Bolsonaro rouba, mas faz

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Voltei, hein? O Cá entre Nós ficou em pausa por algum tempo, porque eu assumi novas funções aqui no Meio e acabei precisando me dedicar a outras tarefas. Mas senti muita falta de vir aqui papear com vocês!

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Bom, no dia 4 de julho, a Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 11 pessoas no caso das joias sauditas.

Bolsonaro é suspeito dos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato ou apropriação de bem público. Trocando em miúdos, a acusação é de que ele embolsou joias que ganhou de autoridades sauditas, não se sabe em troca de que, as vendeu, lavou o dinheiro da venda e ficou com a grana.

O indiciamento é só um movimento inicial na coisa toda. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, encaminhou o inquérito para o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifestar. Caso o PGR decida denunciar o ex-presidente, a Justiça decide se o torna réu. Só aí ele começa a responder no processo.

Isso é o trâmite jurídico. O efeito político, claro, é outro, tem outro tempo.
O roubo das joias não é, nem de longe, o que Bolsonaro já fez de mais grave. Além de toda a condução, a meu ver, criminosa da pandemia, tem aquele episodiozinho de uma tentativa de golpe de Estado, né?

A PF está trabalhando forte nas investigações sobre o 8 de janeiro e deve indiciar Bolsonaro nesse caso nos próximos dias. A expectativa é de que uma primeira condenação saia ainda esse ano — o que pode ser prudente, se pensarmos no exemplo dos Estados Unidos e no fato de que Donald Trump, mesmo condenado, está líder nas pesquisas.

O que o indiciamento pelo roubo das joias oferece politicamente é uma oportunidade para o bolsonarismo e o anti-bolsonarismo testarem limites.
Os adversários de Bolsonaro têm a expectativa de colar no ex-presidente uma pecha de “ladrão” de joias, de corrupto, algo que não pegou até aqui, apesar dos indícios claros, desde as rachadinhas até as próprias joias, de que Bolsonaro não é exatamente honesto.

Do lado do bolsonarismo, aliados do ex-presidente estão testando um discurso de que, supondo-se que Bolsonaro tivesse mesmo afanado as joias, isso é fichinha perto do que Lula e o PT já roubaram. É fichinha perto dos gastos do Gilmarpallooza. É fichinha perto do que ele pode fazer pela direita no país.
Isso é, claramente, uma atualização do “Rouba, mas faz” que habilitou o malufismo por décadas. É uma justificativa de que, bem, se o preço para se preservar o conservadorismo, a família e a moral for de algumas joiazinhas sauditas, que assim seja.

É desse momento da política que eu quero falar com vocês hoje. Mas, antes, deixa eu fazer nosso jabá aqui, né? Vocês sabem que o Meio vem crescendo, tá na labuta de apresentar cada vez mais conteúdo e em mais formatos, de falar com mais gente. Só que fazer isso com qualidade custa caro.

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No fim de semana, teve o CPAC em Balneário Camboriú, uma espécie de festival da ultradireita copiado do modelo americano. Lá, os expoentes da direita mais radical brasileira tomaram o palco para fazer discursos sob medida para as redes sociais, com muito apelo motivacional, e de prosperidade, aquela linguagem de coach mesmo.

Bolsonaro já havia sido indiciado. Mas o assunto mal apareceu por lá. Numa declaração no começo do evento, o ex-presidente jogou a roubalheira no colo do PT, que chamou de “partido do trambique” e disse que está prontinho pra ser sabatinado sobre qualquer assunto por duas horas. Ainda acrescentou que “apesar de a PF ter ido três vezes na minha casa, hoje já tenho 300 e poucos processos ainda. Vale a pena. A gente não vai recuar”.

Tirando a parte já bastante manjada de acusar os adversários sempre de perseguição política, com a qual a PF ajudou imensamente errando o valor que Bolsonaro teria surrupiado e tendo de se corrigir em seguida, o que o caso das joias inaugura oficialmente é uma nova fase da ideologia bolsonarista.

Há muito se fala dessa mistura da teoria da prosperidade evangélica com a meritocracia distorcida da direita. Vejam, não é que qualquer evangélico seja bolsonarista ou use essa mentalidade de forma política. É mais o contrário.
O bolsonarismo encontrou um jeito de incorporar o ideal de “chegar lá, de vencer na vida”, e de que isso só é possível para os devotos e fieis a deus, ao discurso político da direita radical.

A personificação desse amálgama é a figura do deputado mineiro Nikolas Ferreira. Jovem, filho de pastor, de ideias e plataformas dolorosamente retrógradas, ele teve 25 minutos para discursar no CPAC, ficando atrás só de Bolsonaro e de Javier Milei.

Nikolas representa também muito fielmente o público da palestra do filósofo Jordan Peterson, promovida pelo Brasil Paralelo, que eu acompanhei. O que eu vi ali na fila era esse misto de cristão conservador faria limer tudo-ao-mesmo-tempo-agora numa pessoa só. No caso dos homens, tinha o coletinho puffer, mas tinha corrente com cruz no pescoço. Nas vestes femininas, tinha roupas recatadas e do lar, mas com muita ostentação de joias e marcas.
E nas palavras de Peterson, o guru atual da extrema direita, tinha a noção de que Caim matou Abel porque Abel chegou lá, venceu na vida, por mérito seu. Que, nos dias de hoje, o marxismo político e cultural é Caim. E a resistência conservadora é Abel. Ou seja, em nome de proteger os valores morais, vale tudo. Inclusive corrompê-los.

Essa lógica justifica a passação de pano para Bolsonaro e seus atos de corrupção. O que são 6 milhões de reais para aquele que é o mártir na luta contra o comunismo, na guerra entre o bem e o mal, na preservação da família? É assim que se atualiza o slogan malufista. Bolsonaro rouba, mas faz. Não faz no velho sentido das obras superfaturadas, do populismo de entregas estatais. Faz no sentido de se manter como estandarte dos valores da direita radical e capitalizar, em si, outros valores, como o das virtudes do campo, da devastação ambiental, das armas.

Bolsonaro não desistiu de ser candidato em 2026 – mesmo que isso seja puro jogo retórico. No CPAC, organizado por seu filho, Eduardo, figuras da direita como Ronaldo Caiado e Romeu Zema não foram convidadas. Mas Tarcísio de Freitas estava lá, sorridente que só, nem um pouco moderado, pra quem ainda tinha dúvida, abraçando Javier Milei como se fossem amigos de infância. Foi a forma de o bolsonarismo deixar bem claro que a direita raiz só aceita um líder. E que esse líder é Bolsonaro, mesmo que ele roube um pouquinho.

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