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Dólar e Roberto, Galípolo e Lula

Gabriel Galípolo, se for ele mesmo o próximo presidente do Banco Central, e tudo indica que será, vai ter um trabalho gigante pela frente. O trabalho maior não vai ser o de cuidar de política monetária, garantir que a inflação esteja na meta, produzir sistemas como o PIX e DREX ou ter certeza de que os bancos estão funcionando direito. Essas coisas todas são muito importantes, deveriam ser o foco essencial de todo banqueiro central, só que no caso do Brasil não basta. É preciso institucionalizar o Banco Central. Criar algo que Roberto Campos Neto não deu conta de criar: o jeito de se conduzir no cargo. E isso abre um flanco de críticas que vai muito além do trabalho técnico muito competente que o BC vem executado.

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Vejam: Lula está errado. O mercado não está boicotando o real. O Banco Central não está tentando desestabilizar a economia brasileira, ou seu governo, ou nada disso. Lula está convencido de que Roberto Campos Neto é um bolsonarista infiltrado que tem a missão de criar dificuldades para o governo. Não é. Mas não é em parte. Ele não é uma pessoa infiltrada com a missão de criar dificuldades. Isso, não. Basta ver a quantidade de votos unânimes que diretores indicados por Lula e diretores indicados por Bolsonaro dão juntos no Conselho de Política Monetária. Basta ver agora mesmo: Campos Neto saiu de férias e quem indicou para assumir interinamente a presidência do BC? Galípolo. O primeiríssimo indicado por Lula para sentar lá. Não precisava fazer isso, poderia escolher qualquer um dos outros diretores. Escolheu aquele que tudo indica será seu sucessor. Isso é mostra de isenção no cargo, é mostra de preocupação de que Galípolo já vá se habituando.

Campos Neto não é um sabotador, pelo contrário. É muito responsável com seu trabalho. Mas ele é bolsonarista. Ele é simpático à ideia de o governador paulista Tarcísio de Freitas ser candidato à presidência. Já se botou à disposição para ser ministro da Fazenda se isso ocorrer. E Campos Neto não esconde isso. Foi votar para presidente com camisa da seleção brasileira, o símbolo da campanha de Bolsonaro. Ele foi votar fazendo campanha. Participou de um jantar político com Tarcísio tem semanas. Falou um bocado, falou tanto e com tanta gente que vazou coisa. Ou seja, o presidente do Banco Central independente tem posição na briga ideológica brasileira e faz questão de deixar sua posição pública. Faz questão de mostrar suas cores políticas em público.

Não é assim que um presidente de Banco Central se porta. Presidente de BC americano, europeu, japonês, britânico, nenhum deles fala de candidato a presidente ou premiê, não vai votar com camisa de candidato, não janta com candidato em meio a debate acalorado. Presidentes de bancos centrais compreendem que seu papel é um de distância do jogo político. A independência do Banco Central existe, justamente, para que certas decisões de política econômica sejam tomadas fora do calor do debate político. Isso acontece porque democracias modernas compreendem que certas decisões são mais técnicas do que políticas. E, de novo, o BC atua tecnicamente. Não existe grande desavença entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e as decisões que o BC vem tomando.

E ainda assim, com toda a ação externa a suas funções de Roberto Campos Neto, o maior problema nessa equação não é ele. É Lula. Sim, o dólar subiu muito. Sabe por que o dólar subiu muito? Porque a eleição ficou mais fácil para Donald Trump, lá, isso quer dizer que o mercado aposta em mais inflação nos Estados Unidos. Subiu por toda parte. Só que subiu mais no Brasil? Por quê? Porque quem investe ficou com medo de o presidente do Brasil sair mexendo na economia a ponto de criar uma crise. Ficou confuso? Vem comigo.

Eu sou Pedro Doria, editor do Meio.

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E este aqui? Este é o Ponto de Partida.

O mercado não é uma instituição moral. O mercado financeiro é um bando de gente que tem um mesmo trabalho: fazer dinheiro. Comprar papel, vender papel, e tudo isso corre em volta de uma interpretação do futuro. Se apostam que algo vai ficar mais caro ou mais barato. Se as coisas vão melhorar ou piorar. E, claro, tudo isso ocorre num cenário em que as pessoas contam mesmo com oscilações, sabem que o que sobe, uma hora desce e o que desce, uma hora sobe. O trabalho é esse. Comprar na baixa, vender na alta, botar o lucro no bolso. Quem aposta melhor ganha dinheiro, quem aposta pior termina sem emprego. É uma profissão inclemente.

Donald Trump vai ser mais protecionista. Ele diz que vai ser e foi assim quando presidiu o país. Vai erguer mais barreiras, vai brigar com a China, e isso fará com que as coisas fiquem mais caras, nos Estados Unidos. Resultado? Bem, o resultado é que a inflação por lá deve aumentar. Se a pressão inflacionária vier, o Banco Central americano não terá escolha que não aumentar os juros. É igualzinho acontece aqui. Quanto maior a inflação, maiores os juros para as pessoas gastarem menos e, assim, diminuir a inflação. Pois é, contrai a economia. Não tem jeito muito sutil de fazer a coisa.
Só que, olha, não tem moeda mais forte do que o dólar. Se o Banco Central americano aumenta a taxa básica de juros, quem investe em dólar faz mais dinheiro. E, claro, para atrair dólares os outros bancos centrais do mundo precisam aumentar ainda mais as suas taxas de juros. Se não, os investidores correm todos pra lá e não fica nada aqui. Então é por isso que o dólar começou a subir. Porque teve o debate desastroso para Joe Biden, porque teve uma decisão importante a favor de Trump na Suprema Corte e pronto. A aposta no futuro é: o BC americano vai aumentar os juros e a economia vai ficar mais difícil para o mundo todo. Pois: compre-se dólar. O dólar se valoriza.
Bem, se a tendência do Banco Central americano é aumentar a taxa de juros lá, o Banco Central brasileiro tem de aumentar a taxa de juros aqui. De novo, é uma aposta. Aumenta logo? Espera os americanos se moverem primeiro? Baixar não pode mais, isso não dá. Acabou a possibilidade. É o cenário. Não é o cenário só para o Brasil, é o mesmíssimo cenário que todo banqueiro central está vendo, com o qual está trabalhando. E, sim, esta é uma situação tensa. Mas é o que há. A eleição americana mobiliza a economia do mundo todo.

Pois é, aí Lula vem e diz que o Banco Central do Brasil deveria gastar dinheiro para manter o dólar baixo. Pode até fazer. Mas por quanto tempo? E a que custo? Vale a pena queimar as reservas para manter a taxa de câmbio? Porque, olha, se a coisa começa a degringolar no Partido Democrata, pode ser que o dólar suba ainda mais, aí o Brasil gastou dinheiro e não fez muita diferença.

Só que Lula está convencido do quê? De que é pessoal. De que é com ele. De que Roberto Campos Neto toma suas decisões pensando em facilitar a vida de Tarcisio de Freitas, caso ele venha a ser candidato à presidência. E, quando Lula começa a bater no Banco Central, como pensam as pessoas cujo trabalho é fazer apostas sobre para onde vai a economia do Brasil e a economia dos Estados Unidos? Essas pessoas pensam o que é óbvio. Vai ter briga entre o presidente da República e o Banco Central, a coisa vai ficar mais instável aqui, o real é menos seguro. Vamos comprar um pouquinho mais de dólar do que já íamos comprar antes. E isso quer dizer que, para segurar, o BC ia precisar gastar ainda mais das reservas.

Não tem jeito. Sempre que Lula bate em Roberto Campos Neto, o real cai e o dólar sobe. Sempre que Lula bate no BC, o problema na economia do qual Lula está reclamando piora. É inacreditável. E isso acontece por sua convicção de que Roberto Campos Neto não é técnico. É um sabotador. Aí está o nó. Roberto Campos Neto não faz nada para convencer Lula do contrário. Pelo contrário. Vai jantar com Tarcísio e piora a situação.

Lula está muito errado em sua leitura. E Gabriel Galípolo, que tudo indica será o próximo presidente do Banco Central, tem uma missão republicana urgente. A de se comportar, em seus quatro anos de mandato, como se política não existisse. Não importam suas simpatias, ele não deve demonstrá-las. É um papel por desempenhar para consolidar a independência do Banco Central, a necessária independência do BC. É firmar um exemplo para que todos seus sucessores possam seguir. Porque, infelizmente, o primeiro banqueiro central independente fez um excelente trabalho do ponto de vista técnico em seu mandato mas não foi capaz de mostrar maturidade institucional. De se comportar como devia.

Em democracias, principalmente em democracias fragilizadas, gente que sabe se portar como o cargo exige faz muita falta. Roberto Campos Neto não sabe. Lula não sabe. Arthur Lira não sabe. E uma boa metade dos ministros do Supremo não sabem. É duro, viu? Bem duro ser brasileiro.

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