Juíza que proibiu aborto em menina de 13 anos já obrigou garota de 11 a ter filho

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A mesma juíza de Goiás que hoje obriga uma menina de 13 anos vítima de estupro a sustentar uma gravidez até que o feto tenha condição de sobreviver fora da barriga suspendeu, há dois anos, o direito de aborto de uma outra menina, de 11 anos, grávida em decorrência da violência sexual praticada pelo padrasto. Esse primeiro episódio ocorreu em 2022, na cidade de Senador Canedo, na região metropolitana de Goiânia.

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No dia 18 de março daquele ano, Maria do Socorro de Souza Afonso da Silva, titular da Vara de Infância e Juventude de Goiânia, suspendeu a interrupção da gravidez, procedimento que já estava para ser realizado no da Hospital das Clínicas de Uberlândia, cidade de Minas Gerais, unidade considerada referência para a região nesse tipo de atendimento.

Na época, a gestante de 11 anos e sua mãe já haviam percorrido o doloroso caminho decorrente da violência sexual que tem como consequência a gravidez. O padrasto, de 44 anos, havia sido preso. A mãe da menina a apoiava na decisão e deixou isso explícito no primeiro atendimento feito no Hospital Estadual da Mulher (Hemu), antigo Hospital Materno Infantil da capital de Goiás, no dia 10 de março, quando a gravidez completava 22 semanas e três dias.

Termo assinado, o procedimento foi marcado para o dia 23 de março. Na documentação constava que o procedimento seria “realizado de acordo com os protocolos institucionais validados pela literatura médica destacando as normas técnicas e portarias editadas pelo Ministério da Saúde”. Mas a decisão da magistrada interrompeu todo processo e a menina passou por uma cesariana no dia 30 de junho daquele ano, sendo mãe aos 11 anos.

A decisão da magistrada à época se equipara à que foi tomada agora com a garota de 13 anos, cuja gestação completou 28 semanas, caso revelado na semana passada em reportagem do jornal O Popular, assinada por Mariana Carneiro. O caso de 2022 também foi retratado pelo jornal. A juíza Maria do Socorro novamente não autorizou o aborto e decidiu no sentido de fazer com que a menina leve a gravidez até o momento que seja possível garantir a vida do feto, não atendendo, dessa forma, o pedido feito pelo Ministério Público de interrupção da gravidez. Ou seja, não se trata de autorizar o aborto, trata-se de uma “antecipação do parto”, obrigando a menina a ter o filho. Agora, a decisão da juíza foi agravada. Até mesmo a antecipação do parto foi proibida pela desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, da 7ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás.

Enquanto o caso de 2022 passou sem alarmar autoridades do Judiciário, o mais recente chamou a atenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério das Mulheres. Na sexta-feira, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, intimou as duas magistradas a prestarem esclarecimentos sobre as decisões. “O cenário exposto sugere, em linha de princípio e se comprovado, a prática de falta funcional com repercussão disciplinar por parte da juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso e Silva, titular do 1º Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia, e da desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás, o que exige a atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça, com urgência, para a apuração dos fatos”, argumentou.

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, enviou ao estado funcionários da pasta para acompanhar o caso e disse estar em contato com todos os órgãos relacionados à situação. “É preciso reforçar que casos como este sequer deveriam ter que passar pelo crivo da Justiça. A legislação brasileira é clara: se a gravidez é decorrente de estupro, põe em risco a vida da gestante ou há anencefalia, a gestante tem o direito de interromper a gravidez. Exigências desnecessárias como autorizações judiciais transformam a busca pelo aborto legal em um calvário na vida de meninas e mulheres”, disse a ministra, em nota.

A reportagem do Meio tentou contato com as duas magistradas nesta segunda-feira, no entanto, não conseguiu ser atendida. O espaço segue aberto para manifestações sobre o assunto. Já a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) informou, por telefone, que tanto a juíza quanto a desembargadora não falam sobre os processos que correm em segredo de justiça, como é o caso, e nem fazem comentários sobre decisões tomadas em processos recentes ou do passado. Falar de um processo, segundo a assessoria, significaria falar também do outro, visto que são decisões semelhantes.

Quanto aos questionamentos do CNJ, o tribunal informou que “como o processo tramita em segredo de justiça, o TJGO não pode manifestar sobre o caso específico. No entanto, ressalta que todas as providências determinadas pelo CNJ são cumpridas imediatamente pelo TJGO”.

E, enquanto não se chega a uma decisão sobre a gravidez, o suspeito de estuprar a menina de 13 anos segue em liberdade. Ele é um homem de 24 anos, que, de acordo com fontes ouvidas pelo Meio, é vizinho dela, em Goiânia. A criança, que nasceu quando a própria mãe tinha apenas 12 anos, vive com o pai, de quem partiu o pedido para que o aborto fosse impedido. Segundo fontes do governo, o pai se recusa a denunciar o estupro sofrido pela filha por considerar que o homem era namorado dela. A legislação brasileira, porém, considera como estupro de vulnerável qualquer ato sexual, mesmo consentido, com menor de 14 anos.

De acordo com a Polícia Civil goiana, o caso estaria sendo tratado pela Delegacia de Proteção à Criança da cidade de Senador Canedo, onde o crime teria ocorrido. No entanto, na delegacia, uma atendente disse ao Meio não saber do caso por lá. A assessoria de imprensa da Polícia Civil também não soube dizer se houve pedido de prisão do suspeito e qual é o delegado responsável pela investigação.

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