Lira quer frear confronto com STF na questão do porte de maconha
Apesar de ter criado uma comissão especial para analisar a chamada PEC das Drogas, já aprovada no Senado, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal dificilmente será confrontada pela Câmara neste semestre ou até as eleições municipais de outubro, de acordo com a avaliação de líderes ouvidos pelo Meio. Após o desgaste das últimas semanas, provocado pela aprovação da urgência do Projeto de Lei Antiaborto, deputados indicam que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), não quer ouvir falar de pauta de costumes. Pelo menos por enquanto.
O plenário do STF entendeu, em sua maioria, que o porte da cannabis para uso pessoal deixa de ser considerado um crime e passa a ser tratado como um ilícito administrativo. Também ficou estabelecido que o usuário deve ser diferenciado de traficante, a depender da quantidade e de outros fatores ainda em discussão no plenário.
A quantidade que caracterizará a situação de tráfico só será anunciada nesta quarta-feira e depende ainda de um entendimento entre os ministros. A probabilidade é que todos convirjam para uma quantidade média de 40 gramas por usuário, o que seria um consenso considerando as propostas apresentadas ao longo de todo o julgamento.
No Congresso, a decisão é vista como mais um capítulo do embate entre Legislativo e Judiciário. E em contraposição a essa discussão na Justiça, o Senado já aprovou uma emenda que coloca na Constituição proibições que existem hoje na lei. A PEC 45/2023 está na Câmara e para continuar sua tramitação precisa passar na comissão especial instalada por Lira.
Lira, que está em Portugal na companhia de Gilmar Mendes, deixou pronto o ato de criação da comissão especial para a PEC no último dia 17. Hoje, com a definição por parte do STF, ele apenas mandou publicar o documento. O presidente da Câmara está participando do Fórum Jurídico de Lisboa, evento patrocinado pelo IDP, de propriedade do ministro do ST. Ele já sinalizou a intenção de arrefecer os ânimos em conversa com deputados próximos.
“Quando ele atendeu a bancada, fez de tudo para não parecer uma reação à decisão do ministro Alexandre de Moraes de cassar uma resolução do Conselho Federal de Medicina, que proibia a interrupção da gravidez após a 22ª semana. Só que a ideia foi muito batida pelos religiosos, inclusive com ataques ao ministro do STF nos discursos. Isso aumentou muito a irritação dele”, disse, sob reserva, um líder próximo a Lira.
Outro interlocutor assíduo do alagoano informou que ele quer evitar “contaminações” no ambiente político e, nesse caso, a PEC das Drogas tem potencial para azedar as possibilidades de consenso dentro da Casa. “Ele quer priorizar a reforma tributária e, na semana que vem, os dois grupos de trabalho ficaram de entregar o relatório”, disse. “Querendo ou não, esse é um assunto que contamina muito o ambiente político. E chega de contaminação”, avaliou, em conversa reservada.
É claro que a postura de Lira se refere ao atual contexto político. Nada impede que ele encaminhe a PEC em outro momento. Vale lembrar que, para fazer seu sucessor na eleição à presidência da Câmara, marcada para fevereiro do ano que vem, Lira depende de votos dos conservadores da Casa e esse ponto certamente será colocado à mesa pelos deputados conservadores mais radicais.
Liderança da frente religiosa, o deputado Sóstenes Cavalvante (PL-RJ) informou ao Meio que, pelo menos nesta semana, não apresentará um pedido de urgência para que a questão das drogas seja puxada para o plenário, como ocorreu no caso do aborto. No entanto, não descartou movimentos futuros da bancada neste sentido. Tudo vai depender da reunião de líderes marcada para terça-feira da semana que vem.
A decisão do STF ainda não foi proclamada. Isso porque houve várias nuances de votos em relação às quantidades e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, deu início à busca de um entendimento entre os ministros. O resultado, segundo Barroso, só será proclamado na quarta-feira. Nesta terça-feira, o ministro Gilmar Mendes, que é o relator da proposta, entrou na sessão, de forma virtual. Ele havia sugerido a quantidade limite de 60 gramas, mas concordou na construção de um acordo para se chegar a um meio-termo junto com o colegiado.
Um ponto é certo: o Congresso não poderá, segundo entendimento dos ministros, retroceder em relação à descriminalização, ponto que vai na contramão do que diz a PEC.