, em em novembro de 37 deu o golpe do Estado Novo. Jornais foram fechados, as artes pesadamente censuradas, gente sendo presa, sendo torturada nos porões do regime. Desaparecidos. É sempre igual.

E é isto que aconteceu na semana passada, na Venezuela. O regime rasgou a fantasia de democrático. Parou de fingir. Assumiu sua real natureza. De ditadura envergonhada passou a ditadura escancarada. E o que acontece nessa fase? Presos políticos, tortura, desaparecidos. Quando uma ditadura escancara, ela o faz por uma razão. É porque está começando a surgir, na sociedade, o desejo de espurgá-la. A ditadura escancara para sobreviver. Precisa se impor na trapaça e na força. Com a polícia e com o Exército. É por isso que María Oropeza fez bem em documentar sua prisão. Mostrar a cara de quem a prendeu ao vivo pelo Instagram para o mundo ver. Documenta. Tem algum tipo de seguro para que não a desapareçam, para que não possam dizer, “nós? A gente não a prendeu, não.” O governo agora é responsável por sua vida.

Quando ditaduras fecham, o trabalho da diplomacia se torna muito importante. É bom que o Brasil mantenha vínculos. Porque algum país precisará fazer o trabalho de ligar para os representantes do regime e falar em nome de pessoas como María Oropeza. Que possam negociar sua libertação e o exílio seguro. O Itamaraty vai ser criticado por não denunciar a ditadura venezuelana. Paciência. Se for pra salvar vidas, o trabalho tem de ser feito por alguém.

Lula tem responsabilidade nesse cartório. Ele trabalhou para legitimar e fortalecer Nicolás Maduro em seu primeiro ano e meio de governo. Esta legitimação é tremendamente impopular, impopular particularmente com quem votou nele pela democracia mesmo não sendo de esquerda. É impopular porque é incoerente, porque é hipócrita e porque todo mundo percebe isso. Está claro para cada brasileiro que o presidente da República lida com democracia com dois pesos e duas medidas. A ameaça é grave quando vem dos outros mas não tanto quando é de seus amigos.

E mesmo que o governo esteja fazendo tudo certo, e em grande medida está fazendo tudo certo, as frases de Lula sobre Maduro, sobre que democracia é relativa, de que Maduro era vítima de uma “narrativa” que sugeriria que o país é uma ditadura, isso não vai ser esquecido. Lula fortaleceu Maduro quando estava óbvio que o regime precisaria fechar.

E aí tem esse evento em setembro contra a extrema direita. Gente, não dá. É demais. Vai ficar óbvio para todo mundo. Chegamos a um ponto em que não é mais possível, daqui onde estamos na América Latina, responsabilizar apenas a direita pela ameaça à democracia. Porque os dois países que perderam de fato suas democracias nas Américas não a perderam para a direita. A perderam pra esquerda. Se é para falar duro contra quem ameaça a democracia, não dá pra fingir que não tem nada acontecendo no vizinho ao norte.

Porque tem. É muito grave. É muito perigoso. E é muito triste. Que ninguém se engane. A Venezuela hoje é uma ditadura militar igualzinha a que nós tivemos. O presidente vestir camisa vermelha não muda o fato.

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